
Nesse sentido, o gesto de Orestes antecipa necessariamente o de Édipo. No seu centro, não é a morte do pai rival, mas sim a da mãe onipotente que sujeita o filho matando o pai. O tendencial “desaparecimento do Édipo freudiano” que caracteriza o nosso tempo acaba por abandonar o filho à baila de uma maternalização amplamente incestuosa. O conflito não se trianguliza simbolicamente, mas permanece não expressado, desencadeando-se apenas como violência errática, que nada mais será – é uma tese forte e discutível do livro – do que uma passagem ao ato de tipo matricida: a falta do corte simbólico entre o filho e a mãe confia ao filho essa responsabilidade que, em Orestes, assume a forma completa do ato matricida. Nesse sentido, ele se torna “o ator da própria separação”. Aqui se coloca o interesse psicanalítico e antropológico que investe o gesto de Orestes: como extrair o sujeito do vínculo incestuoso que o sujeita ao capricho materno em um tempo em que a função paterna está em declínio? Orestes tem acesso à separação através do ato horrendo do matricídio. Será essa, no nosso tempo, a única forma que pode assumir um ato de separação? Porque, como afirmam os protagonistas desse apaixonante diálogo, “o problema não é tanto separar a mãe da criança, ou vice-versa, mas sim que ambos se separem daquilo que os mantém juntos, de tal modo que nenhuma fratura possa se intrometer, nenhuma perda possa ser contemplada”. Estamos em um tempo em que o acesso ao complexo de Édipo é obstruído pela presença de uma maternagem perversa – por uma mèrversion, para usar uma eficaz expressão de Lebrun –, incrementada por uma “sociedade maternalizante”, como também teoriza Michel Schneider em Big Mother, que vincula a vida do filho à do objeto incestuoso, suprimindo a dimensão terceira encarnada pela palavra do pai. Nesse corpo a corpo do filho com a mãe – que pode ser assumido como paradigma clínico das chamadas dependências patológicas hoje disseminadas epidemicamente – não circula oxigênio, ar, não há nenhuma possibilidade de diferenciação, de separação, de subjetivação. Na violência que parece caracterizar a psicopatologia contemporânea tanto individual (a passagem ao ato violento cada vez mais difundido; pense-se, por exemplo, no feminicídio) quanto de massa (pense-se no terrorismo fundamentalista), os autores desse livro veem em ação aquilo que poderíamos definir, seguindo seu raciocínio, como um verdadeiro complexo de Orestes. Em uma sociedade que não conhece mais o senso do limite e em que o gozo que se espalha parece ser incestuoso, o matricídio seria a tentativa desesperada de criar um espaço, uma fratura, uma separação, uma descontinuidade com esse gozo fatalmente mortífero que impede o surgimento da diferença, como acontece com um paciente toxicômano de Michèle Gastambide, que declarava, sem meios termos: “Eu deveria matar a minha mãe... mas não posso, estou tecido nela”.
A opinião é do psicanalista italiano Massimo Recalcati, professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado por La Repubblica, A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário