
É um escândalo que une os fiéis, aproximando-os entre si, e os leva a se revoltar contra o clero. Ao mesmo tempo, ele leva as pessoas a deixarem, às centenas de milhares, a Igreja Católica. A prática diabólica com a qual os servos do Senhor nutriam seus jogos sexuais está além de qualquer coisa em que uma boa alma católica possa pensar. É compreensível, portanto, que alguns fiéis vejam aqui as mãos do próprio Satanás.
Mas a verdade parece ser, muito mais provavelmente, que esse sistema, que considera a sexualidade vivida como algo negativo, com exceção de alguns poucos casos, e essa estrutura, em que panelinhas e grupos de homens fazem parte da natureza da coisa, tenham levado aos piores excessos. A Igreja papal celibatária está moralmente falida, ela acabou consigo própria. Estamos vivendo o maior momento de definições do destino da Igreja desde a Reforma. No momento, não dá para pensar em nada que ainda possa impedir sua total derrocada.
E, agora, o próprio papa Francisco se vê no centro das acusações. O ex-embaixador da Santa Sé nos Estados Unidos Carlo Maria Viganò o acusou publicamente de ter tido conhecimento, já em 2013, das acusações contra o ex-arcebispo de Washington Theodore McCarrick. Esta mensagem cai como uma bomba no dia em que Francisco termina sua viagem à Irlanda, onde se encontrou com vítimas de abuso e pediu perdão pelo sofrimento que sua Igreja causou às pessoas. A Irlanda católica abriu, por causa do escândalo, um novo capítulo em sua relação com a autoridade central romana.
O recente escândalo de abusos sexuais da Pensilvânia não é o último, assim como o de Boston em 2002 não foi o primeiro. Foi apenas o primeiro a vir à luz. Antes disso, se passaram muitas décadas, séculos, em que a opinião pública crítica não conseguira lançar sua luz sobre a escuridão, a escuridão das sacristias e vicariatos. Nestes tempos, a Igreja era tão poderosa que ninguém podia se antepor à destruição das almas – cuja salvação ela alega ter como missão. Agora é o tempo da distinção sobre a qual o Senhor fala no Evangelho de Mateus: o joio deve ser arrancado sem afetar o trigo. Se isso ainda pode vingar numa Igreja na qual, diz-se, a cumplicidade vai subindo até o papa, é algo mais do que questionável. De qualquer forma, o Senhor da Igreja está do lado dos fracos e não do lado do clero.
Alexander Görlach é linguista e teólogo, pesquisador da Universidade de Cambridge e articulista dos jornais New York Times e Neue Zürcher Zeitung.
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