Tradicional rota do tráfico de cocaína entre a América do Sul e os EUA, América Central também começa a despontar como produtora da droga. Quadro é exacerbado pela corrupção e falta de vontade política. A América Central tem sido uma tradicional rota de passagem de cocaína produzida em países sul-americanos até os Estados Unidos. Nem a próspera Costa Rica é exceção. Considerado um oásis de tranquilidade na região, o país viu aumentar nos últimos anos a violência ligada ao tráfico de drogas.
Um artigo recente do jornal americano The New York Times gerou revolta entre os costa-riquenhos. O texto cita um documento do Departamento de Estado dos EUA, segundo o qual, "desde 2020, a Costa Rica está entre as principais escalas da cocaína na rota da América do Sul até os EUA e a Europa, o que provocou um aumento dos crimes e da corrupção.
Em entrevista à DW, o ministro de Segurança Pública da Costa Rica, Mario Zamora, concordou com a argumentação do jornal, mas sublinhou que "esse artigo faz referência à situação de 2020, sendo que, em 2024, conseguimos uma redução visível em relação à estatística que essa matéria mostra".
Ainda que o caso da Costa Rica chame a atenção, devemos situá-lo no contexto centro-americano. "É um problema da região", afirmou à DW Alex Papadovassilakis, analista para América Central da organização de jornalismo investigativo InSight Crime.
"Guatemala e Honduras têm sido os países mais fortes do transporte de cocaína. Contudo, o Panamá e a Costa Rica também têm seus lugares nesse panorama, por que possuem portos importantes", explicou.
O especialista acrescenta que "há países onde o problema tem sido mais grave, mas há rotas de transporte de cocaína em toda a América Central, incluindo El Salvador e Belize. Isso tende a mudar, dependendo das dificuldades esses países encontrarem".
Novos elementos
Carolina Duque, pesquisadora do Centro de Estudos Latino-americano sobre Insegurança e Violência (Celiv) da Universidade Nacional Três de Fevereiro, na Argentina, chama atenção que "as nações centro-americanas sempre estiveram na cadeia do narcotráfico como países de trânsito da droga".
Mas, surgiram também algumas novidades. "Na última década, em alguns países como Honduras e Guatemala, apareceram cultivos ilícitos de coca. Ainda que não em grande escala, é possível que as máfias estejam mudando os locais de produção de cocaína em razão da logística e dos custos de produção", disse a especialista à DW.Um estudo da Universidade de Ohio , nos EUA, publicado na revista Environmental Research Letters afirma que "desde 2017, grupos criminosos organizados vem estabelecendo plantações de coca na América Central para a produção de cocaína. Isso rompeu o amplo monopólio da América do Sul sobre a produção de folha de coca"
Segundo os autores, "47% do norte da América Central - Honduras, Guatemala e Belize - apresenta características biofísicas muito adequadas para o cultuvo da coca"
Outro novo elemento é a utilização de áreas protegidas. "Considero importante chamar a atenção para como o narcotráfico e as máfias começam a usurpar terras e territórios de áreas protegidas para instalar pistas clandestinas, plantações [...] o que também implica em desmatamento e acabar com a biodiversidade", afirma Carolina Duque.
Por outro lado, a pesquisadora fala de uma "diversificação dos mercados criminosos” que também facilita o tráfico de drogas. Ela menciona como exemplo o fato de que "o tráfico de pessoas aumentou na América Central" no contexto da migração.
Corrupção endêmica
De modo geral, o problema subjacente é geralmente a fraqueza institucional e a corrupção. "O exemplo mais forte é o de Honduras. O ex-presidente Juan Orlando Hernández foi condenado nos Estados Unidos por tráfico de drogas. Esse é um caso extremo de um padrão observado em muitos países", diz Papadovassilakis.
"Não é algo novo, mas é gravíssimo para a democracia, porque as instituições respondem aos interesses do crime organizado, e não às necessidades da população", afirma. Ele acrescenta que, "na Guatemala, não estamos falando apenas de governos locais. Os traficantes de drogas também conseguiram posicionar aliados estratégicos no Congresso, nos ministérios, por exemplo, no Ministério do Interior, que controla a polícia. Essa infiltração "resulta em uma grande proteção aos grupos de tráfico de drogas".
Duque também destaca a corrupção. "Isso já é endêmico. O Estado se torna, através da corrupção, um mercado, por assim dizer, onde os funcionários também participam de diferentes maneiras do negócio do tráfico de drogas". Ela lamenta que Honduras tenha encerrado o acordo de extradição com os Estados Unidos.
Políticas malsucedidas
Na opinião do especialista em crimes da InSight, "os Estados centro-americanos não só não têm capacidade para enfrentar os grupos de narcotraficantes, como também não há vontade política, porque em vários países os traficantes de drogas conseguiram corromper as instituições estatais. Levei quase seis anos investigando o tráfico de drogas na América Central e não vi nenhuma política inovadora que tenha conseguido reduzir a incidência do tráfico na região", afirma.
Ele sublinha que "as autoridades costumam se concentrar na apreensão e destruição de carregamentos e plantações de droga, mas isso não tem levado a resultados concretos a longo prazo".
Papadovassilakis defende políticas mais focadas na prevenção e não tanto na realização de apreensões e prisões. Ele também diz que devemos olhar para o que está acontecendo nos mercados de consumo. "Na Europa e nos EUA, as pessoas consomem cocaína sem pensar nas consequências para os países da América Central, que não têm capacidade para lidar com o tráfico de drogas."
Emilia Rojas Sasse/Caminho Político
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