Sete
anos depois de revelado, o escândalo do mensalão conheceu ontem seus
primeiros condenados. O Supremo Tribunal Federal (STF) inaugura, assim, a
perspectiva de que delitos que lesam o patrimônio público não passarão
mais incólumes. A sessão de ontem representou um soco no estômago dos
que apostam no cinismo e na impunidade.
Quatro
dos réus já têm maioria de votos pela condenação por desvio de dinheiro
público: Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil; Marcos
Valério, operador do mensalão; Cristiano Paz e Ramon Hollerbach,
ex-sócios do publicitário numa agência de comunicação. Seus crimes são
corrupção e peculato.
Embora
os ministros que já se manifestaram ainda possam alterar o voto, é
incomum que isso aconteça. O próximo da lista de condenados deve ser o
deputado petista João Paulo Cunha. Sobre o caso dele, os integrantes do
Supremo apenas começaram a votar ontem: quatro já pediram sua
condenação; com mais dois, sua cabeça também rolará.
Das
manifestações dos ministros do STF na sessão de ontem, extraem-se
firmes condenações ao cinismo com que o PT, os mensaleiros e seus
advogados vêm tratando o assalto aos cofres públicos que marcou o maior
escândalo da historia política do país. Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen
Lúcia deram belas lições a quem gostaria que a impunidade continuasse a
imperar no Brasil.
Os
votos proferidos pelos três ministros - o outro a votar ontem foi José
Antônio Dias Toffoli, comprovando que teria sido muito mais digno se
tivesse se manifestado impedido de julgar seus ex-chefes petistas -
jogam mais uma pá de cal na profana tese levantada pelo PT de que o
mensalão não passou de "mero" caixa dois eleitoral.
"Não
importa o destino dado ao dinheiro, se foi gasto em despesas pessoais
ou dívidas de campanha. Em qualquer hipótese, a vantagem não deixa de
ser indevida", ensinou a ministra Rosa. Fux cuidou de dar cores vivas ao
tema sobre o qual a mais alta corte está se debruçando: trata-se de
subtração de dinheiro do contribuinte.
"A
cada desvio de dinheiro público, mais uma criança passa fome, mais uma
localidade fica sem saneamento, mais um hospital, sem leitos. Estamos
falando de dinheiro público, destinado à segurança, à saúde e à
educação", disse, fugindo dos eufemismos que os cínicos adoram empregar
para tentar reduzir o mensalão a uma "farsa", criada por alguma
imaginação fértil. Estamos, isto sim, diante de um "megadelito",
asseverou o ministro.
Também
serviram para embasar os votos proferidos ontem por Cármen, Rosa e Fux o
descaramento e a desenvoltura com que os mensaleiros se movimentaram à
época em que os milhões de reais foram drenados dos cofres públicos para
irrigar bolsos privados comprados pelo PT.
Cármen
Lúcia sublinhou o fato de a mulher de João Paulo ter ido pessoalmente
sacar R$ 50 mil numa agência do Banco Rural - o que a defesa argumentou
ser indício de inocência: "Isso se deve a uma singeleza extremamente
melancólica para nós brasileiros, que é uma certa certeza de impunidade.
Mande-se lá alguém, um parente, e nada será descoberto". Ela ressaltou,
ainda, a bizarrice de Pizzolato receber pacotes com R$ 326 mil em
dinheiro vivo sem ter a menor noção do que se tratava...
Na sessão de ontem também começaram a ser abandonadas teses que,
no passado, já serviram para livrar a cara de um ex-presidente da
República que sofrera impeachment. Os ministros do Supremo defenderam
que, para condenar alguém por corrupção, não são necessários os chamados
"atos de ofício". Ou seja, basta que fique caracterizado o recebimento
da vantagem indevida para que o crime exista.
Com
este precedente, crescem as chances de os cabeças do mensalão - que
agiram "entre quatro paredes de um palácio presidencial", conforme a
definição do procurador-geral da República - também terem que acertar as
contas com a Justiça. Assim, "abre-se uma avenida para que o Brasil
deixe para trás definitivamente a pecha de país da corrupção", como
escreve o deputado Sérgio Guerra, em artigo na edição de hoje da Folha de S.Paulo.
Ainda
demorará um tempo para serem conhecidas as penas de Henrique Pizzolato,
Marcos Valério e seus sócios, o que só será deliberado ao final do
julgamento. Mas, a partir da sessão de ontem, o país caminha a passos
largos para ver a "sofisticada organização criminosa" que assaltou o
Estado brasileiro começar a pagar seus débitos com a sociedade. Chegou a
hora de devolverem o que surrupiaram.
Instituto Teotônio Vilela
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