Enfim o principal beneficiário
do maior esquema de corrupção da história política do país despontou no
julgamento do mensalão. Se até a defesa de José Dirceu nega que o ex-ministro é
quem tenha comandado a "sofisticada organização criminosa", só alguém acima
dele poderia ter exercido o papel. Ontem, o dedo foi apontado para Luiz Inácio
Lula da Silva.
Coube ao advogado de Roberto
Jefferson acusar o ex-presidente de ter ordenado e posto para funcionar o
esquema de desvio de verbas públicas para alimentar o projeto de poder do PT. O
argumento visa incluir Lula entre os acusados, já que ele não figura entre os 38
réus arrolados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
"Lula não só sabia como ordenou
tudo isso que essa ação penal escrutina. Aqueles ministros eram apenas
executivos disso", afirmou
Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que defende o petebista, autor das denúncias que
levaram à descoberta do mensalão, em 2005.
"É claro que Sua Excelência [o
procurador Roberto Gurgel] não pode aqui afirmar que o presidente da República
fosse um pateta, fosse um deficiente, que sob suas barbas, acontecendo isso, as
tenebrosas transações, ele não soubesse de nada", continuou a defesa de
Jefferson.
É evidente que há muita
retórica na fala do advogado, mas é inegável que a oratória que ele exercitou ontem
na tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF) faz todo sentido. O mensalão
existiu e constituiu-se em desvio de grosso dinheiro público para a compra de
apoio parlamentar para garantir a perpetuação do PT no poder. Mas a que pessoa,
ao fim e ao cabo, o esquema beneficiou mais diretamente?
Quem passou os oito anos que
poderia no exercício do mandato, cogitou a possibilidade de permanecer mais
quatro, atropelou toda a lei para eleger a sucessora e, volta e meia, ainda
aventa a chance de voltar para mais oito anos no Planalto? Afinal, de quem é o
projeto político de longo prazo que o mensalão buscou sustentar, inclusive com
sua meta de arrecadar R$ 1 bilhão?
A defesa de Jefferson já havia
tentado incluir Lula entre os acusados, até como forma de buscar livrar o
petebista do impreterível ajuste de contas com a Justiça. Mas não é a única a
tentar imputar o ex-presidente no caso: em abril, um procurador de Porto Alegre
também havia pedido a inclusão de Lula no processo penal do mensalão, mas sua
solicitação não chegou a ser respondida pela PGR.
A base de tais acusações é
objetiva: o envolvimento direto de Lula em medidas que beneficiaram o banco
BMG, uma das instituições financeiras por onde transitaram recursos
malcheirosos para engordar os cofres petistas. Depois de avistarem-se com o
então presidente, os executivos do banco obtiveram permissão para que o banco
entrasse no mercado de crédito consignado - a mais atrativa das operações
financeiras, por envolver risco quase zero de calote.
O envolvimento foi além: Lula e
o então ministro da Previdência, Amir Lando, enviaram cartas a 10 milhões de
segurados do INSS em que lhes apresentavam a nova modalidade de crédito
disponível no mercado. O episódio ocorreu em 2004, ano em que o mensalão corria
solto e no qual o lucro do BMG simplesmente mais que triplicou, passando de R$
90 milhões para R$ 280 milhões. O caso de uso explícito da máquina pública aguarda
julgamento da Justiça Federal, com decisão prevista
para a próxima semana.
Ao longo de vários dias de
sessões no STF, firmou-se ainda mais na população brasileira a convicção de que
o mensalão foi um caudaloso esquema de corrupção ocorrido no governo Lula, como
mostrou pesquisa do Datafolha publicada
no domingo. Para 73% dos 2.562 entrevistados, o julgamento deve terminar em
condenação e prisão dos principais acusados.
Novas provas mais contundentes
podem até não ter aparecido nos últimos dias, mas toda a narrativa em torno da
montagem do "mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e de desvio de
dinheiro público feito no Brasil", na precisa definição de Roberto Gurgel, ganhou,
dia após dia, contornos cada vez mais nítidos. Se houve uma quadrilha, como
acusa a PGR, ela tinha um chefe. Resta saber entre quais quatro paredes do
Palácio ele atuava: se no terceiro ou no quarto andar do edifício.
Instituto Teotônio Vilela
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