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quinta-feira, 7 de março de 2024

A esquerda e o golpe de 1964

Ao relançar A esquerda e o golpe de 1964, Dênis de Moraes explica que o livro foi centrado na "ordem de acontecimentos que, de algum modo, condicionaram ideários e iniciativas da esquerda, durante os árduos embates pela hegemonia e, afinal, de destruição do Estado democrático de direito".
Eis o artigo.: Apresentação da nova edição do livro, recém-lançada. Esta quinta edição, revista e ampliada, de A esquerda e o golpe de 1964, vem a público sessenta anos depois do golpe de Estado de 1º. de abril de 1964. Ela preserva, no essencial, os focos temáticos, os eixos de análise e o estilo narrativo do livro publicado originalmente em 1989, que mereceu generosa acolhida da crítica. Ao mesmo tempo, modifiquei capítulos e incluí outros; reelaborei várias passagens; e, principalmente, introduzi materiais inéditos e novos conteúdos, além de ter consultado fontes surgidas em décadas recentes.
Com tais alterações e acréscimos, a minha preocupação básica foi a de reapreciar questões relevantes do período, como também incorporar outras visões críticas sobre o processo político e ideológico-cultural que culminou com a deposição do presidente João Goulart (1919-1976), instaurando no Brasil, por longos e penosos 21 anos, a ditadura militar.
A ideia do trabalho nasceu de uma agradável conversa com o cientista político René Armand Dreifuss (1945-2003), autor do clássico 1964: a conquista do Estado, num bar do Flamengo, no Rio de Janeiro. Era uma tarde abafada do verão de 1982; René ainda morava em Belo Horizonte e viera passar férias com a família. A devassa que ele fizera nos arquivos do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e que resultara no livro do ano de 1981 tinha despertado a curiosidade de conhecê-lo.
Bem-humorado, ainda acertando-se com o português, o uruguaio René me surpreendeu pela rapidez com que aderiu ao projeto que lhe expus, de entender as causas da derrota da esquerda brasileira em 1964. “Você vai contar o outro lado da história”, comentou ele, numa alusão à sua pesquisa sobre a articulação político-ideológica-militar-empresarial-midiática que derrubou João Goulart.
René Dreifuss forneceu-me logo uma pista para levantar dados que auxiliassem a resgatar a memória dos vencidos: recomendou-me consultar, entre outras fontes, os arquivos do IPES e da Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), linha auxiliar no movimento de mulheres conservadoras da Guanabara, com ramificações em outros estados, organizados com zelo pela equipe do Arquivo Nacional. A indicação se revelou de extrema valia. Na primeira vez que abri as caixas, compreendi a razão. Ali estão estocados os rastros da competente, sinistra trama que aniquilou um governo constitucional e progressista – uma vasta quantidade de documentos e recortes de jornais e revistas, notadamente do período 1963-1964, classificados de forma didática e abrangente.
Os levantamentos iniciais renovaram o sentimento de perplexidade que sempre tive sobre o desfecho de 1964, quando eu tinha nove anos e não entendi por que não haveria aulas no Colégio Andrews, na zona sul do Rio de Janeiro, onde estudava, no dia 1º. de abril. Arrisco-me a dizer que esse é um sentimento comum a segmentos de minha geração. Por que a esquerda perdeu? Como explicar o fracasso da mobilização pelas reformas de base? Por que os setores progressistas se apresentavam tão divididos? Por que as lideranças populares foram sobrepujadas na arena ideológica, em plena fase de ascensão do movimento de massas? Por que não resistiram? As interrogações me impeliram a fazer o livro.
2.Durante o ciclo ditatorial, a chamada “história oficial” procurou silenciar as vozes que perderam em 1964 e se tornaram opositoras do regime militar, recorrendo ao alijamento político, à coerção institucionalizada, à censura, à tortura e até à eliminação física. O objetivo primordial era desqualificar as mobilizações e reivindicações sociais durante o governo João Goulart. Essa interdição visava ocultar, conforme José Paulo Netto, o clamor, com “enfática orientação anticapitalista”, por uma “ampla reestruturação do padrão de desenvolvimento econômico e uma profunda democratização da sociedade e do Estado”.
Ao estudar o silêncio dos vencidos na Revolução de 1930, Edgar de Decca esclarece como a ideologia “dissimula no exercício da dominação de classes o processo histórico que efetivou os vencedores da luta política e suprimiu nos discursos a experiência histórica dos dominados”. Com efeito, a partir dessa dissimulação se construíram fabulações sobre 1964, refratárias à participação popular e às demandas das classes penalizadas por desigualdades e excluídas dos níveis de decisão sobre o destino do país.
O discurso que buscou dar coesão à versão oficial sobre o golpe se moldou como cimento à fisionomia prepotente e antidemocrática do regime instalado após a queda de Jango. Estigmatizou as tensões e contradições da democracia como elementos impróprios e indesejados, como se não fosse dever de governantes eleitos administrar demandas díspares. A sua pretensão última era impor as hipotéticas razões do golpismo, baseadas em engodos e mistificações sobre “a ameaça comunista”, que estaria na base da atuação da esquerda em meio à crise política – crise que, convém insistir, transcorria nos marcos da legalidade.
Um dos erros de cálculo do poder ditatorial foi supor que suas premissas na definição da “verdade” histórica prevaleceriam indefinidamente, contando-se para isso que o arsenal repressivo e a doutrinação ideológica lograssem barrar o contraditório e a divergência.
Mas o passado não está condenado a ficar quieto ou coagulado. “O passado é inevitável, para além da vontade e da razão”, salienta Beatriz Sarlo. “Sua força só pode ser suprimida pela ignorância, pela violência simbólica e pela destruição física ou material”. Ainda assim, ele pode ressurgir em potência lá adiante. Porque o campo da memória, do qual faz parte, é um campo de disputas e conflitos, instável e cambiante, sujeito às variações da correlação de forças na sociedade. Significa que, no curso das mutações histórico-sociais e da batalha das ideias pela hegemonia política e cultural, outros valores e concepções de mundo podem emergir e prevalecer, alterando progressivamente as bases do consenso. Isso torna possível, ao longo do tempo, recuperar a memória silenciada, reelaborar o conhecimento do passado e analisar os fatos sob diferentes abordagens.
Sérgio Paulo Rouanet nos convida a refletir com Walter Benjamin: a uma concepção contínua e linear da história – que para Benjamin é sempre a história dos vencedores – se opõe uma história concebida na perspectiva dos vencidos, baseada na ruptura e não na continuidade. “A história assim concebida”, escreve Rouanet, “não é uma sucessão de fatos mudos, mas uma sequência de passados oprimidos, que têm consigo um ‘índice misterioso’, que os impele para a redenção”. O horizonte da redenção, acrescento eu, está em sintonia com o desejo de liberar vozes até então aprisionadas.
No caso aqui estudado, reescavar o passado e reavaliar 1964, na visão dos vencidos, têm duplo alcance. De um lado, permite questionar as falácias anticomunistas que preponderavam no discurso dos vencedores, como a da “República sindicalista” que Jango estaria a um passo de implantar, assim como deturpações deliberadas sobre os riscos de “subversão” e “comunização”. A exacerbação do anticomunismo tem a ver com o receio das classes dominantes quanto a possíveis efeitos de transformações políticas e culturais na produção de crenças, mentalidades e juízos que incidem na conformação do imaginário social, tradicionalmente sob seu raio de influência.
Rodrigo Patto Sá Motta argumenta que o anticomunismo se converte em instrumento ideológico para expressar sentimentos conservadores em relação a valores morais e religiosos. “O perigo vermelho” extrapola os objetivos e a força real dos comunistas e é usado como antídoto ideológico à ascensão social das classes populares, com o indesejável questionamento das hierarquias vigentes. A estratégia discursiva anticomunista consiste em infundir a sensação de perigo em relação a mudanças que possam afetar as conveniências do conservadorismo e a sua hegemonia político-cultural. A pretensão última dessas manobras retóricas é explorar os sentimentos de medo e insegurança da opinião pública, com o propósito de convencer setores sociais a aceitarem intervenções autoritárias.
O artigo é de Dênis de Moraes, jornalista e escritor, professor aposentado do Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, autor de Sartre e a imprensa (Mauad). O texto é publicado por A Terra é Redonda e no Caminho Político
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