É intrigante observar como, muitas vezes, o poder público beneficia aqueles que não respeitam as leis e penalizam arbitrariamente aqueles que as cumprem. Em todo o Brasil, é cada vez maior a quantidade de fraudes envolvendo a clonagem de veículos novos, e o Poder Público ainda “patina” na implementação de medidas para coibir a prática e assegurar os direitos do proprietário que teve o veículo clonado. É o caso do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso (Detran-MT). Uma concessionária de veículos pesados do nosso Estado, uma das empresas representadas pelo escritório Corrêa da Costa Advogados, busca junto à Justiça a responsabilização do órgão e, há mais de dois anos, o direito de emplacar um veículo original. Ocorre que, no atributo de suas atividades comerciais, a concessionária alienou um caminhão novo, “zero” quilômetro, procedido da emissão de sua respectiva nota fiscal. No entanto, após a formalização da compra, o cliente tentou realizar o emplacamento do veículo e não conseguiu, em virtude da informação de que “aquele” veículo já se encontrava emplacado em outro Estado, o que ensejou registro policial da ocorrência (BO).
Por orientação do Detran-MT, a concessionária solicitou junto à Polícia Oficial de Identificação Técnica (Politec) laudo pericial para atestar a regularidade do chassi do caminhão com as informações de nota fiscal. Ao final, a Politec concluiu que não há vestígios de adulteração de chassi e que o veículo apresentava gravações autênticas de fábrica. Resumindo, o caminhão da concessionária, como não poderia deixar de ser, estava legal, correto e, portanto, foi clonado.
Em uma busca feita junto aos sistemas de informações disponíveis, descobriu-se que o veículo “clone” foi registrado no Detran do Estado do Pará.
Mesmo diante da comprovação de que se trata de um veículo original, até hoje o seu emplacamento ainda não foi realizado, ficando o proprietário prejudicado por incompetência, burocracia e descaso da administração pública, devido a erro ou fraude no sistema de informações da Base de Índice Nacional (BIN), banco de dados oficial do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), onde estão inseridas as características e informações referentes aos veículos.
Toda essa demora na regularização da situação gera desvalorização do veículo, tendo em vista que o seu valor econômico é medido principalmente pela data de fabricação, além do risco de deterioração, uma vez que está impedido de circular normalmente e cumprir a função que se destina.
Enquanto isso, o veículo “dublê” ou “clone”, encontra-se emplacado e rodando pelas vias públicas do país. Este é o Brasil, o País de todos, inclusive de falsários, estelionatários e fraudadores, com a complacência do Poder Público!
O Estado de Mato Grosso precisa, com urgência, implementar medidas com o objetivo de evitar ocorrências como essa, que resultam em grandes prejuízos para os proprietários dos veículos clonados, seja em qual circunstância vier a ser, que não praticou crime algum, e mesmo ao comprovar por perícia técnica a regularidade de seu veículo, não logra êxito em emplacar e utilizar o mesmo veículo.
O Estado de Santa Catarina, por exemplo, foi um dos primeiros a aderir ao Renave 0 Km, uma nova funcionalidade do Registro Nacional de Veículos em Estoque (Renave), lançada pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), do Ministério da Infraestrutura, que promete aumentar a segurança pelo menos na venda de veículos zero quilômetro no Brasil.
Enquanto isso, a batalha judicial continua em Mato Grosso e o caminhão, que custou quase R$ 500 mil e seria utilizado para finalidades comerciais (transporte de cargas em geral), permanece estacionado em uma garagem e perdendo valor dia após dia.
João Celestino Correa da Costa Neto é advogado e sócio de Corrêa da Costa Advogados.
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