Ministério Público do Estado de Mato Grosso

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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

"ARTIGO: O capitalismo atual é incapaz de entregar o que promete"

18_01_2018_consumism_foto_john_henderson.jpgComo diz Benjamin, o presente aglutina o que foi conquistado pelas lutas sociais e a descoberta de novas chances para ação humana coletiva. Segundo ele, “o tempo histórico do Ser Social não admite as patetadas do positivismo de lavanderia, tão ao gosto de certos analistas brasileiros, à esquerda ou à direita”.
Eis o artigo.
Na primeira edição do ano de CartaCapital, assaltaram-me dúvidas nada cartesianas. Peço vênia, diria o ministro Barroso, para me embrenhar na selva das dúvidas prosaicas. Dúvidas que assaltam os mortais mergulhados nas agruras da sociedade dos desiguais. O jornal Valor publicou na última quarta-feira uma pesquisa qualitativa que colheu as visões das classes C e D a respeito, entre outras indagações, do governo Temer e das intenções de voto nas eleições de 2018. As opiniões do povo “populista” repudiam veementemente o governo do presidente Temer: “É percebido como um político fraco, egoísta, corrupto, sujo e tomador de medidas impopulares”. Os populistas populares reafirmam a preferência por Lula, a despeito de referências inconformadas à política e aos políticos. A inegável melhora das condições concretas de vida na era Lula empurra os cidadãos menos favorecidos para o voto no ex-presidente: “Avaliações sobre o governo Lula são positivas, mas mesmo simpatizantes dizem que o petista ‘não é santo’ ”. As opiniões exaradas na pesquisa brasileira repercutem o fenômeno dos movimentos anti-establishment nos Estados Unidos e na Europa. Yanis Varoufakis escreveu no Project Syndicate artigo certeiro sobre os desacertos do pensamento social dominante, o “pensamento das elites”. Diz Varoufakis que, em ambos os lados do Atlântico, a emergência do “paroquialismo militante” (o nacionalismo estreito e reacionário) tem sido investigada de todos os ângulos possíveis: psicanalítico, cultural, antropológico, estético e, naturalmente, sob a ótica identitária. “O único ângulo que permanece largamente inexplorado, crucial para a compreensão do que está ocorrendo, é a incessante guerra de classes deflagrada contra os pobres, desde o fim dos anos 70.” Varoufakis continua: os dados do Federal Reserve informam que, nos Estados Unidos, mais da metade das famílias não se qualifica para obter um empréstimo de 12.825 dólares com o propósito de adquirir um Nissan Versa. Enquanto isso, na Inglaterra, mais de 40% das famílias dependem dos recursos públicos dos bank foods para prover sua alimentação e cobrir as necessidades básicas. Na Alemanha, explica Le Monde Diplomatique, depois da reforma trabalhista, o baixo desemprego convive com a generalização do trabalho precário, produzindo em massa o fenômeno dos working poors. Em sua configuração atual, o capitalismo escancara a incapacidade de entregar o que promete aos cidadãos. A exclusão manifesta-se no desemprego dos jovens, no desemprego estrutural promovido pela transformação tecnológica e pela migração da manufatura para as regiões de baixos salários. Os cidadãos brasileiros das classes C e D compreendem à sua moda as contraposições que os bacanas não entendem, aprisionados no “mundo das ideias”. Uma subespécie de platonismo après la lettre. É desnecessário relembrar o leitor de CartaCapital que Platão chamou de Mundo das Ideias o imutável, eterno e “real” em oposição ao Mundo Sensível, em que os objetos são passageiros, caracterizados pela mutabilidade e ilusórios. Sou obrigado a me socorrer de Herbert Marcuse em seu ensaio Heideggerian Marxism: “Os problemas filosóficos relativos à verdade também têm ‘história’, não no mero sentido factual de sua produção na ‘história’, mas sobretudo no sentido essencial de que estão ancorados nas condições concretas de existência histórica e só ganham significado a partir dessa perspectiva”. O tempo histórico do Ser Social não admite as patetadas do positivismo de lavanderia, tão ao gosto de certos analistas brasileiros, à esquerda ou à direita. Nas Teses Sobre a História, Walter Benjamin rebelava-se contra as versões social-evolucionistas do pensamento de esquerda. Essas filosofias da história pretendem congelar a imagem “eterna” do passado, enquanto o presente se transforma apenas num ponto de passagem para o futuro. O futuro é projetado como uma ponte que atravessa um tempo homogêneo e vazio: o progresso está lá, irremediavelmente à espera de ser desvendado pela Razão. Na contramão, Benjamin argumenta que o presente é o ponto de aglutinação entre o que foi conquistado no passado pelas lutas sociais e a incessante descoberta de novas possibilidades pela ação humana coletiva. Nada está garantido. No Brasil de hoje, a ansiedade para esconder as Verdades da Existência que emergem do conflito social gerou um fenômeno peculiar, o “radicalismo de centro”, como bem observou o jornalista Luis Nassif. Os intelectuais do establishment contorcem argumentos para negar o que as pesquisas de opinião quantitativas e qualitativas demonstram à saciedade.
O artigo é de Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, publicado por CartaCapital.

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