
Hoje com 1,5 milhão de filiados e a maior bancada na Câmara dos Deputados – empatado com o PSL – o PT surgiu como uma plataforma de movimentos e setores variados que lutavam pela redemocratização. Sob a liderança carismática de Lula, tornou-se um dos maiores partidos de centro-esquerda do mundo, em um país de território extenso, herança colonial e escravocrata e campeão de desigualdade.
Socialista democrático em sua origem, o PT fez ajustes de rumo após a derrota para Fernando Henrique Cardoso, em 1994, para ficar cada vez mais pragmático, conciliador e aberto a alianças com partidos de centro e de direita, em busca de melhorar a vida dos mais pobres sem ameaçar elites. Um processo que culminou na vitória do Lula "paz e amor" em 2002.
No Planalto, Lula foi hábil em reduzir a pobreza, promover crescimento via expansão do mercado interno e ampliar o acesso à educação superior, ajudado por um ciclo internacional favorável de commodities. Também viu o partido se tornar alvo do seu primeiro grande escândalo de corrupção, o mensalão, que mostrou a legenda eleita com forte discurso ético adotando práticas ilícitas.

Dilma foi reeleita em 2014 por margem estreita, mas sofreu impeachment em 2016. Dois anos depois, Lula foi preso, condenado em segunda instância e solto apenas em novembro de 2019. É nesse momento de tentativa de superação de sua pior fase que o PT entra em sua quarta década de história.
A força atual da legenda
O cientista político Pedro Floriano Ribeiro, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que estudou o PT por vários anos, afirma à DW Brasil que a legenda nasceu "muito diferente" de outros partidos, e que essa diferença foi diminuindo ao longo do tempo.
No entanto, segundo Ribeiro, o PT ainda se distingue de outras legendas por ter uma identidade forte, cultivada por uma militância ativa, e uma organização partidária funcional.
"O PT tem a marca partidária mais forte do país e é estruturador do nosso sistema político. Tanto que se fala muito do petismo e do antipetismo, e nunca do tucanismo e antitucanismo", diz.

Entre todas as legendas, o PT também é a que tem o maior grau de identificação partidária da população: em abril de 2019, 14% elencavam o PT como seu partido de preferência, enquanto o PSL, na segunda colocação, tinha 3%, e o PSDB, 2% – 65% não tinham nenhuma preferência, segundo pesquisa Datafolha.
Essa marca forte pode ter efeitos positivos ou negativos, diz Ribeiro. Quando um líder do PT vai bem, o partido colhe os frutos, como na era Lula. Quando vai mal, como no segundo governo Dilma, é punido com força. Segundo ele, esse impacto não se observa com a mesma intensidade no caso de políticos com ligação partidária fraca, como é o caso de Bolsonaro e do PSL, pelo qual o presidente foi eleito.
A 'problemática' ascendência de Lula
Um dos dilemas do PT é sua relação com Lula, de quem o partido depende do aval em decisões fundamentais. O petista é desde a fundação do partido um ponto de referência para as diversas tendências que compõem a legenda, e seu grupo político, o mais influente.
Para Ribeiro, a relação entre o PT e Lula mostra uma "confiança cega, praticamente religiosa" em seu maior líder. "Ele é uma figura genial, mas comete seus erros", comenta, citando a escolha de Dilma como candidata à sua sucessão – figura de pouca vida partidária e sem experiência em cargos eletivos – e o atraso na definição da candidatura presidencial em 2018, usado pela fortalecer a campanha "Lula livre".
Contudo, diz Ribeiro, Lula foi a figura capaz de criar uma conexão mais próxima entre a camada mais pobre da população e o PT. Até 2002, "o eleitor mais pobre não votava no PT": era um partido de classes médias, como trabalhadores sindicalizados, parcelas urbanas universitárias, jovens engajados. "O eleitorado de menor renda votou no Collor [em 1989] e duas vezes no FHC [em 1994 e 1998]", diz.
"O PT depende do Lula para se manter como partido viável para a Presidência, mas, ao mesmo tempo, fica preso nessa relação e à mercê dele para ver que caminho tomar", diz.
Envolvimento com a corrupção
Os escândalos que atingiram governos do PT e seus líderes foram um dos principais flancos explorados pela oposição para desgastar o partido, simbolizado nos bonecos infláveis de Lula vestido como presidiário.
A Lava Jato revelou uma corrupção sistêmica, entranhada em diversas esferas de governo, ligada aos modos de financiamento de campanha e que beneficiava todas as principais legendas. Mas também mostrou como o PT aderiu a esses modelos de relacionamento com a coisa pública e como "diversas lideranças petistas abusaram" ao chegarem ao poder, diz Ribeiro.
A superação dessa imagem de partido corrupto é um aspecto-chave caso o PT queira reduzir o antipetismo e ampliar sua base de apoiadores, mas esbarra numa forte "cultura interna corporativa" na legenda, segundo a qual quem cometeu desvios em benefício do partido não deve ser punido, diz Ribeiro. Um exemplo é o do ex-tesoureiro Delúbio Soares, que teve a refiliação aprovada em 2011 após ter sido expulso em 2005 por causa do mensalão.
Ele sugere que o partido crie mecanismos internos de controle e prestação de contas mais rigorosos dos que os exigido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Assim como a Petrobras fez depois da Lava Jato. Isso sinalizaria algo para a sociedade", diz.
Frei Betto, um dos fundadores do PT e assessor especial de Lula em 2003 e 2004, autor de A mosca azul - reflexão sobre o poder, afirma à DW Brasil que um dos grandes erros do partido foi não ter punido "com rigor" seus militantes que comprovadamente se envolveram em corrupção.
Para a cientista política Maria do Socorro Braga, professora da UFSCar, se o PT não quiser fazer autocrítica, terá que mostrar na prática, nas eleições municipais deste ano ou em 2022, "que tem condições de fazer um jogo limpo e republicano" para superar a pecha de corrupto e reduzir o antipetismo.
Caminho para o futuro
Com Lula solto e Bolsonaro mantendo o apoio de cerca de um terço do eleitorado brasileiro, o PT agora se prepara para as eleições municipais deste ano, que testarão a capacidade de o partido formular alternativas, a força de sua conexão com segmentos sociais e a disposição de se aliar a outros partidos.
Frei Betto, para quem o PT fez "o melhor governo do Brasil em tempos republicanos", afirma também que a legenda se tornou "um partido movido pela síndrome do eleitoralismo, sem um projeto definido", e precisa, em primeiro lugar, "formular um projeto" para o país.
"Deve voltar ao trabalho de base, formar militantes que atuem nas periferias, na área rural, principalmente junto aos jovens, estudantes sobretudo, e segmentos religiosos", diz.
Ele também afirma que a legenda deve ter a "humildade" de admitir que em certas circunstâncias não pode ser a cabeça de chapa, e defende que, nas eleições presidenciais de 2022, se Lula estiver impedido, o PT deve apoiar o atual governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB.
Ribeiro prevê que o partido "continuará forte" e deve manter a hegemonia na esquerda, mas precisará dialogar com parcelas do eleitorado que votaram em Bolsonaro, como o segmento evangélico."Se perder a penetração popular, poderá voltar a ser o partido que era antes de 2002, mais restrito e com poucas chances de ganhar a presidência. O risco é o PT voltar a esse cenário", diz.
Socorro afirma que o partido terá que ser "muito mais criativo" para retomar sua capilaridade em setores sociais e entender como usar a internet para fazer política, uma estratégia da qual "a direita está se aproveitando mais".
Uma melhor comunicação no mundo digital também é um dos pontos apontados pelo deputado federal Paulo Teixeira, do PT de São Paulo, como cruciais para os próximos anos do partido. Ele afirma também que a legenda precisa formular propostas para o que ele chama de "novo mundo do trabalho, do aplicativo e do empreendedor", e liderar um bloco de partidos de esquerda e "progressistas" contra a agenda de Bolsonaro.
Indagado sobre a disputa presidencial de 2022, Teixeira reafirma: "Nosso candidato a presidente chama-se Lula." Se o ex-presidente estiver impedido devido à Lei da Ficha Limpa, diz: "Temos o Fernando Haddad, mas a construção de uma chapa nacional deve levar em consideração também o nome de Flávio Dino."
Bruno Lupion/Caminho Político
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