
"Quero dizer a eles: eu estou de volta!", disse Lula, que deixou a prisão um dia após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a decisão que permitia o cumprimento de pena após condenação em segunda instância.
"Foi um discurso forte", avalia o cientista político Marco Aurélio Nogueira em entrevista à DW Brasil. "Lula chegou à conclusão de que ele não tem outra coisa a fazer, pelo menos nesses primeiros momentos, do que radicalizar o discurso, até para demarcar um território." Depois de um ano e meio de abstinência forçada, o petista precisa mostrar que realmente está de volta, diz o especialista.
De qualquer forma, o ex-líder sindical possui os pré-requisitos, afirma o cientista político Ricardo Ismael. "Lula tem uma liderança como ninguém na esquerda teria. Ainda mais porque Lula já foi presidente e deixou na memória de muita gente realizações que são muito valorizadas. Estava em aberto no Brasil um lugar para uma liderança fazer oposição a Bolsonaro. Até agora não tinha aparecido", diz Ismael.
Até agora, Bolsonaro manteve uma postura notavelmente retraída. No sábado, ele foi ao Twitter: "Amantes da liberdade e do bem, somos a maioria. Não podemos cometer erros. [...] Não dê munição ao canalha, que momentaneamente está livre, mas carregado de culpa", escreveu o presidente. Moro seguiu o mesmo tom, também no Twitter.
Bolsonaro e sua equipe podem, por ora, se dar ao luxo de aguardar, afirma Nogueira. "Eles vão avaliar qual será, de fato, o tom que Lula adotará: será com sangue nos olhos ou paz e amor? E como isso repercutirá no âmbito do PT e da esquerda? E a segunda avaliação seria encontrar um foco contra Lula."
Para Ismael, é certo que o ex-presidente deverá procurar a confrontação. "A estratégia de Lula é chamar Bolsonaro e Moro para a briga. Ele quer polemizar, ele quer um embate para ganhar mais espaço na mídia."
O presidente e seu ministro da Justiça, enquanto isso, ganham tempo, "pois ainda não se sabe qual será a estratégia eleitoral de Lula olhando para 2020", afirma o cientista político.
No próximo ano estão programadas eleições municipais em todo o Brasil – uma amos-tragem importante do ambiente político para o governo e a oposição. Ainda não está claro se a esquerda brasileira unirá suas forças contra Bolsonaro.
"Não dá para saber o que vem nas próximas semanas", diz Nogueira. Segundo ele, o próximo Congresso Nacional do PT, agendado para 22, 23 e 24 de novembro, deve definir a nova estratégia eleitoral do partido. "E isso vai ajudar a calibrar o discurso."
O PT ainda não sabe qual papel Lula poderá desempenhar nos próximos meses. A condenação no processo referente ao tríplex no Guarujá pode ser revista em alguns meses pelo STF.
Portanto, Lula ainda corre o risco de retornar à execução da pena num regime semiaberto, o que tornaria impossível uma intensa campanha eleitoral. E o ex-presidente já foi condenado num segundo processo, referente ao sítio de Atibaia, cujo recurso será julgado em 27 de novembro. Sem mencionar os outros sete processos que ainda o aguardam.
Além disso, Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que ele próprio promulgou em 2010. De acordo com a legislação, políticos condenados em segunda instância não podem concorrer a cargos públicos por oito anos.
No entanto, especialistas creem ser bastante plausível que o STF anule em breve a sentença no processo referente ao triplex no Guarujá, aceitando o argumento da suspeição de Moro, que atuou como juiz do caso. Mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil apontam que Moro deu instruções ao procurador responsável pela denúncia criminal – um ato considerado ilegal.
No início de outubro, o STF ainda declarou inconstitucionais etapas referentes à delação premiada celebrada na Lei de Organizações Criminosas de 2013. Assim sendo, também poderia ser anulada a segunda condenação contra Lula.
Ambos os processos teriam que voltar à primeira instância – o que poderia dar a Lula tempo suficiente para planejar seu retorno político nas eleições presidenciais de 2022. E, caso as condenações sejam anuladas, o ex-presidente também não se enquadraria mais na Lei da Ficha Limpa e recuperaria seus direitos políticos.
Um cenário repleto de incertezas, que, por ora, limitam o papel de Lula, segundo Nogueira. "O grande resultado da circulação de Lula vai ser energizar o próprio PT. Mas ele vai liderar a oposição ao bolsonarismo? Acho que precisamos ter um pouco de cautela, porque o Lula também sofre muitas resistências, tanto na sociedade onde o antipetismo é uma vertente forte, como nas forças políticas, que não querem ceder, com facilidade, à liderança a Lula."
Nas eleições de 2018 já ficou claro que Lula não une mais a esquerda, mas causa a ela dores de cabeça coletivas. "Mesmo admitindo que Lula ainda tenha muito prestígio, nacionalmente, a imagem dele foi muito arranhada. Houve um desgaste muito grande", disse Ismael. "Mesmo que ele não precise retornar à cadeia, ele é um homem condenado."
Portanto, com as eleições de 2022 no horizonte, Lula tem que finalmente falar sobre seus próprios erros durante os mais de 13 anos de governo petista (2003-2016), segundo Ismael. "Lula agora tem que renovar o discurso, pois voltar sem falar de corrupção não dá. O PT e Lula perderam a bandeira do combate à corrupção, que tinham nos anos 90. Mas ainda não ficou claro qual será o novo discurso, visando 2022."
Já Nogueira afirmou não ter certeza se o povo brasileiro deseja uma reedição da polari-zação Lula-Bolsonaro – ou se os eleitores não vão procurar alternativas fora deste ringue de boxe.
"Vai polarizar entre petistas e bolsonaristas. Mas pode ser – uma postulação otimista da minha parte – que esta polarização se quebra um pouco, que não funcione mais como no ano passado. Podemos ter um cenário com três ou quatro polos se digladiando."
Thomas Milz/Caminho Político
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