Sudanesas denunciam violência sexual praticada por milicianos no país de maioria muçulmana. Mulheres participam ativamente de onda de protestos desde o início do movimento em dezembro. A violenta repressão a um protesto em Cartum, na capital do Sudão, deixou mais de 100 mortos na semana passada. Mas não foram apenas denúncias de mortes que surgiram depois que militares atacaram o acampamento dos manifestantes: diversas sudanesas afirmaram ter sido vítimas de abuso sexual.
Os estupros teriam ocorrido na rua. Os relatos indicam que a violência contra as mulheres parece ser sistemática. As sudanesas afirmaram ter sido atacadas por integrantes das Forças de Apoio Rápido (RSF). O grupo paramilitar é formado principalmente por milicianos da janjawid, que são conhecidos por combater grupos étnicos insurgentes em nome do Exército.
"Todos fomos ameaçados de sermos estuprados se não obedecêssemos às ordens da RSF", contou a ativista Nahid Jabrallah, que participava do acampamento atacado pelos militares e milicianos. Jabrallah relatou ainda que vários corpos de mulheres violentadas foram retirados do rio Nilo depois da ação.
Desde dezembro do ano passado, centenas de milhares de sudaneses têm saído às ruas do país para protestar. Inicialmente, os protestos eram contra o governo de Omar al-Bashir, que comandava o país com mão de ferro desde 1989.
A queda do ex-ditador em abril foi celebrada pelos manifestantes, mas as primeiras medidas tomadas pela junta que assumiu o poder logo levantaram o temor de que o antigo regime estava sendo substituído por uma nova ditadura militar e que a queda de Bashir não passou de uma disputa interna pelo poder.
Após assumirem o comando do país, os militares anunciaram que pretendiam formar um governo de transição liderado por um "conselho" militar com validade de dois anos. Eles também suspenderam a Constituição e impuseram um toque de recolher no país entre 22h e 4h, com duração de um mês.
Como resultado, os manifestantes continuaram a ocupar as ruas, redirecionando sua insatisfação contra as medidas anunciadas pela junta e exigindo a transferência do poder a uma autoridade civil.Nestes meses de protesto, o movimento pacífico parece ter encontrado uma figura simbólica com a estudante Alaa Salah. A imagem da mulher vestida de branco com brincos de ouro e o dedo indicador apontando para o alto ganhou o mundo. A sudanesa participa das manifestações desde o início. Salah representa a resistência contra o regime e, ao mesmo tempo, a coragem para mudar.
Assim como Salah, muitas mulheres estiverem presentes nos protestos do país de maioria muçulmana desde o início do movimento. Mas agora, no entanto, querem detê-las, afirma Mayada Habib, do Centro de Pesquisa sobre Mulheres na França.
"O uso do estupro como arma de guerra contra as mulheres tem sido difundido no mundo árabe desde 2011. Os estupros são sistemáticos. Na Síria, cerca de 8 mil mulheres foram detidas, torturadas e abusadas pelo regime de Assad", disse Habib.
Segundo a pesquisadora, possivelmente o papel proeminente das sudanesas nos protestos que levaram à queda de Baschir tenha feito o conselho militar querer se vingar delas. A onda de estupros pela RSF serve para intimidar ativistas e manifestantes e não atinge somente mulheres, acrescentou Habib.
"É uma mensagem clara para a oposição de que o conselho militar não se esquiva de nenhum meio para por fim à revolução", ressaltou a pesquisadora.
Relatórios de várias organizações de direitos humanos já denunciaram o uso do estupro como um meio de intimidação no mundo árabe. Na Líbia, por exemplo, soldados do antigo ditador Muammar Kadafi teriam utilizando a violência sexual massivamente contra mulheres. De acordo com a revista alemã Spiegel, um médico relatou cerca de 100 casos somente na cidade de Bengasi. Apesar da queda do regime, milícias da guerra civil líbia continuam violentando mulheres.
De acordo com Habib, a violência sexual é uma questão extremamente sensível no mundo árabe. A pesquisadora teme que essa onda de estupros no Sudão transforme um movimento pacífico num conflito sangrento, no qual civis também pegarão em armas. Esse medo é compartilhado por diversos ativistas sudaneses.
Há rumores de que o Conselho Militar de Transição, que está no poder, pretende espalhar armas nas ruas do Sudão por meio da RSF para desacreditar os manifestantes. Observadores internacionais também temem que um movimento civil pacífico possa se tornar num conflito armado entre a população e militares.
Após repressão na semana passada, o Conselho Militar do Sudão convocou eleições gerais no país, que deverão ocorrer dentro de um período de nove meses. A violência contra os manifestantes foi condenada pela comunidade internacional.
Emad Hassan, Nermin Ismai/Caminho Político
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