
Esses acusados são, em sua maioria, jovens sem antecedentes criminais. Em geral, são presos em vias públicas pela polícia militar. Cerca de 80% deles estão desarmados no momento da abordagem.
A constatação foi feita ontem pelo defensor público Daniel Nicory durante audiência pública sobre a regulamentação da maconha. Nicory apresentou estudos sobre o atual quadro carcerário em São Paulo e Salvador e o perfil dos presos no país.
Durante o debate promovido pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), o quarto sobre o tema, participantes divergiram sobre a necessidade ou não de endurecer as leis que tratam do porte de drogas. O objetivo, como nas discussões anteriores, é subsidiar a decisão sobre a transformação ou não em projeto de lei de uma sugestão popular com esse conteúdo (SUG 8/2014).
O texto sugere legalizar “o cultivo caseiro, o registro de clubes de cultivadores, o licenciamento de estabelecimentos de cultivo e de venda de maconha no atacado e no varejo e a regularização do uso medicinal”. As sugestões enviadas pelo Portal e-Cidadania são direcionadas à CDH quando recebem pelo menos 20 mil assinaturas de apoio.
Na opinião de Nicory, a Lei 11.343/2006, que versa sobre criminalização do porte de droga, não abarca toda a complexidade da questão, levando usuários a responder processos por tráfico, considerado crime hediondo, com penas que variam de 5 a 15 anos.
A maior parte dos presos em flagrante no país é presa em via pública. Portanto, reforça a tese de que é o sujeito que é encontrado pelo policiamento de rotina sem muita elaboração, sem oferecer muito risco para a própria polícia. Esse é que é preso. Estamos superlotando as cadeias com jovens portando quantidade pequeníssimas de drogas, saindo pior do que entraram — apontou.
Ele observou que mesmo com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que deveriam ter ajudado a reduzir o encarceramento, como a que permitiu a liberdade provisória para acusados de tráfico, a população de presos por esse crime quase triplicou. O levantamento tem como base dados do Ministério da Justiça.
Assim como Daniel Nicory, o juiz Gerivaldo Alves Neiva, da Associação Juízes para a Democracia e da Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), avalia que a Lei 11.343/2006 é pouco clara na definição do que seria uso pessoal. Com isso, disse Neiva, a questão acaba dependendo da decisão dos próprios juízes.
Para o magistrado, a forma repressiva como é encarado o problema das drogas resultou apenas no encarceramento em massa de jovens, pobres, periféricos e excluídos das oportunidades sociais.
Legislação branda
O promotor público do Mato Grosso do Sul Sérgio Fernando Harfouche, que é presidente do Conselho Antidrogas do estado, enxerga a questão de forma diferente dos demais debatedores. Para Harfouche, desde a edição da Lei 10.409/2002, houve um arrefecimento na criminalização do usuário. A legislação atual, na avaliação dele, é ainda mais branda, pois não responsabiliza aqueles flagrados com pequenas quantidades de drogas.
[Antes da Lei 10.409/2002], o usuário era preso e nós tínhamos sim o problema das drogas de forma crônica, mas era um problema contido, pois o usuário estava preso. Isso de certa forma trazia proteção, porque não víamos pessoas esparramadas pelas ruas fumando e usando pelas ruas como vimos hoje nas cracolândias. A 10.409 já pôs na rua 75% do contingente carcerário apontou.
Os dados foram questionados por Nicory.
Prevenção
De acordo com Harfouche, mesmo com essa “descarcerização”, não houve investimentos na prevenção e tratamento dos usuários de drogas desde então. O promotor também defendeu mudanças que atribuam pena para o usuário flagrado com drogas que não aceite ser internado.
É comum o cara ser preso e dizer que é usuário, dependente químico, como atenuante da pena, mas ele não é tratado [...]. Nós sabemos que sem usuário não tem tráfico. O traficante só se importa com aquilo que tem lucro. O uso patrocina o tráfico argumentou.
No que diz respeito ao uso medicinal da maconha, Harfouche sustentou que o artigo 14 do Decreto 5.912/2006 já determina que o ministro da Saúde tem competência para autorizar o plantio de qualquer substância para uso medicinal. Segundo ele, isso encerra a necessidade de discussão sobre a regulamentação para uso medicinal.
Cristovam Buarque (PDT-DF), que presidiu a reunião, foi incumbido de elaborar relatório sugerindo a admissão ou não da tramitação como projeto de lei da sugestão enviada pelo Portal e-Cidadania. Ele informou que vai priorizar a questão do uso medicinal, mas sem barrar o debate sobre o uso recreativo.
O ideal era termos um mundo livre de todas as drogas, mas, do jeito que está, estamos fracassando. Eu não vou simplificar a questão para ficar bem com a opinião pública assegurou o parlamentar.
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