Diretor do tradicional Teatro Bolshoi de Moscou, Vladimir
Urin, fala à DW sobre os efeitos da pandemia: da sobrevivência financeira à
carga psicológica para os artistas e uma nova política de cachês e ingressos. Vladimir
Georgievich Urin conta entre as figuras mais influentes da cena cultural russa.
Ele assumiu a direção do Teatro Bolshoi de Moscou em 2013, após uma série de
escândalos dentro da renomada instituição, próxima ao Kremlin não só no sentido
geográfico.
Em entrevista à DW, o veterano teatral de 73 anos fala dos
desafios inéditos – financeiros, psicológicos, artísticos – que a pandemia de
covid-19 atualmente apresenta à casa de ópera e balé e seu diretor-geral. E
sobre o futuro do Bolshoi após o retorno à normalidade, possivelmente com uma
nova política de cachês e preços de ingresso: "Nossos espectadores vão
sentir uma barreira psicológica, o medo de se contagiar, e sua situação
econômica pessoal vai ter mudado. Se não levarmos isso em consideração, vamos
sair perdendo." DW: Começando pela segurança: quando o Teatro Bolshoi
reabrir um dia, como pretende garantir, na plateia e no palco, os dois metros
de distância interpessoal exigidos na Rússia?
Vladimir Urin: Vamos começar por aqueles sem os quais nossos
espectadores sequer irão ao teatro: os artistas. Como diretor teatral, é neles
em que eu penso, em primeiro lugar. Enquanto numa apresentação teatral há de 10
a 12 atores no palco, numa casa de ópera e balé só no fosso de orquestra já são
pelo menos 80 pessoas. Elas não têm como guardar distância, é claro;
infelizmente isso é totalmente impossível num teatro musical, com seus
"coletivos de massa", como orquestra, coro, figurantes. No máximo se
pode medir a temperatura dos funcionários. No entanto é impensável um corista
de máscara – da mesma forma que um instrumentista de sopro. Também os
bailarinos têm que se tocar mutuamente no palco, não há como deixar de ser.
Com todas as letras: um teatro de música e dança só pode reabrir
quando todas essas medidas de precaução tiverem sido suspensas, pelo menos em
relação aos artistas. Quando isso acontecer, não vamos mais ter que manter a
distância de segurança entre nossos espectadores na plateia, ou deixar sempre
um assento livre.
Alguns colegas seus sugerem arranjar as peças musicais de
forma a serem menos "contagiosas". Talvez se possa, por exemplo,
substituir os instrumentos de sopro, que produzem grandes nuvens de aerossol,
por outros, menos perigosos?
Isso são fantasias, é claro, que não têm a menor relação com
a nossa realidade. Por isso resolvi dar férias a todos, a partir de já. Para os
artistas, são 56 dias corridos, o coletivo só volta ao trabalho no fim de
julho. Espero ardentemente que a situação se esclareça melhor nesses dois meses
e meio. Só aí podemos pensar em começar os ensaios. Pois sem ensaios, nada anda
no teatro. De quanto tempo precisam para voltar à forma os seus bailarinos, por
exemplo?
Se pensarmos nessa longa pausa desde março, precisam de
muito tempo. Mesmo considerando que nossos dançarinos continuaram treinando em
casa por todo esse período, eles vão precisar de no mínimo quatro semanas até
poder voltar a dançar o repertório do Bolshoi. Então estamos pensando em meados
de setembro, não antes.
Como dançarinos de balé mantêm a forma?
Eles treinam na barra todo dia. Estou informado, porque eles
postam seus vídeos, também mantemos contato. Mais ainda: entregamos pisos de
linóleo na casa de cada bailarino, para substituir o chão da sala de ensaios.
Músicos de orquestra, solistas e cantores do coro precisam de um pouco menos
tempo.
Mais de 60% do orçamento do Bolshoi são subvenções estatais,
o resto vem de nossas vendas e de doações. Até agora foram mantidas todas as
doações e subvenções, apesar de não estarmos trabalhando. Além disso, há pouco
o governo liberou verbas adicionais para apoiar o Bolshoi e o [museu de arte]
Eremitage de São Petersburgo, já que as duas casas dispõem de uma parte
exclusiva do orçamento do Estado, a fim de podermos pagar integralmente o
salário dos nossos funcionários, com cortes realmente mínimos.
O senhor está considerando reduzir os cachês das estrelas?
Está se referindo, seguramente, aos astros internacionais.
Esse tema ocupa atualmente não só a mim, mas também os diretores das grandes
casas de todo o mundo. Estou quase cem por cento seguro de que a situação
econômica vai resultar na redução desses cachês. Sem dúvida alguma.
Também nesse ponto tenho certeza que isso vai vir.
Primeiramente, porque os nossos espectadores vão sentir uma barreira
psicológica, vão ter medo de se contagiar no teatro, na sala de concertos ou no
cinema. Em segundo lugar, sua situação econômica pessoal também vai ter mudado.
Se não levarmos isso em consideração, enquanto diretores de teatro, vamos sair
perdendo.
Falemos de novo dos artistas: eles são acostumados a ficar
como em família no teatro, e lá passar muito tempo juntos. Quão dura é essa
pausa forçada para a psique deles?
Todos sonham em voltar para o teatro. Eu compreendo isso
bem, pois a vida de palco de um artista é breve – para os bailarinos, até muito
breve.
Aposentadoria aos 35 anos?
Para os solistas, sim, talvez aos 37. Os do corpo de baile
se aposentam aos 40. Quer dizer: apenas 20 anos de palco, esse é o destino dos
dançarinos. E aí, meio ano simplesmente cancelado é mesmo um tempo enorme.
Planejamos com três a quatro anos de antecedência. Agora, é
claro, todas as programações vão ter que ser corrigidas, pois não pudemos
realizar toda uma série de produções, muitas das quais com participação de
artistas estrangeiros. Portanto vamos reformular nossos planos, para colocar em
cena sobretudo as estreias com artistas russos.
Yuri Resheto (av)Caminho
Político
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