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sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Como o bolsonarismo se radicalizou contra o STF

Tribunal é alvo regular de ataques por parte da extrema direita brasileira desde 2018. Muito antes de atentado executado por homem-bomba, ofensas, ataques e ameaças já faziam parte da rotina dos ministros. Brasília, quarta-feira (13/11). Um homem com explosivos presos ao corpo se aproxima da sede do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao se deparar com seguranças, ele detona um dos explosivos junto à nuca e acaba morrendo. Pouco antes, seu veículo havia explodido a algumas centenas de metros.
Nas horas seguintes, começam a surgir detalhes do seu perfil: um aparente radical de extrema direita de 59 anos, identificado como Francisco Wanderley Luiz, que já havia sido candidato a vereador pelo PL de Jair Bolsonaro e cujas redes sociais continham mensagens agressivas contra o STF e políticos tradicionais, além de propagarem teorias conspiratórias populares em círculos de ultradireita.
Os indícios apontam que se trataria da ação de um lobo-solitário, sem participação de outras pessoas. Questionado sobre o atentado, Jair Bolsonaro minimizou o episódio como um "fato isolado", enquanto aliados do ex-presidente tentaram refutar ligações com o bolsonarismo.
No entanto, o atentado suicida ocorreu após uma longa sequência de seis anos de ofensivas do bolsonarismo contra o STF, que entre 2018 e 2024 elegeu o tribunal como um dos principais inimigos do movimento. Ofensas, hostilização e propagação de fake news por parte de bolsonaristas contra o tribunal e diversos ministros foram rotina nos últimos anos.
Também não é a primeira vez que a sede é alvo de um ataque. O tribunal já havia sido seriamente danificado em janeiro de 2023 por uma turba de bolsonaristas, no que até então era encarado como o clímax da campanha da extrema direita contra o tribunal.
Foi nesse contexto que ocorreu o ataque suicida executado por Francisco Wanderley Luiz. Segundo o site G1, sua ex-mulher contou à polícia que ele alimentava a fantasia de assassinar o ministro do STF Alexandre de Moraes, que desde 2019 é visto como o "inimigo número 1" do bolsonarismo no Judiciário.
Ao comentar sobre as explosões de quarta, Moraes afirmou: "O que aconteceu ontem não é um fato isolado do contexto. (...) mas o contexto se iniciou lá atrás, quando o 'gabinete do ódio' começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o STF, principalmente contra a autonomia do Judiciário".
Veja abaixo outros episódios de tensão entre o bolsonarismo e o STF nos últimos anos:
2018: Vídeo de Eduardo Bolsonaro sobre fechar STF com um "um soldado e um cabo"
O STF já colecionava episódios de tensão com parte da direita antes da ascensão do bolsonarismo, que envolviam apoiadores da Lava Jato acusando o tribunal de leniência com acusados de corrupção e até mesmo uma mensagem do general Villas Bôas publicada em 2018 que foi encarada como uma tentativa de pressão sobre os ministros para que eles não tomassem uma decisão favorável ao ex-presidente Lula.
Mas os primeiros choques com o bolsonarismo logo vieram. Durante a campanha presidencial de 2018, o então deputado Jair Bolsonaro defendeu um aumento no número de vagas do STF, no que foi visto como uma estratégia para aumentar a presença da extrema direita na Corte.
Na mesma campanha, um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, foi gravado num cursinho lançando a ideia de que o tribunal poderia ser facilmente fechado por apenas "um soldado e um cabo". "Se prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor do ministro do STF, milhões na rua?", disse Eduardo.
As falas do vídeo foram repudiadas por ministros do STF, mas eram um sinal do que estava por vir.
Ainda durante a campanha de 2018, um coronel reformado apoiador de Bolsonaro publicou uma série de vídeos com ataques a membros do STF e apologia a um golpe de Estado. A maior parte dos xingamentos foram direcionados a Rosa Weber, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No ano seguinte, Correia foi denunciado pelo Ministério Público.
2019: STF abre inquérito das fake news e se torna alvo permanente do bolsonarismo
Após a posse de Jair Bolsonaro, nas primeiras semanas de 2019, o novo governo protagonizou uma série de conflitos contra a Câmara Federal, mas logo o STF se tornou o principal alvo.
Em março do mesmo ano, após perfis bolsonaristas direcionarem ataques contra ministros do STF e pedirem o fechamento do tribunal, o então presidente da Corte, Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para investigar a existência de fake news, ameaças e denunciações caluniosas, difamantes e injuriantes contra membros da corte e de seus familiares.
Seria o "inquérito das fake news", que passaria a ser comandado por Alexandre de Moraes para investigar o chamado "gabinete do ódio" bolsonarista. Nos meses seguintes, o inquérito começaria a se aproximar de diversos aliados do presidente. Em maio do mesmo ano, Bolsonaro endossou a primeira manifestação de rua que teve o STF como alvo.
2020: Bolsonaro prestigia manifestação contra o STF
Em meio à pandemia, Jair Bolsonaro sobrevoou a Esplanada dos Ministérios para prestigiar uma manifestação contra o STF e o Congresso. Depois, desceu e caminhou para cumprimentar apoiadores. Na manifestação, placas afirmavam: "Supremo é o povo" e "abaixo a ditadura do STF".
No mesmo ano, o STF abriu um novo inquérito, desta vez para investigar atos antidemocráticos. Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes que barrou a posse do delegado Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal também fez com que as redes bolsonaristas continuassem a concentrar seus ataques contra o ministro.
No mesmo ano, durante uma sessão plenária, Moraes leu algumas ameaças recebidas pelos integrantes da corte. "Que estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do STF', citou o ministro. Outra ameaça dizia, segundo Moraes: "Quanto custa atirar à queima-roupa nas costas de cada filho da puta ministro do STF (...)?".
2020: Ato e ataque do grupo "300" contra STF
Ainda em maio de 2020, um acampamento liderado pela ex-feminista e militante de extrema direita Sara Geromini, também conhecida como Sara Winter, foi instalado no Eixo Monumental de Brasília. O grupo, autointitulado "300 do Brasil" – embora só poucas dezenas de fato participassem do movimento –, passou a organizar simulações de treinamento militar e protestos regulares contra o Congresso e o STF. Paralelamente, Winter publicou ataques nas redes contra ministros.
No final de maio de 2020, usando máscaras, membros do acampamento organizaram uma marcha com tochas em volta do STF, numa ação que parece ter sido inspirada na infame marcha neonazista que ocorreu em Charlottesville, nos EUA, em 2017.
Duas semanas depois, membros dos "300" dispararam fogos de artificio diretamente contra a sede do STF. "Vocês vão cair. Nós vamos derrubar vocês, seus comunistas", dizia uma mensagem com imagens do ataque distribuída pelo grupo. Dois dias depois, Winter foi presa.
2021: Daniel Silveira é preso após atacar e ameaçar ministros
Em fevereiro de 2021, o deputado bolsonarista Daniel Silveira foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, pouco depois de publicar um vídeo em suas redes sociais com ataques virulentos ao Supremo. Em cerca de 20 minutos de vídeo, Silveira usou palavras como "vagabundo", "filha da puta", "bosta" e "idiota" para se referir aos ministros.
Ele ainda manifestou desejo de que os juízes da corte fossem agredidos fisicamente e fez apologia ao AI-5, o ato institucional publicado pela ditadura em 1968, que resultou no fechamento do Congresso e na suspensão do habeas corpus, entre outras medidas autoritárias.
O deputado também acusou - sem provas - ministros da Corte de trabalharem para organizações criminosas, venderem sentenças e até de terem pênis pequeno.
Silveira já era investigado no âmbito dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos que foram abertos pelo STF entre 2019 e 2020.
2021: mais presos por ameaçar ministros
No mesmo ano, Moraes expediu mais dois mandados de prisão preventiva contra dois apoiadores de Bolsonaro que publicaram ameaças. Um deles, chegou a afirmar sobre a existência de uma suposta premiação em dinheiro para quem matasse Moraes. "Tem um empresário grande aí que está oferecendo. Tem até uma grana federal que vai sair o valor pela cabeça do Alexandre de Moraes, vivo ou morto, para quem trazer ele", disse o suspeito.
O outro preso, falou em matar o ministro e sua família: "Filha da Puta, terça-feira vamos te matar e toda sua família seu vagabundo. Advogadinho de merda do PCC, sou Policial Militar e nós militares te eliminaremos."
2021: Bolsonaro lidera manifestação contra o STF
Em uma sequência de ataques que se estendeu por meses em 2021, Bolsonaro acusou o TSE, que é institucionalmente ligado ao STF, de fraude eleitoral e distribuiu ataques a diferentes ministros do tribunal, chegando a xingar Luís Roberto Barroso de "filho da puta" em público e a associar falsamente o ministro à pedofilia. No total, apenas em 2021, Bolsonaro fez pelo menos 21 ataques públicos ao sistema eleitoral, mantendo sua base agitada contra o TSE.
Ainda em 2021, Bolsonaro se tornou alvo de quatro novos inquéritos no STF e um no TSE. Bolsonaro respondeu redobrando os ataques. Em agosto, apresentou um inédito pedido de impeachment contra o ministro Moraes – rejeitado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Bolsonaro também chegou a organizar um desfile de blindados na Praça dos Três Poderes no que foi visto como uma tentativa de intimidação contra o STF e o Congresso, mas o episódio chamou mais a atenção pela obsolescência dos veículos e pela fumaça emitida.
Em setembro, em discursos diante de milhares de apoiadores em Brasília e São Paulo, Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF e exortou desobediência a decisões da Justiça.
Em uma ameaça direta ao então presidente do Supremo, Luiz Fux, Bolsonaro disse: "Ou o chefe desse Poder [Fux] enquadra o seu [ministro Alexandre de Moraes] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos". No mesmo dia disse que "qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá, a paciência do nosso povo já se esgotou".
2022: Ex-deputado Roberto Jefferson resiste à ordem de prisão pelo STF e atira em policiais
Em outubro de 2022, pouco antes do segundo turno presidencial, o STF determinou uma nova detenção do ex-deputado de extrema direita Roberto Jefferson (PTB), que cumpria prisão domiciliar.
A ordem foi motivada pela insistência de Jefferson de descumprir várias medidas cautelares impostas para a garantia da prisão domiciliar, que incluíam a proibição de receber visitas sem prévia autorização, usar redes sociais e conceder entrevistas. A gota d'água ocorreu quando Jefferson publicou em redes sociais uma série de ofensas à ministra do STF Cármen Lúcia.
Quando policiais se dirigiram à residência de Jefferson, o ex-deputado respondeu com tiros de fuzil e granadas, ferindo dois agentes.
Após um cerco que se estendeu por oito horas, o aliado do presidente Jair Bolsonaro concordou em se entregar.
2022: Ministros hostilizados em Nova York
Em novembro de 2022, bolsonaristas hostilizaram publicamente ministros do STF de semana em Nova York, onde os membros da Corte participavam de uma conferência.
Vídeos gravados por bolsonaristas mostraram que os manifestantes dirigiram a hostilidade em diferentes momentos e pontos da cidade aos ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Moraes teve que ser escoltado ao sair de um restaurante. Já Barroso foi abordado quando caminhava. Gilmar, quando saia de um hotel.
2022: tentativa de ataque terrorista em Brasília
Em dezembro de 2022, quando bolsonaristas permaneciam acampados em frente a bases do Exército país afora para pressionar por um golpe de Estado na esteira da derrota de Bolsonaro na eleição presidencial, a Polícia Civil do Distrito Federal prendeu um homem suspeito de plantar um artefato explosivo nos arredores do aeroporto de Brasília.
O suspeito era um empresário de 54 anos do Pará, que, segundo a polícia, confessou a intenção de detonar o artefato no aeroporto. O suspeito ainda estava em posse de um arsenal de duas espingardas, um fuzil, dois revólveres, três pistolas, centenas de munições e uniformes camuflados.
Embora o caso não fosse exatamente um ataque direto ao STF, o episódio mostrou que alguns apoiadores de Bolsonaro estavam dispostos até mesmo a recorrer a atos de terrorismo na esteira da derrota em 2022.
2023: Ataque de 8 de janeiro deixa sede do STF em ruínas
Uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, milhares de bolsonaristas que não aceitavam o novo governo e a derrota de Jair Bolsonaro no pleito de 2022 se dirigiram a Brasília. Outros já se encontravam num acampamento instalado em frente à sede do comando do Exército na capital.
No dia 8 de janeiro, num episódio que levantou suspeitas de cumplicidade e omissão por parte da cúpula de segurança do Distrito Federal, a turba de bolsonaristas seguiu desimpedida para as sedes dos Três Poderes. Os bolsonaristas acabaram invadindo o Congresso, o Palácio do Planalto e a sede do STF, numa aparente tentativa de provocar uma "intervenção militar" que poderia levar Bolsonaro de volta ao poder.
O prédio mais vandalizado foi de longe a sede do STF. Os golpistas destruíram o plenário da Corte, vandalizaram gabinetes e obras de arte. Os prejuízos passaram dos R$ 11 milhões só na sede do Tribunal. Em vídeos, bolsonaristas que destruíram o prédio também xingaram ministros. "Um bombardeio não teria resultado no dano que a Suprema Corte teve", disse o senador Randolfe Rodrigues ao inspecionar os danos.
2023: Barroso é hostilizado em Miami
No início de janeiro de 2023, o ministro Luís Roberto Barroso disse ter sido hostilizado por manifestantes bolsonaristas no aeroporto de Miami. Dino chamou os manifestantes de "extremistas”. Vídeos mostraram Barroso no salão de embarque do aeroporto, enquanto era vaiado e xingado de "ladrão" e "lixo".
2023: Alexandre de Moraes é hostilizado em Roma
Em julho de 2023, Alexandre de Moraes e sua família afirmaram que foram hostilizados no aeroporto de Roma por um trio de brasileiros. O episódio envolveu até mesmo intercalação física entre o filho de Moraes e um dos membros do trio.
Um ano depois, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou um empresário, sua esposa e o genro do casal pelo caso. Eles foram acusados de crimes de calúnia e injúria. Um deles também foi denunciado por injúria real (com violência), por suspeita de agredir o filho do ministro.
2024: Suspeitos de ameaçar família de Moraes são presos
Em maio de 2024, a Polícia Federal prendeu dois irmãos suspeitos de ameaçarem a família do ministro Moraes. Entre eles estava um fuzileiro naval da ativa.
A investigação começou depois que e-mails anônimos começaram a chegar ao STF, com mensagens falavam em bombas e sobre o itinerário da filha do ministro Moraes.
2024: ataque suicida em frente ao STF
Em novembro de 2024, duas explosões foram registradas nas proximidades de um anexo da Câmara dos Deputados e da sede do STF em Brasília, num aparente atentado suicida cometido por um radical de extrema direita.
Jean-Philip Struck/Caminho Político
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