O jornalista Gleen Greenwald, editor do The Intercept, disse, em entrevista nesta segunda (10) ao Uol que ainda possui um grande volume de dados não publicados que reforçariam a atuação indevida do ex-magistrado para influenciar em prisões e guiar a opinião pública. Vou reproduzir abaixo as suas declarações ao site do grupo Folha, que confirmam todos as avaliações de que as coisas vão se complicar, e muito, para o ex-juiz da Lava Jato e para os promotores de Curitiba.
Numa deles, ele diz que Moro era o chefe de fato da Força Tarefa da operação. Greenwald diz que o volume de material obtido por ele neste caso supera o da reportagem que lhe valeu o Prêmio Pulitzer, quando, a partir de denúncias do ex-agente da CIA e da NSA Edward Snowden, em2013, revelou o monitoramento de telecomunicações privadas em massa pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos.
Ele explicou que optou pela divulgação do material antes de submetê-lo aos envolvidos porque, tratando-se de pessoas do Judiciário, temia uma proibição prévia da revelação das informações.
Mesmo sem adiantar muito sobre o que vem por aí, ele destaca que há mensagens que tratam, antes das eleições, do convite de Jair Bolsonaro para ser Ministro da Justiça.
Veja os tópicos publicados pelo UOL:
Próximos passos da investigação
Moro era o chefe da força-tarefa da Lava Jato. É muito difícil para falar [sobre os próximos passos], porque o processo jornalístico é importante para confirmar o que temos em mãos.
Temos mais materiais envolvendo o papel do Moro na Lava Jato, mostrando que ele é um chefe da força-tarefa, que criou estratégias para botar Lula e outras pessoas na prisão, e atuou quase como um procurador, não como juiz.
Arquivo maior que o do Caso Snowden
Eu acho que [esta] é uma das mais importantes reportagens que eu fiz na minha carreira. Nunca vou comparar nada com o caso do Snowden, porque para mim foi um dos mais importantes episódios do jornalismo nos últimos 20 ou 30 anos. Mas eu compararia essa reportagem de agora com o caso do Snowden. Talvez a única diferença é que o caso do Snowden foi muito global, e isso é mais doméstico. É sobre um país muito grande e muito importante, agora mais do que nunca por vários motivos.
O tamanho do arquivo que temos é maior do que o arquivo que recebemos do Snowden. E, até aquele ponto, era o maior vazamento da história do jornalismo.
Eu acho que as consequências pelo menos para o Brasil serão iguais ou maiores que as consequências do Snowden. [A Lava Jato] é um processo que durou cinco anos, botou muitas pessoas e dois ex-presidentes na prisão. Que tirou a pessoa que estava liderando a corrida presidencial em 2018 [o ex-presidente Lula], deixando alguém como [Jair] Bolsonaro ganhar. Para mim, qualquer material que mostra que tinham comportamentos e ações antiéticas e corruptas nesse processo é enorme.
Convite de Bolsonaro a Moro x reputação da Lava Jato
Sobre essa questão do Moro e Bolsonaro, é muito interessante.
Temos conversas que ainda não reportamos sobre o Moro estar pensando na possibilidade de aceitar uma oferta do Bolsonaro, caso ele ganhasse. Isso foi antes da eleição, acho que depois do primeiro turno.
E tem pessoas dentro da força-tarefa da Lava Jato, outros procuradores, falando que isso iria destruir a reputação da Lava Jato, porque iria criar uma percepção de que o tempo todo não foi uma apuração contra a corrupção, nem uma apuração do Judiciário. Mas uma apuração política para impedir a esquerda e empoderar a direita.
O fato de que o mesmo juiz que condenou o principal adversário do Bolsonaro e depois receber essa oferta para ser muito poderoso já foi muito estranho para o mundo. Mas o fato de que ele fez isso usando um comportamento proibido é ainda pior.
Como podemos ter um ministro da Justiça que todo mundo sabe que quebrou as regras básicas da Justiça? É impossível.
E mais ainda quando todo mundo sabe que fez isso para impedir o adversário principal do presidente de concorrer, e isso o ajudou a ganhar a eleição.
Outros lados x possível censura
Obviamente quando estamos reportando sobre os juízes, o ministro e os procuradores mais poderosos do país, sabíamos da possibilidade de que se pedíssemos comentários antes da publicação, eles vão diretamente para os amigos no tribunal e pegam uma ordem de censura proibindo a publicação.
Geralmente o jornalista deve procurar comentários quando se está publicando uma reportagem sobre alguém, mas há exceções.
E imediatamente quando publicamos mandamos mensagens para Moro, para Deltan [Dallagnol], para a força-tarefa da Lava Jato, para todo mundo falando: qualquer comentário que vocês tenham nós vamos incluir no minuto que vocês mandarem. Mas foi para evitar a possibilidade de conseguirem impedir a publicação com ordem de um juiz que apoia a Lava Jato.
Estratégias contra censura no exterior
No Reino Unido, eu trabalhava com o [jornal] The Guardian e, lá, não há direito de liberdade de imprensa na Constituição. Então é comum que os jornais sejam proibidos antes da publicação. Jornalistas britânicos trabalham muitas vezes em segredo e publicam sem pedir comentários exatamente para evitar essa possibilidade.
Em países mais repressivos ainda jornalistas fazem isso o tempo todo. Nós temos episódios recentes aqui de jornalistas censurados e proibidos de publicar, ou mandados para tirar artigos da internet. São casos muito extremos. Então achamos que foi totalmente justificado. Não só para evitar esse risco, mas também porque os documentos falam de quem eles falam.
E sabemos que Moro, Deltan e a força-tarefa têm microfones muito grandes e podem responder de um jeito muito rápido, que todo mundo vai ouvir. E foi exatamente isso que aconteceu. Acho que foi totalmente justificável por conta do risco concreto disso acontecer.
Jornalista nega relação com ataques hackers
Antes desses ataques [nas últimas semanas, os celulares de Moro e de procuradores da Lava Jato foram alvo de ataques hackers] já tínhamos recebido todo o nosso material.
Qualquer tentativa de hackear acontecidas nas últimas duas ou três semanas não têm nada a ver com o material que recebemos. Todos os arquivos que recebemos vieram muito antes disso. O próprio Moro disse que qualquer pessoa que invadiu o telefone dele não conseguiu retirar nada. Ou seja: não tirou nada.
Ataques nas redes sociais
Não estou vendo defesas ao que Moro fez. Eu estou vendo ataques contra mim, contra meu marido, alegando que somos da esquerda, mas não vejo defesas.
O que estão tentando fazer é enganar as pessoas dizendo que a publicação pode ser fake news (e vi isso com a postagem do [juiz federal] Marcelo Bretas). Nem Moro, nem Lava Jato argumentam que os documentos são falsos. Apuramos muito antes de publicar isto. Até agora não vi ninguém defendendo o que ele fez.
Suposta fake news
Estamos trabalhando neste arquivo há muito tempo para fazer pesquisas necessárias, da mesma coisa com o que aconteceu no Caso Snowden: falamos com fontes, investigamos o conteúdo, cruzamos as conversas com eventos que aconteceram naquelas datas.
É impossível que alguém que não fosse um advogado tivesse forjado essas conversas. Era necessário saber muito sobre a Lava Jato e seus prazos. Tudo o que é mostrado ali pode ser conferido com eventos públicos. Foi o mesmo processo que usamos com o arquivo do Snowden, que ninguém alegou que era alterado ou fake. Nem Moro, nem [o procurador de Justiça] Deltan Dallagnol disseram que era fake.
Estão protestando pela privacidade e, com isto, estão confirmando que tudo o que publicamos é autêntico.
Direito à publicação e partidarismo
Vou citar dois episódios muito irônicos: em 2016, quando Moro e a força-tarefa da Lava Jato divulgaram conversas privadas entre Dilma e Lula, o argumento era de que pessoas com poder público fazem coisas que o público deve saber e que isso deveria ser uma brecha para a divulgação. O próprio Dallagnol postou um tuíte dizendo isto, que jornalistas têm o direito de divulgar este tipo de fato.
Outro caso foi em 2017, em um evento no exterior para premiar pessoas que lutavam contra a corrupção. Eu fui convidado antes de os finalistas serem anunciados. Logo depois, soube que um dos finalistas era a força-tarefa da Lava Jato.
Ali, petistas fizeram campanha para que eu não fosse, mas estive lá ao lado do Dallagnol e os elogiei. Disse que tinha críticas a eles, mas manifestei apoio ao trabalho de colocar na prisão pessoas que cometeram crimes. O mesmo Dallagnol postou o meu discurso, com orgulho, dizendo que eu era um jornalista premiado e que havia enaltecido o trabalho deles.
Ninguém pode negar que o que publicamos são coisas que o público tem o direito de saber. Os adoradores da Lava Jato estão chocados com o fato de Moro ter excedido limites, deixado claro que estão trabalhando para interferir nas eleições.
Ninguém pode negar que o vazamento desses materiais é exatamente aquilo que os jornalistas devem fazer: denunciar pessoas poderosas que estão se comportando de forma antiética.
Consequências jurídicas
Eu sou advogado, mas só nos EUA. Não sou advogado brasileiro, então não conheço muito bem as leis sobre isso. Mas é uma questão de Justiça básica. Se um juiz condena alguém e no mesmo caso está se comportando de maneira proibida, obviamente a condenação desse juiz precisa ser examinada, porque a condenação que bota alguém na prisão é uma coisa muito grave. Só podemos aceitar a validade dela se o comportamento do juiz é totalmente ético.
E quando o juiz viola as regras éticas, obviamente cria dúvida se vamos aceitar o julgamento do juiz. Não só no caso do Lula, mas em todos os casos em que ele fez isso.
Acho que essa dúvida agora existe e os advogados do Lula vão entrar com processo para falar que é preciso anular o julgamento de Lula por causa dessa evidência nova.
Outros personagens
Não quero falar nada sobre as coisas que ainda não divulgamos. Mas posso falar que esse arquivo é muito grande e é sobre mais pessoas do que a força-tarefa da Lava Jato ou o Moro. Mas não posso dizer mais que isso.
Fernando Brito, no Blog Tijolaço e no Site Caminho Político
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