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sexta-feira, 22 de maio de 2020

"Viganò e o vírus. Usando a pandemia para minar o Papa Francisco. Artigo de Massimo Faggioli"

Após a crise dos abusos sexuais, a pandemia ofereceu uma nova oportunidade para alguns católicos se lançarem como vítimas de uma conspiração, em vez de parte de um desafio social e cultural muito mais amplo (e um desafio com o qual eles aparentemente não conseguem lidar).

Eis o artigo.
O manifesto online “Apelo para a Igreja e para o mundo, aos fiéis católicos e aos homens de boa vontade” que foi publicado no dia 7 de maio [disponível aqui, em português] trazia um nome familiar como primeiro signatário. Era ninguém menos do que o arcebispo Carlo Maria Viganò, que tentou forçar o Papa Francisco a renunciar, com um “memorial” publicado em agosto de 2018. Mas há algo diferente nessa missiva do ex-embaixador papal.
Comecemos pelo resto dos signatários. Na verdade, há a habitual coleção de uma grande maioria de acadêmicos desconhecidos, embora ela também seja temperada com alguns cientistas, jornalistas coloridos e outras personalidades com laços fracos ou questionáveis com a Igreja Católica (como o meu compatriota de Ferrara, crítico de arte e político Vittorio Sgarbi, conhecido pelas suas relações com atrizes pornôs).
Mas, no topo da lista, há três eminências – Joseph Zen Ze-kiun, bispo emérito de Hong Kong; Jānis Pujats, arcebispo emérito de Riga; e Gerhard Ludwig Müller, ex-prefeito da Congregação da Doutrina da Fé – junto com o bispo estadunidense Joseph Strickland, de Tyler, Texas.
Outro cardeal, Robert Sarah, prefeito da Congregação para a Liturgia do Vaticano, havia assinado inicialmente e depois se retirou, após dizer que, de fato, ele absolutamente não havia assinado; Viganò afirma ter registros das suas conversas telefônicas com Sarah.
Depois, há o tom do documento. Formulado como uma declaração equilibrada sobre a necessidade de retomar as atividades litúrgicas públicas suspensas por causa da pandemia, é à primeira vista menos estranho do que as mensagens anti-Francisco anteriores de Viganò e sequer menciona o papa pelo nome.
Mas, lendo mais de perto, percebe-se que é claramente um manifesto teológico anti-Francisco, defendendo precisamente o oposto daquilo que Francisco tem dito consistentemente sobre a Covid-19 nesses últimos meses, desde as mensagens que ele enviou ao povo de China no início da pandemia em janeiro.
O manifesto fala dos “direitos inalienáveis dos cidadãos”, sem mencionar os deveres em tempos de crise. Investe contra os “métodos de imposição arbitrária” que impõem limites à liberdade de culto dos católicos. Transmite uma visão da Igreja como superior às autoridades políticas de uma forma que simplesmente não é sustentada pela tradição recente ou pelo magistério atual: “O Estado não tem direito algum de interferir, por qualquer motivo, na soberania da Igreja”. É uma visão de neocristandade das relações entre Igreja e Estado que, em boa medida, invoca a linguagem da teoria da conspiração contemporânea: as “intenções pouco claras de entidades supranacionais” e “sutis formas de ditadura, presumivelmente piores do que aquelas que a nossa sociedade viu nascer e morrer no passado recente”.
Após a crise dos abusos sexuais, a pandemia ofereceu uma nova oportunidade para alguns católicos se lançarem como vítimas de uma conspiração.
Mas em nenhum lugar se reconhece a gravidade de um vírus que provou ser especialmente letal para os idosos e para outras pessoas vulneráveis. Em nenhum lugar se diz algo sobre os médicos, enfermeiros e profissionais da saúde que estão arriscando as suas vidas. Não há nem uma única palavra aos fiéis, aos padres e às freiras que morreram, até mesmo em massa em algumas paróquias e ordens religiosas.
Não, trata-se apenas de “uma escolha de campo: ou com Cristo ou contra Cristo”; trata-se de não permitir que, “com o pretexto de um vírus, se apaguem séculos de civilização cristã, instaurando uma odiosa tirania tecnológica”.
Seria possível chamar isso de dissonância cognitiva (ou de hipocrisia), essa queixa da suspensão temporária da missa, enquanto se descarta a realidade de comunidades inteiras de católicos (digamos, na Amazônia) que têm acesso esporádico à Eucaristia. Seria possível caracterizar isso como consumismo sacramental, ou como uma expressão de reivindicação eclesiástica que alimenta paranoias ideológicas pré-existentes.
Há uma qualidade tragicômica familiar em tudo isso, embora revele com clareza as contradições intelectuais e teológicas do tradicionalismo católico que se tornaram dominantes durante o pontificado de Francisco.
O documento recebeu elogios de alguns autores best-sellers e de personalidades católicas, como Scott Hahn e outros que têm uma história de se posicionar ao lado de Viganò. Mas os leitores mais atentos, como o presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha e o comitê dos leigos católicos alemães, criticaram duramente o documento e seus signatários.
O vice-presidente do Comitê Internacional de Auschwitz, Christoph Heubner, alertou sobre algo a mais em relação ao documento: “A crescente propagação de mitos conspiratórios antissemitas nos debates sobre a pandemia do coronavírus deixa os sobreviventes do Holocausto atordoados”.
A reação oficial veio apenas da Igreja Católica na Alemanha, não apenas porque a Alemanha sabe uma coisa ou duas sobre os perigos das teorias da conspiração internacionais, mas também porque o signatário mais proeminente, o cardeal Müller, ex-bispo de Regensburg, estava encarregado da uma vez “supremo” Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano. Pode ser chocante lembrar que Müller recebeu esse cargo do teólogo Bento XVI.
Não há dúvida de que responder à Covid-19 apresenta novos desafios quando se trata de acomodar liberdades pessoais livres e salvaguardar a liberdade religiosa. De fato, ouviram-se advertências em todo o mundo sobre o uso da epidemia pelos governos como uma desculpa para impor restrições excessivas ou autoritárias. Intervenções sobre a escala que a pandemia possa necessitar devem ser examinadas.
Mas o mais recente manifesto de Viganò é diferente, porque denuncia a confusão intelectual e moral da oposição tradicionalista e curialista a Francisco. Ele é representativo da divisão na Igreja de hoje. Há duas correntes culturais do catolicismo reacionário que somam forças aqui: o tradicionalismo à moda antiga e antimoderno que reivindica uma maior soberania e autoridade da Igreja em relação ao Estado; e o negacionismo pós-moderno e anti-intelectual da ciência e do registro histórico.
Nenhuma dessas correntes do catolicismo movido a paranoia encontra uma audiência em Francisco, que, na oração do Regina Coeli do dia 17 de maio, falou claramente a favor de medidas governamentais destinadas a proteger a saúde da população. Não há nenhuma dúvida de onde os ensinamentos da Igreja se apoiam em relação a isso.
Também pode valer a pena ver isso como outro exemplo da globalização das guerras culturais estadunidenses. Após a crise dos abusos sexuais, a pandemia ofereceu uma nova oportunidade para alguns católicos se lançarem como vítimas de uma conspiração, em vez de parte de um desafio social e cultural muito mais amplo (e um desafio com o qual eles aparentemente não conseguem lidar).
Há prelados que aparentemente ainda não sabem que a crise dos abusos sexuais é uma grande demonstração dos riscos de a Igreja Católica se considerar livre da interferência do Estado secular. Alguns bispos e cardeais ainda não se deram conta de que combater o abuso sexual, mesmo na Igreja Católica, não é possível sem o Estado secular que impõe o Estado de direito.
Os tradicionalistas anti-Vaticano II são conhecidos pela sua inclinação a traficar nas teorias da conspiração, ao mesmo tempo em que lamentam o desaparecimento da autoridade política e legal da Igreja. Mas também se deve notar que esse não é apenas outro exemplo da desregulamentação e da degradação da comunicação intraeclesial, ou outro caso de clérigos de alto nível fazendo declarações ultrajantes – até mesmo sobre o papa – sem qualquer vergonha ou medo da disciplina de cima.
Aqui também temos agora prelados gravando secretamente suas conversas, o que revela o colapso intelectual e moral desse tipo de camarilha clerical. Esse último manifesto e o circo midiático ao seu redor misturam cenas de vaudeville com elementos de paranoia nixoniana, quando aquilo que a sombria situação global exige dos pastores da Igreja Católica é uma verdadeira gravitas.
A opinião é de Massimo Faggioli, historiador italiano e professor da Villanova University, nos EUA, em artigo publicado por Commonweal e Caminho Político. A tradução é de Moisés Sbardelotto.Edição: Régis Oliveira. Foto: Ilustração.

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