
Aparentemente duas estratégias distintas caminham em paralelo entre esses grupos, respeitando em linhas gerais a divisão aqui proposta entre grupos mais progressistas e outros mais ao centro. Enquanto os grupos com ideário mais liberal apostam na formação de candidaturas através de cursos e recursos, para que estas apresentem propostas identificadas com tal pensamento e conduzam seu mandato com boas práticas de governança, inclusive formando conselho consultivo, os grupos identificados à esquerda apostam em candidaturas colaborativas ou coletivas e mandatos participativos, com propostas e votos sendo decididos em permanente sufrágio entre pessoas que se disponham a colaborar na legislatura. Sobre esse último ponto, interessante diferenciar os tipos: colaborativas são candidaturas tais quais as levadas à frente pelo Bancada Ativista e o Muitas em 2016, com diversos candidatos que comungam as ações de campanha, compartilham recursos e mantêm um conjunto básico de ideias, embora com candidaturas individuais e temas específicos de cada um. Já a coletiva é um tipo de candidatura à semelhança da vencedora em Alto Paraíso, em Goiás, onde cinco pessoas disputaram uma mesma vaga a vereança na cidade goiana e irão se revezar no exercício do mandato em diferentes funções. Legalmente, no entanto, só uma pessoa pode ser registrada como candidata, e em caso de eleição, é ela que assume. O exercício coletivo do mandato depende da vontade do empossado e tem uma série de restrições legais. Algumas diferenças entre os participantes de cada um dos tipos de grupos são visíveis. Além do ideário, a composição por gênero, raça e classe é relativamente distinta entre os grupos formados, por exemplo, pelo Renova, Agora! de um lado, e os formados por Bancada, Muitas e Nós de outro. No perfil dos selecionados na última etapa divulgada pelo Renova BR, 75% eram homens (embora aleguem pretender aumentar ainda em pelo menos 5% o número de mulheres). As lideranças são também praticamente todas brancas, como já ocorre na política partidária. Não há dados disponíveis de sua composição de classe, mas as reuniões e debates desses grupos costumam se dar em bairros mais abastados e com pautas mais abstratas (embora, claro, importantes para uma solução mais geral para a sociedade). Essa tem sido uma tônica inclusive de partidos políticos de esquerda, que encontram maior dificuldade de penetrar nas regiões mais populares e acabam sendo estigmatizados. Já grupos como o Muitas tem praticamente 100% das candidaturas femininas, o Bancada teve três candidatos do movimento negro, de um total de oito, e o Nós tem pautado seus debates sobre candidaturas na e pela periferia, favela e subúrbio, com membros e pré-candidaturas dessas regiões.
Apesar dessas diferenças, todos esses grupos têm mantido constante diálogo, e não é incomum pessoas pertencerem a mais de um deles. O sentido comum é de renovação na representação e o desejo de furar as “bolhas” em que cada ativista vive, alcançando outros segmentos da sociedade e superando, ao menos na disputa pelo Legislativo, a polarização política do país. Porém, se entre esses grupos há um sentimento de companheirismo, a relação com movimentos como o Vem Pra Rua (VPR) e Movimento Brasil Livre (MBL) não é a mesma. As pautas desses dois últimos grupos é mais identificada com o conservadorismo e as alianças que travam com partidos muito implicados em escândalos de corrupção (PSDB, DEM, etc), assim como a proximidade com figuras como Bolsonaro e a defesa, à distância, do governo de Donald Trump, tornam opostas as agendas políticas. A estratégia do MBL é criar figuras dirigentes, como Fernando Holiday e Kim Kataguiri, num modelo verticalizado que se assemelha mais com a questionada tradição dos partidos políticos. O Vem Pra Rua terá seu líder maior e idealizador como candidato e não estão claros os critérios que usarão para endossar outras candidaturas. Com exceção desses grupos à direita, os demais têm como ponto pacífico não atrelar seus debates e ideais a uma candidatura presidencial. Um dos motivos é que pretendem disputar por diferentes partidos, que poderão apoiar candidatos majoritários distintos. Mas o motivo principal é que o intuito maior desses movimentos é reformar a representação nas casas legislativas, aproximando o representante do representado, e empregar menos energia em discussões mais abstratas sobre grandes nomes, suas virtudes e defeitos. Essa disposição é ainda recebida com ressalvas pelos partidos. Se a ideia de candidatura independente, no modelo eleitoral atual, é um acordo entre um partido e um movimento/candidato, pelo qual o partido aceita ceder vaga na nominata para uma candidatura e o candidato aceita se lançar por aquele partido, mantendo o candidato sua plataforma de propostas intacta e aderindo aos princípios gerais ideológicos do partido, e vendo o partido parte de seus ideais expressos nesta candidatura, sem no entanto interferir nela, não é bem isso que os partidos tem de expectativa.
Alguns, em seu debates internos, desejam que os candidatos independentes apoiem os candidatos majoritários do partido e se abstenham de apoiar outros candidatos independentes de outros partidos, como é o caso do partido que cunhou em seu estatuto essa modalidade de candidatura, a Rede Sustentabilidade. No entanto, estas exigências desfiguram o que de independente pode existir na candidatura, transfigurando na já conhecida negociação de partidos para cooptar lideranças sociais.
Assim como pré-candidatos participam de diferentes movimentos, os movimentos também pretendem ter candidatos em diferentes partidos. Uma regra partidária que impeça o candidato de um determinado partido apoiar o candidato de outro partido, mas do mesmo movimento, obstrui o sentido coletivo dos movimentos e impõe um individualismo atávico. Estratégias como o “flertaço”, feito pelo Bancada Ativista em 2016, em que os candidatos do movimento, por diferentes partidos, conversavam juntos com eleitores, ficariam à margem, por exemplo, da resolução da Rede, que diz que “as candidaturas cidadãs proporcionais não podem (…) apoiar candidatos(as) adversários(as)”. O Psol serviu de plataforma para o Muitas, em Belo Horizonte, e dez candidatas diferentes compartilharam um mesmo panfleto, cada qual apresentando suas propostas, como num cardápio para o eleitor, e a citação à candidatura majoritária foi exclusivamente aquela prevista em lei, tornando a dinâmica mais coletiva. Mas isso foi possível por estarem num mesmo partido. Partidos como o PSB, PDT e PPS são citados como possíveis plataformas para muitas dessas candidaturas e ainda não está certo quais deles aceitarão essa flexibilidade. Estamos ainda distantes da eleição na percepção da população, mas esse é o período em que esses movimentos precisam preparar todas as suas ações a fim de, até o final de março, concretizar as filiações aos partidos pelos quais terão de disputar as eleições. Uma vez filiados, trarão dinâmicas imprevisíveis às conferências desses partidos, na sua maioria (salvo raras exceções) acostumados a pouca democracia e diversidade interna. Importante que tanto a imprensa quanto a população fiquem atentas ao desenrolar desses passos até a eleição.
Samuel Braun é sociólogo, antropólogo e cientista politico. É mestrando de Ciência da Informação e Ciência Política.
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