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sábado, 3 de agosto de 2024

LUTO NA CULTURA BRASILEIRA: Morre astro brasileiro do violoncelo Antônio Meneses

Poucos instrumentistas brasileiros alcançaram seu renome internacional. Do alto do primeiro escalão da música erudita, violoncelista nascido em Recife permaneceu um professor generoso e ser humano afável. Morreu na manhã deste sábado (03/08), na Basileia, Suíça, o renomado músico brasileiro Antônio Meneses. Ele tinha 66 anos e tratava um câncer.
No início de julho de 2024, seus representantes haviam divulgado um comunicado anunciando o cancelamento de sua agenda de concertos e o afastamento dos cargos de docência. Diagnosticado com glioblastoma multiforme, um tipo de tumor cerebral agressivo, ele se encontrava sob cuidados paliativos na Suíça, onde vivia há muitos anos com a família.
O panteão moderno dos violoncelistas é povoado por artistas transcendentais: Pablo Casals, Pierre Fournier, Jacqueline Dupré, Mstislav Rostropovich, János Starker, entre tantos outros. E ao lado deles está instalado, confortavelmente, um pernambucano: Antônio Meneses.
Uma prova? Entre tantos virtuoses do instrumento, de 1998 até a extinção do grupo, em 2008, foi ele o escolhido para dar continuidade a uma das formações camerísticas mais conceituadas do mundo, o Beaux Arts Trio, ao lado do fundador, pianista Menahem Pressler, e do violinista Yung Uck Kim (mais tarde Daniel Hope).
É mesmo possível que, entre todos os instrumentistas eruditos brasileiros que alcançaram renome internacional nos séculos 20 e 21, o gabarito de Meneses só seja comparável ao do pianista Nelson Freire – aliás, um de seus tantos parceiros ilustres na música de câmara.
"Tocar bem é comunicar"
Antônio nasceu em Recife em 23 de agosto de 1957. Já em seu primeiro ano de vida, o pai, João Gerônimo, foi contratado como primeiro trompista da Orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e os Meneses se mudaram para lá.
Aos dez anos, "Toinho" (seu apelido de infância) começa a estudar violoncelo. A escolha talvez não tenha sido inteiramente espontânea: o pai "proibia piano" na casa, relataria numa entrevista: "Dizia: 'Já tem pianista demais no mundo, tem que tocar outros instrumentos'".
Aos 16 anos conhece o violoncelista italiano Antonio Janigro, então em turnê pela América do Sul, que o convida para ser seu aluno em Düsseldorf e mais tarde em Stuttgart. Já em 1977 faz sua estreia internacional, tocando em Washington a Fantasia para violoncelo e orquestra do brasileiro Heitor Villa-Lobos.
No mesmo ano vence em Munique o Concurso Internacional de Música da emissora ARD. E em 1982 cabe-lhe uma distinção rara: primeiro prêmio e medalha de ouro do conceituado Concurso Tchaikovsky de Moscou.
Pressões paternas à parte, numa Conversa de Intervalo do canal da Sala Cecília Meireles no YouTube, Meneses revelou ligações profundas com o instrumento eleito. Indagado sobre a tão propalada proximidade do timbre do violoncelo com o da voz, revelou: "Eu costumo dizer que nada pode se comparar à voz humana, que é o instrumento mais maravilhoso, mais perfeito que existe."
E talvez esteja aí o segredo do jeito menesiano de fazer música: tocar como quem canta, cantar como quem fala. Na mesma entrevista, ele comentou sobre a versão instrumental de seis canções de Johannes Brahms, que ia apresentar: "Essas transcrições foram feitas durante a vida dele, Brahms deve ter sabido delas. Quem fez isso viu que elas são perfeitas para o violoncelo, realmente: o instrumento canta... só falta eu dizer também o texto!"
O virtuose já abordara essa relação entre música e mensagem numa entrevista de 2010 ao Correio Braziliense: "Tocar bem é comunicar. Quando você tenta demais ser bom, você está se concentrando em ser bom, enquanto o que o público espera é comunicação. O público se emociona com a comunicação."
Um who's who da música erudita
A partir da vitória no Concurso Tchaikovsky, a carreira de Meneses não conhece fronteiras. Enumerar suas parcerias musicais é quase fazer um who's who exaustivo da elite da música erudita de quatro décadas.
Citem-se apenas as pianistas Maria João Pires e Cristina Ortiz; violinistas Anne-Sophie Mutter e Maxim Vengerov; quartetos Belcea e Vermeer; maestros Claudio Abbado, Charles Dutoit, Mariss Jansons, Isaac Karabtchevsky, Herbert von Karajan, André Previn, Christian Thielemann, regendo as orquestras Concertgebouw de Amsterdam; filarmônicas de Berlim, Moscou, Nova York; sinfônicas de São Paulo, Londres, Viena e da BBC, ou das rádios alemãs BR e WDR.
Com vários desses parceiros – e muitos outros – Meneses ergueu uma discografia extensa, tanto em gravadoras poderosas – Deutsche Gramophon, EMI/Angel, Bis, Naxos – como em selos independentes.
Enquanto instrumento clássico de tradição secular, o violoncelo ostenta um repertório nuclear que nenhum virtuose que se preze pode se recusar a explorar, possivelmente por diversas vezes e de perspectivas diferentes, ao longo de toda a vida.
No topo desse Olimpo estão, indiscutivelmente, as Seis suítes para violoncelo solo de Johann Sebastian Bach. Aí há as duas sonatas e o Concerto duplo de Johannes Brahms, as obras com acompanhamento de piano de Schubert, Beethoven, Schumann, os concertos de Joseph Haydn, Edward Elgar, os dois de Villa-Lobos – o qual, aliás, tinha o violoncelo entre seus instrumentos favoritos.
Galgar todos esses Everests não lhe bastava, porém: o incansável Meneses desbravou, no palco ou em estúdio. numerosas obras menos populares – Alfredo Piatti, David Popper, Eugen d'Albert, Federico Ghedini – e até inéditas.
Augusto Valente/Caminho Político
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