
A insatisfação das populações é imensa. As bases da modernidade, fundada na crença de que por meio da razão se pode atuar sobre a natureza e a sociedade, estão se corroendo (ver o livro O Fim da Democracia, de 1993, de Jean-Marie Guéhenno, diplomata francês e professor da Universidade de Columbia, que foi citado por André Lara Resende, Valor 5/1/18). Triste é saber que isso está ocorrendo sem que o Brasil tenha chegado a ela. Os graves problemas fundacionais do Brasil (um país marcado pelas suas elites para morrer autofagicamente) são anteriores à era da modernidade (desenvolvida a partir do século XVII) assim como da democracia liberal ocidental (EUA, século XVIII). Nossas elites corruptas e bandidas, desde os primeiros dias da medieval colonização, sempre nos impediram de chegar à modernidade assim como à democracia. Terra expropriada. Ponto obscuro do planeta. A questão prioritária, portanto, em países cleptocratas e autofágicos como o Brasil (cleptos = ladrão; cracia = governo, poder), não é discutir a sobrevivência da modernidade. E sim como e por que nossas elites corruptas nos impediram de alcançá-la, criando instituições precárias, favorecendo agentes públicos desonestos e despreparados e promovendo um tipo de gestão flagrantemente deplorável, com educação de péssima qualidade, indecente distribuição de renda e um quadro de violência perversa. As elites corruptas e bandidas que nos governam (elites econômicas, financeiras, políticas, midiáticas, intelectuais e administrativas), precisamente porque nunca dividiram o poder equitativamente e também porque muito raramente encontraram limites na defesa dos seus interesses privados, sobretudo quando avançam de forma ilícita sobre o dinheiro público para se enriquecerem, nunca permitiram aqui a efervescência plena das ideias modernas. O Brasil, consequentemente, por culpa desde logo das elites corruptas e bandidas, sempre foi um país atrasado (demorou para abrir faculdades, para adotar a 1ª Revolução Industrial, para abrir seus portos para o mercado externo e está longe agora de acompanhar a Revolução Tecnológica). É o protótipo do país das elites extrativistas e não inclusivas (Acemoglu e Robinson), que surrupiam a natureza e a população para o exclusivo enriquecimento delas. Um país repleto de ladrões com destino autofágico irreversível, se continuar sendo uma cleptocracia. Nada do que caracteriza a modernidade ocidental (crença em instituições democráticas, democracia liberal e representativa, organização da sociedade por meio do império da lei, divisão de poderes, controle de um poder por outro – teoria do checks and balances – etc.) teve efetividade plena e real no nosso explorado país. Nossas instituições continuam sendo um mero simulacro das instituições jurídicas, políticas, econômicas e sociais sonhadas pela modernidade (isto é, pela vida civilizada), desde a era do Iluminismo dos séculos XVII e XVIII. Não é preciso ir longe para se comprovar a grave anomalia. Basta ver o que o contestado Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no rumoroso caso do senador Aécio Neves, que foi gravado pedindo propinas à JBS. A corte não só negligenciou a punição do senador como abriu mão das suas funções judicantes e passou a última palavra ao poder político quando se trata de impor medidas cautelares que coíbem a corrupção. Um desastre com poucos precedentes na história da corte e do país. Nas democracias modernas as instituições existem para disciplinar a distribuição dos poderes e da riqueza das nações. A finalidade delas é a de evitar que um poder assuma as tarefas do outro, que um poder se sobreponha ao outro ou que faça conluio com o outro, em detrimento dos interesses da majoritária população. Nossas instituições políticas, econômicas, jurídicas e sociais, desgraçadamente, nunca cumpriram com decência os seus papeis. Por isso que o Brasil, em termos institucionais, continua sendo um país atrasado, pré-moderno e até mesmo medieval. Desse medievalismo brutal a violência é um sintoma: “As mortes dos jovens (de 15 a 39 anos) causadas por acidentes e agressões vêm crescendo ao longo dos anos. Em 1996, elas respondiam por 49% do total de mortes [dos jovens], em 2015 eram razão de 58% dos óbitos. As vítimas são na maioria das vezes homens. Em 2015, foram 72,8 mil jovens mortos do sexo masculino, contra 8,3 mil jovens mulheres” (UOL).
Luiz Flávio Gomes Jurista e professor. Fundador da rede de ensino LFG, preside o Instituto Avante Brasil. Foi promotor de justiça (1980 a 1983), juiz de direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Para agendar palestras e entrevistas, favor ligar para 55 11 99169-7674.
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