
Leandro faz parte das 150 famílias que ocupavam um prédio no Centro de São Paulo até que, em questão de segundos, desabou. Seus 24 andares de metal e concreto desmoronaram de repente, como um castelo de cartas: o incidente mais espetacular e provavelmente evitável da história paulistana recente. Se quase todos os inquilinos se salvaram, é porque o desmoronamento foi consequência de um incêndio que começou à 1h30 da manhã e durou horas, durante as quais os bombeiros tiveram tempo para evacuar a maioria dos 372 moradores. “Todos, menos essa pessoa”, explicava ao EL PAÍS Max Mena, coronel do Corpo de Bombeiros de São Paulo e um dos responsáveis pelas operações de resgate, na manhã desta terça. “Estávamos resgatando essa pessoa quando o prédio veio abaixo. Agora só falta buscar outras vítimas sob os escombros e se não encontrarmos nada nas próximas 48 horas, entraremos com máquinas para remover tudo.” Não muito longe, o capitão Marcos Palumbo admite: “Pela minha experiência, não é fácil encontrar gente com vida a essa altura.” Pelas informações da Prefeitura, há outros 44 moradores, que estavam cadastrados pela prefeitura, mas cujo paradeiro é desconhecido. Não se sabe se estavam no interior do prédio ou estavam longe do local na hora do incêndio.
As autoridades continuam focadas na questão principal: como um prédio inaugurado em 1966 no coração da maior cidade da América Latina, durante o boom da construção de estilo internacional daquela década, pode simplesmente desaparecer, sem mais nem menos. Mas para os inquilinos a questão principal é exatamente a contrária. É como eles vão sair dessa. Afinal, perderam tudo. “E tudo é tudo mesmo”, alerta estoicamente Lorraine, de 37 anos, até ontem inquilina de um apartamento e que hoje está sentada entre sacos de lixo nas escadarias de uma igreja próxima. “Tudo é a casa, meus documentos, minhas coisas e a vida inteira.” Ainda não sabem até que ponto as autoridades vão se ocupar deles. “Agora vão nos levar para albergues, mas não sei até quando e nem como vamos nos recuperar”, insiste.
Essa recuperação é um caminho íngreme. Poucos moradores tinham seguro (alguns não tinham sequer emprego). O prédio era administrado pelo Movimento Luta por Moradia Digna (MLD), que cobrava das famílias um preço simbólico para morar ali: entre 80 e 250 reais, dependendo de quem se pergunte. Daí os carimbos no cartãozinho de Leandro. Mas o MLD não era dono do prédio, era a União, razão pela qual estão sozinhos diante do perigo. “Eu morava perto de onde o fogo começou, no sétimo andar, e saí tão rápido que fiquei sem nada”, explica Leandro. “A televisão, a geladeira, o rack, o fogão... Então aqui estou, esperando que me deem algo... Porque você não pode... Enfim...”. Enquanto diz isso, abaixa a cabeça até o rosto ficar paralelo ao chão. Então ele começa a chorar de novo.
A desolação dos moradores se vê melhor de longe. Ao redor deles, o Centro de São Paulo continua sua vida como num dia normal. Como se não tivesse desmoronado um de seus edifícios mais emblemáticos. Como se o mundo não tivesse acabado para 400 moradores. As lojas de música da Rua do Seminário, a 100 metros de distância, abriram. As barracas do Largo do Paissandu abriram. “No Centro de São Paulo, cada quarteirão é um mundo”, diz o vendedor de uma barraca, um jovem bastante alto de olhos verdes que aponta para a coluna de fumaça e para os moradores confusos. “Este é o meu e esse é o seu.”
E, no entanto, Aliane está perto da coluna de fumaça. Uma administradora do Butantã que, de fato, parece de outro planeta mais endinheirado a julgar pela pele bem cuidada, pelos gestos delicados e pelo preciso corte de suas roupas. Carrega três caixas cheias de roupas de marca usadas: ela as coletou entre seus vizinhos para doá-las às vítimas. “É o mínimo”, explica. “Antes eles não tinham nada e agora eles não têm nem onde cair mortos. Falando em português claro, estão em um estado de merda em uma cidade de merda.”
A reportagem é de Tom C. Avendaño, publicada por El País e Caminho Político.
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