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segunda-feira, 13 de abril de 2020

"O Banco Central vai usar dinheiro do contribuinte para comprar "títulos podres"?

Gebäude der Banco Central do Brasil (picture-alliance/dpa)Medida que autoriza o BC a comprar títulos privados faz parte da proposta de emenda constitucional do “orçamento de guerra” e deve ir a votação no Senado nesta segunda-feira. Economistas explicam implicações do projeto. Nesta segunda-feira (13/04), o Senado deve votar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 10/2020, apelidada de "PEC do orçamento de guerra”. Além de dar mais liberdade ao governo federal para obter recursos durante a crise ao criar um regime extraordinário de orçamento, a proposta dá permissão ao Banco Central para comprar e vender títulos do Tesouro e também para comprar títulos privados.
A atuação do Banco Central na compra de títulos privados – como debêntures, carteiras de crédito e certificados de depósitos bancários (CDBs) – tem o objetivo de aumentar a liquidez no sistema financeiro. O BC não poderá adquirir títulos diretamente com as companhias que os emitem, mas será capaz de comprá-los no mercado, com bancos e fundos de investimentos.
A controvérsia se concentra na possibilidade de o dinheiro do contribuinte ser usado para a compra de "títulos podres”, com alta chance de inadimplência, e sem contrapartida. A medida lembra o que o Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, fez na crise de 2008, não sem muita polêmica e no contexto de que a instituição estava "salvando bancos” com dinheiro do contribuinte.
No contexto brasileiro, no qual cinco instituições concentram 80% do mercado e têm spreads (diferença entre os juros pagos pelos bancos na captação de recursos e a taxa aplicada por eles nos empréstimos) e juros altíssimos, uma PEC como essa pode soar bastante indigesta.
Mas, segundo a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, a medida vai no caminho certo. Ela explica que serve principalmente para acabar com o empoçamento de liquidez, que afeta especialmente bancos pequenos e médios."Quem normalmente tem muita liquidez são os bancos grandes, que emprestam para os médios e pequenos. Hoje, eles não estão recebendo esses empréstimos dos bancos maiores para manter o funcionamento normal do mercado interbancário”, explica. "E os bancos menores são muito mais importantes para empresas pequenas e médias ou mesmo para pessoa física, são eles que emprestam mais nessa ponta”.
No limite, diz de Bolle, a medida serve também para evitar uma crise sistêmica com o travamento do mercado interbancário. Um banco com carteira mais frágil pode ter queda expressiva no seu patrimônio líquido, a ponto de deixá-lo em risco de uma corrida bancária, o que rapidamente contamina todo o sistema financeiro. "Ao comprar a carteira o BC toma o risco para si, o banco recebe a liquidez e continua tendo suas operações normais”.
Diretor-geral da Fator Administração de Recursos, o economista Paulo Gala explica que, em uma crise dessas proporções, todo o sistema privado entra numa lógica liquidacionista. "Todo mundo tenta ficar líquido para pagar seus passivos, quem tem dinheiro em fundo tenta sacar, por exemplo. Só que é impossível para todos ficarem líquidos, porque um vai executando o outro, o passivo de um é o ativo de outro”. Por isso, haveria a necessidade de o Estado intervir.
O pesquisador sênior de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) Livio Ribeiro, também concorda com o movimento do BC e lembra que a medida tem sido adotada em outros países diante dos impactos da pandemia de covid-19 sobre as economias. O Banco da Inglaterra, o Banco Central Europeu e o Federal Reserve são algumas das instituições que têm operado de forma semelhante ao que se propõe no Brasil.
Contrapartida
A PEC do orçamento de guerra foi aprovada na Câmara no primeiro turno por 505 votos a 2. Um dos que se opuseram foi o deputado Glauber Braga Neto (PSol), que critica a falta de contrapartida por parte das instituições financeiras. "Se a liquidez não vem com contrapartida, que é a garantia de emprego, a possibilidade de crédito para pequenos negócios, a restrição à divisão dos lucros para os grandes acionistas, o que você tem é uma benesse governamental sem nenhum tipo de retorno”, afirma.
Segundo o deputado, muitos parlamentares da oposição votaram a favor da medida para evitar que o governo utilizasse a não aprovação como desculpa para que medidas para os mais vulneráveis não viessem a ser adotadas.
A questão do pagamento de dividendos, isto é, a distribuição dos lucros das empresas financeiras para os seus acionistas foi parcialmente coberta por uma resolução do Conselho Monetário Nacional publicada na semana passada, que suspende a distribuição de lucros e o pagamento de bônus a executivos. Se os bancos serão contemplados com esse benefício, com o Banco Central assumindo riscos, a lógica é que, na medida em que recebam dinheiro, não distribuam isso aos acionistas e executivos.
No entanto, para de Bolle, embora a medida vá no sentido correto, falta garantir que, uma vez que a situação tenha se normalizado na economia, os bancos que tiveram esse benefício se preocupem primeiro em ressarcir o BC. "Não é só suspensão, é suspensão [de dividendos e bônus] e ressarcimento”.
Quanto a um possível prejuízo ao Tesouro, os economistas dizem que esse pode não ser necessariamente o caso. Em 2008, o Fed comprou títulos lastreados em hipotecas como parte do programa para recuperação da crise financeira. Em 2015 reportou um lucro recorde, impulsionado pelos juros dos títulos. Dessa forma, o dinheiro retornou ao Tesouro americano.
Em uma outra ação do banco central americano em 2008, o Citibank recebeu injeção de 300 bilhões de dólares do Fed durante a crise, e parte das ações do banco foram revertidas para o Tesouro dos EUA. "Quando acabou a crise o tesouro foi ressarcido porque essas ações subiram, houve lucro e esse dinheiro se reverteu para o contribuinte”, diz de Bolle. Ela sugere que algo parecido poderia ser desenhado na proposta brasileira como forma de contrapartida.
A PEC, que já passou pelos dois turnos na Câmara, deve ser votada hoje no Senado e precisa da aprovação de ao menos 49 dos 81 senadores, também em dois turnos.
Larissa Linder/Caminho Político
Edição: Régis Oliveira

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