Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso

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Av. André Maggi nº 6, Centro Político Administrativo

PROGRAMA ADILSON COSTA com RÉGIS OLIVEIRA

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na Rádio Cuiabana FM 106.5 de Segunda a Sexta das 16hs ás 17hs e nas plataformas digitais.

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domingo, 15 de junho de 2025

Gaza, Google e Guerra Cognitiva: a engenharia israelense da dominação global

A guerra contra Gaza não é apenas um massacre. É o experimento supremo da doutrina Netanyahu em sua forma mais refinada: um genocídio assistido por inteligência artificial, transformado em espetáculo global de guerra em tempo real, legitimado por uma máquina internacional de lobby, blindado por algoritmos, sustentado por uma narrativa hegemônica e protegido por uma moral invertida que criminaliza a verdade e santifica a barbárie.
O laboratório do mundo
Israel não é apenas um Estado nacional. É, desde sua fundação, um laboratório tecnopolítico avançado de um novo modelo de dominação planetária. Um modelo onde as fronteiras entre segurança, ciência, religião, cultura e propaganda foram dissolvidas, e onde a guerra já não se trava apenas por tanques ou mísseis, mas por dados, narrativas, algoritmos, vigilância e manipulação emocional. Entender Israel como um ator central da guerra híbrida global é reconhecer que o sionismo, como projeto de engenharia do poder, não se contenta com o controle territorial da Palestina. Ele avança — por meios diretos e indiretos — sobre as democracias centrais, os regimes do Sul Global e os sistemas de crença do Ocidente como um todo.
O sionismo é uma ideologia. E como toda ideologia de supremacia, não se sustenta apenas pela força: ela exige a fabricação de um universo moral, de um inimigo eterno, de uma causa incontestável. É nesse ponto que o sionismo se distingue do judaísmo. Enquanto a tradição judaica histórica, espiritual e filosófica floresceu na diversidade, na crítica ética e na busca pela justiça, o sionismo transformou essa herança em arma. Não representa os judeus do mundo — representa um projeto de colonização étnica, de expansão territorial e de dominação global travestido de redenção religiosa e autodefesa.
Essa diferenciação precisa ser feita com total clareza: criticar o sionismo de Estado não é ser antissemita. É, pelo contrário, um gesto de defesa do próprio judaísmo histórico, da paz entre os povos e da dignidade humana universal. Porque o que se observa hoje é a conversão do sofrimento judaico em escudo para práticas inomináveis, sustentadas por governos ocidentais que não apenas toleram, mas financiam e reproduzem a lógica israelense de guerra permanente como modelo exportável.
A guerra em Gaza expôs, com brutal nitidez, essa engrenagem. Mas ela não começa com os bombardeios — ela começa com o discurso, com a doutrina, com a operação de subjetividades em escala planetária. Começa com a suposta neutralidade das empresas de tecnologia que vendem ferramentas de repressão e vigilância. Começa com universidades cooptadas, com jornalistas silenciados, com parlamentos constrangidos por lobbies milionários. Começa, em última instância, com a normalização do sionismo como um valor civilizatório, quando, na verdade, se trata da mais avançada forma contemporânea de colonialismo informacional, repressivo e epistemológico.

Este artigo se propõe a expor, com precisão teórica e contundência política, como Israel organizou, ao longo das últimas décadas, um projeto global de guerra híbrida e operações psicológicas. Como a ciência, a cultura, a diplomacia, a religião e a tecnologia foram instrumentalizadas como armas de modulação comportamental. Como Netanyahu e o Likud radicalizaram esse projeto até o limite da barbárie legitimada. E como as democracias centrais, notadamente os Estados Unidos, se tornaram reféns — e cúmplices — de uma lógica que esvazia a política, destrói a ética e transforma os direitos humanos em retórica sem consequência.

Ao final deste texto, esperamos não apenas ter traçado um panorama crítico da atuação israelense no mundo, mas também ter oferecido uma chave estratégica: romper o silêncio, recuperar o sentido da crítica e reorganizar o campo de resistência global. Porque se há algo mais perigoso do que a violência de Israel, é o silêncio cúmplice que a cerca.

O nascimento de um Estado em guerra: tecnologia e psicopolítica desde 1948

O Estado de Israel não nasceu como uma nação qualquer. Desde seu ato inaugural — a declaração de independência em 1948 — até suas primeiras décadas de existência, Israel foi erguido como um projeto de exceção histórica, um enclave colonial com sustentação religiosa, legitimidade emocional internacional e infraestrutura militar de ponta, tudo amparado por um sistema geopolítico disposto a permitir qualquer crime em nome de uma culpa mal resolvida pelo Holocausto.

A Nakba Palestina, que marca a fundação real do Estado israelense, não foi um subproduto da guerra — foi seu fundamento. Cerca de 750 mil palestinos foram expulsos de suas terras, 531 aldeias foram destruídas e suas ruínas ocultadas sob florestas plantadas artificialmente para apagar a memória. Essa política de limpeza étnica fundacional foi acompanhada de uma das primeiras campanhas sistemáticas de guerra psicológica moderna: transformou as vítimas em “ausentes”, reescreveu a história dos vencidos, fabricou a imagem de um Estado pequeno e ameaçado que precisava apenas sobreviver.

Desde então, a guerra tornou-se o código genético do Estado israelense. Não apenas uma guerra física — mas uma guerra narrada, justificada, ritualizada, exportada. Não há momento de paz em sua história. Cada cessar-fogo é uma pausa estratégica. A lógica de segurança total se tornou doutrina de Estado, um conceito mobilizado para justificar tudo: do apartheid interno ao assassinato de jornalistas, da espionagem global à anexação de territórios estrangeiros.

É nesse contexto que se forja a tríade fundadora da guerra híbrida israelense: tecnologia, religião e segurança. Israel entendeu desde cedo que, para existir como enclave ocidental em meio ao mundo árabe, teria que ser não apenas militarmente superior, mas cognitivamente dominante. Não bastava derrotar o inimigo externo. Era preciso redesenhar o campo discursivo global, instalar uma lógica de medo permanente e garantir que a crítica ao Estado fosse moralmente interditada.

Nas décadas de 1950 e 60, os serviços secretos israelenses se consolidaram como modelo de atuação irregular e de manipulação geopolítica subterrânea. O Mossad, fundado em 1949, e o Shin Bet, criado logo em seguida, não se limitavam a proteger a segurança interna: eles se especializaram em operações extraterritoriais, assassinatos seletivos, infiltrações e campanhas de desinformação. A ideia era clara: Israel deveria ter capacidade ofensiva onde quer que estivesse, mesmo sem guerra declarada. O inimigo seria identificado em qualquer parte do mundo — e eliminado.

Ao mesmo tempo, Israel passou a investir pesadamente em ciência e tecnologia como ferramentas de poder, com apoio financeiro irrestrito dos EUA. Os primeiros anos do Estado foram marcados pela criação de centros de pesquisa militar, tecnológicos e nucleares com forte articulação com a inteligência, criando uma relação simbiótica entre a pesquisa científica e o aparelho de guerra. Desde então, qualquer inovação tecnológica em Israel carrega potencial bélico, utilidade repressiva ou valor geoestratégico.

Por trás da aparência de uma democracia moderna, se consolidava um Estado de guerra permanente, onde a sociedade civil se confunde com os aparatos de segurança, e onde o cidadão comum é mobilizado para a guerra desde a infância — seja nas escolas, no serviço militar obrigatório ou na formação ideológica sionista. Nascia ali um tipo inédito de sociedade: o Estado cognitivo armado, onde cada sujeito é simultaneamente um corpo social, uma peça ideológica e um operador simbólico da ocupação.

Esse modelo foi aperfeiçoado e exportado. Israel passou a oferecer ao mundo seus métodos: doutrinas de contraterrorismo, vigilância eletrônica, controle de populações “rebeldes”, técnicas de interrogatório, tecnologias de reconhecimento e repressão. O que foi testado em Jenin e Hebron é vendido como solução em São Paulo, na Cidade do Cabo, em Nova Délhi, em Nova Iorque. O apartheid tornou-se benchmark.

Tudo isso, no entanto, começou em 1948. E não como consequência de uma guerra, mas como a fundação deliberada de um Estado estruturado para viver da guerra. Um Estado que, como disse Edward Said, “nunca se pensou a si mesmo como parte do Oriente Médio, mas como fortaleza da Europa em solo árabe”. Um projeto colonial de exceção, que só pode sobreviver enquanto o mundo aceitar, ou fingir não ver, que sua existência se sustenta no extermínio dos outros.

Netanyahu, o arquiteto da guerra híbrida moderna

Benjamin Netanyahu não é apenas o mais longevo primeiro-ministro da história de Israel. É, na prática, o grande engenheiro da transição israelense para um regime plenamente tecnopolítico de guerra híbrida permanente. Sua trajetória política, que mescla formação estratégica nos Estados Unidos, carreira diplomática de bastidores e domínio absoluto da máquina de comunicação, o transforma em personificação da doutrina do sionismo 4.0 — uma doutrina que funde marketing político, operações psicológicas e tecnologias de controle em um único aparato de poder.

A formação de Netanyahu não é casual: graduado pelo MIT, fluente em inglês e moldado nos corredores de Washington, ele compreendeu desde cedo que o poder real no século XXI não se constrói apenas com armas, mas com narrativas, influência institucional e controle da percepção pública. Nos anos 1980, quando servia como diplomata em Nova York, já era conhecido nos círculos neoconservadores como um operador nato. Seus vínculos com think tanks como o American Enterprise Institute e o Hudson Institute revelam sua inserção profunda na elite estratégica dos EUA.

O momento mais revelador de sua estratégia internacional aconteceu em 12 de setembro de 2002, quando Netanyahu depôs diante do Congresso dos Estados Unidos como “especialista em terrorismo”, dias antes da decisão que levaria à invasão do Iraque. Naquele depoimento — que hoje é um monumento à manipulação — ele afirmou categoricamente que a queda de Saddam Hussein traria “consequências positivas” para toda a região. Mentiu sobre armas nucleares, comparou Saddam a Hitler e encorajou uma guerra que mataria mais de um milhão de pessoas. Sua fala não era apenas política: era uma operação psicológica contra a opinião pública norte-americana. Era guerra híbrida em sua forma mais pura.

Netanyahu entendeu, talvez melhor que qualquer outro líder contemporâneo, o novo campo de batalha onde política, mídia, psicologia social e tecnologia convergem. E moldou Israel para ser um império nesse novo território. Durante seus mandatos — que somam mais de 15 anos de poder real — ele transformou o Estado israelense em uma plataforma de exportação de guerra híbrida, utilizando o aparato público como incubadora de tecnologias militares e civis que seriam oferecidas ao mundo sob o rótulo de “segurança” e “inteligência”.

Sua aliança com as alas mais radicais do judaísmo ultraortodoxo e do sionismo religioso messiânico consolidou um regime de apartheid interno, onde a segregação, a violência seletiva e a desumanização sistemática dos palestinos se tornaram política de Estado. Ao mesmo tempo, Netanyahu promoveu a desconstrução da própria democracia israelense, interferindo no Judiciário, perseguindo jornalistas, censurando ONGs e blindando o aparato militar de qualquer escrutínio.

O Likud, seu partido, tornou-se não apenas uma sigla política, mas a coluna vertebral de um projeto autoritário e teocrático que articula a expansão territorial com o domínio tecnológico e a manipulação das massas. A gestão da pandemia de COVID-19, por exemplo, foi transformada em laboratório de vigilância: Israel foi o primeiro país a impor tecnologias de rastreamento em massa, em parceria com empresas que posteriormente exportariam esses sistemas a regimes repressivos pelo mundo.

Mais do que um político, Netanyahu se consolidou como operador estratégico de um projeto civilizacional baseado em controle total, medo permanente e militarização da vida cotidiana. Seu governo é o ponto culminante da fusão entre Estado, empresa e algoritmo — o modelo perfeito da tecnopolítica pós-democrática que está se expandindo pelo mundo.

A atual guerra contra Gaza, iniciada em 2023 sob o pretexto do ataque do Hamas, é, na verdade, a expressão máxima da doutrina Netanyahu: genocídio mediado por IA, guerra televisionada em tempo real, narrativa hegemônica blindada por lobbies e censura globalizada de qualquer dissidência. Em meio à destruição de hospitais, universidades e sistemas de água, Israel lança anúncios em inglês sobre “humanidade”, enquanto priva 2 milhões de pessoas de eletricidade, alimentos e dignidade. E o mundo, anestesiado pela eficácia da operação simbólica, hesita.

Netanyahu não criou a lógica da guerra híbrida — mas foi o líder que melhor compreendeu seu potencial de dominação total e a converteu em política de Estado. Sua figura simboliza a mutação do fascismo clássico em sua nova forma: teocrático, digitalizado, pós-ético e blindado por inteligência artificial.

O Likud, a ultra direita religiosa e o sionismo messiânico

O que sustenta Benjamin Netanyahu no poder não é apenas sua habilidade política individual, mas um bloco histórico de forças que operam sob uma lógica de simbiose estratégica: o partido Likud, a ultra direita religiosa, e o projeto de sionismo messiânico militarizado. Essa articulação produz não apenas um governo, mas um regime ideológico robusto, capaz de redefinir as fronteiras da legalidade, da moralidade e da própria política.

O Likud, fundado por Menachem Begin, herdeiro direto do grupo terrorista sionista Irgun — responsável por massacres como o de Deir Yassin em 1948 —, carrega desde sua origem o DNA da violência como ferramenta fundadora do Estado. Trata-se de um partido que nunca operou sob a lógica da paz, mas da imposição, da força e da expansão territorial. O que o diferencia, nas últimas décadas, é sua capacidade de se fundir com a narrativa neoliberal global, adaptando a lógica da ocupação ao discurso do empreendedorismo, da segurança e da inovação tecnológica.

Com Netanyahu, o Likud deixou de ser apenas conservador e tornou-se um partido de guerra híbrida: ideológico, militarizado, evangelizador. Nas eleições de 2022, compôs governo com partidos abertamente teocráticos e supremacistas, como o Otzma Yehudit (Poder Judaico) e o Sionismo Religioso, cujos líderes defendem a expulsão de palestinos, o fim do Judiciário independente e a total judaização da Cisjordânia. Esse pacto político foi fundamental para aprovar leis que desconstroem a democracia liberal israelense e blindam Netanyahu das acusações de corrupção que pesam contra ele.

Mas esse processo não se dá apenas no plano institucional. Ele se ancora numa mutação ideológica profunda do próprio sionismo, que abandonou qualquer vestígio de laicidade e se fundiu a uma visão milenarista, etnonacionalista e apocalíptica, profundamente enraizada no sionismo religioso messiânico. Essa corrente, baseada na crença de que Israel tem uma missão divina de dominação e redenção global, promove uma reinterpretação teológica radical: o “Grande Israel” não é mais metáfora, é projeto territorial; o inimigo não é apenas físico, é civilizacional; e a guerra não é eventual, é eterna.

Essa aliança entre religião e política é a base subjetiva da nova guerra híbrida israelense. O soldado é, ao mesmo tempo, agente militar e missionário divino. O colono é combatente e sacerdote. O general é doutrinador. Essa fusão dissolve os limites entre guerra e culto, entre estratégia e fé, entre propaganda e doutrina. E cria uma estrutura social radicalizada, onde o apartheid não é uma contingência política, mas uma expressão espiritual da “vontade de Deus”.

O impacto dessa teologia militarizada é profundo. Nas escolas religiosas financiadas pelo Estado, crianças aprendem que árabes são amalekitas — inimigos ancestrais que devem ser exterminados. Nas yeshivot (escolas de estudos religiosos), colonos aprendem que matar um palestino pode ser um ato sagrado. Nos assentamentos ilegais, jovens judeus recebem treinamento com armas automáticas, enquanto rezam pelo colapso da Esplanada das Mesquitas para construir o Terceiro Templo.

Não se trata mais de política — trata-se de um projeto civilizacional em que religião, guerra e tecnologia convergem para sustentar um Estado de supremacia étnica permanente. E o mais grave: esse projeto não é apenas tolerado pelo Ocidente — é celebrado, financiado e replicado. Líderes da extrema-direita mundial, como Viktor Orbán, Donald Trump, Jair Bolsonaro e Giorgia Meloni, identificam em Netanyahu e em Israel um modelo bem-sucedido de como articular controle total, propaganda religiosa e eliminação do inimigo interno.

A aliança entre o sionismo religioso radical, a extrema-direita global e os setores mais poderosos do capital tecnológico e militar transforma Israel não em exceção, mas em vanguarda de um novo fascismo global. Um fascismo tecnoespiritual, blindado por IA, justificado por lobbies e legitimado por tragédias passadas que se tornaram dogma político.

O resultado é um regime que não aceita mais negociação, concessão ou moderação. Um regime fundado sobre o ódio, a paranoia e o desejo de dominação absoluta — e que se apresenta ao mundo como “democracia em risco”, quando, na verdade, é uma democracia em colapso deliberado.

Ciência, tecnologia e cultura como armas de guerra híbrida

Israel vende ao mundo a imagem de uma “nação startup”, sinônimo de inovação, eficiência tecnológica e empreendedorismo digital. Tel Aviv é apresentada como o Vale do Silício do Oriente Médio; empresas israelenses são promovidas como vanguardistas em inteligência artificial, cibersegurança e medicina de ponta. No entanto, por trás dessa imagem cuidadosamente construída — e intensamente promovida por campanhas internacionais como o “Brand Israel” — esconde-se a mais sofisticada conversão do complexo tecno-científico em instrumento direto de guerra híbrida.

Desde os anos 1990, Israel articulou com precisão sua política de segurança nacional com uma política industrial de alta tecnologia. O que foi incubado no aparato militar — seja nos quartéis, nos serviços de inteligência ou nos campos de ocupação da Cisjordânia — passou a ser transferido para o setor privado, criando um ecossistema no qual não há separação real entre o que é civil e o que é militar, entre inovação e repressão.

A joia da coroa desse sistema é a Unidade 8200, uma divisão secreta da inteligência das Forças de Defesa de Israel (IDF), equivalente à NSA norte-americana, responsável por operações de espionagem eletrônica, coleta massiva de dados, vigilância algorítmica e guerra cibernética. É dessa unidade que saem muitos dos fundadores das principais empresas de tecnologia do país. O modelo é simples: soldados são treinados em técnicas de hackeamento, extração de dados e controle cognitivo populacional — e ao saírem do serviço militar, transformam esse conhecimento em startups, muitas vezes com financiamento público inicial e contratos garantidos com o Estado israelense.

Empresas como NSO Group, criadora do infame software Pegasus — utilizado para espionar jornalistas, ativistas e chefes de Estado — são apenas a face mais conhecida de um sistema que desenvolve, testa e exporta tecnologias de controle comportamental em escala global. Outras, como Cellebrite, AnyVision, Elbit Systems, Rafael Advanced Defense Systems, estão inseridas em projetos que envolvem desde reconhecimento facial e predição criminal até sistemas autônomos de drones armados e vigilância de populações inteiras.

É importante frisar: tudo isso é testado antes na Palestina. Gaza e Cisjordânia não são apenas territórios ocupados — são laboratórios reais de guerra híbrida. Cada incursão militar, cada cerco, cada checkpoint é uma oportunidade de teste para novos algoritmos, sensores, mapeamentos de emoção e padrões de comportamento. A repressão se torna um ambiente de pesquisa. O apartheid se transforma em valor agregado de exportação.

Essa lógica é transnacional. Governos de direita e centro-direita do mundo todo assinam contratos com empresas israelenses para adquirir sistemas de segurança “testados em combate”. Brasil, México, Colômbia, Honduras, Filipinas, Hungria, Índia, Uganda, Estados Unidos e até países da União Europeia já compraram tecnologia desenvolvida a partir da repressão aos palestinos. A “Israelização” das forças policiais no Sul Global — com táticas, armamentos, protocolos e doutrinas de guerra urbana — transforma os corpos negros, indígenas e periféricos em “alvos insurgentes”, dentro de suas próprias nações.

Paralelamente, Israel opera um sistema de propaganda cultural de altíssima sofisticação. O programa “Brand Israel”, lançado em 2005, tinha como objetivo reconstruir a imagem do país diante das críticas crescentes à sua política de apartheidA lógica foi simples: não negar a guerra, mas abafá-la sob camadas de cultura pop, ciência de ponta, turismo LGBTQIA+ friendly e startups descoladas. Israel passou a financiar exposições de arte, festivais de cinema, campanhas de diversidade e eventos acadêmicos como parte de uma operação sistemática de limpeza de imagem — e, ao mesmo tempo, de captura simbólica das pautas progressistas.

Essa é a dimensão simbólica da guerra híbrida: a transformação de Israel em um sujeito moral irrepreensível, cujas inovações tecnológicas estariam acima da crítica e cujos crimes seriam justificados pelo trauma histórico. Assim, uma ditadura tecnomilitar com apartheid legalizado se apresenta ao mundo como democracia vibrante. Uma potência ocupante se torna referência em direitos civis. Uma sociedade profundamente etnocrática e armada se traveste de paraíso multicultural. O apartheid se torna sexy. A guerra vira startup.

É preciso reconhecer: Israel não apenas domina tecnologias de guerra híbrida — ele é, hoje, o arquétipo do que será a guerra do futuro. Uma guerra invisível, perpétua, imaterial, mediada por algoritmos e blindada por afeto. Uma guerra onde o silêncio vale mais que o míssil. Onde a moral está colonizada. E onde, se não nomearmos o real com precisão, estaremos todos colaborando com o opressor — mesmo sem saber.

O domínio total sobre os EUA: da AIPAC ao controle narrativo

Poucas estruturas de poder na história moderna operaram com a eficácia simbiótica que existe entre o Estado de Israel e os Estados Unidos. O que se apresenta publicamente como uma “aliança estratégica entre democracias” é, na realidade, uma relação assimétrica invertida: Israel, apesar de dependente do financiamento norte-americano, exerce sobre os EUA um nível de influência política, institucional, midiática e militar que redefine o conceito de soberania. O dominado comanda o dominador. O satélite controla o centro.

Essa inversão não é metafórica. É documentada, mensurável, histórica. E sua principal engrenagem atende por um nome: AIPAC (American Israel Public Affairs Committee). Fundado em 1951 e transformado em super lobby a partir dos anos 1970, o AIPAC é hoje um dos grupos de pressão mais poderosos de Washington, com orçamento bilionário, influência transversal entre democratas e republicanos e capacidade real de determinar quem será ou não eleito ao Congresso.

Candidatos que criticam Israel são sistematicamente derrotados por campanhas financiadas por comitês pró-Israel. Parlamentares que defendem os direitos dos palestinos sofrem sanções internas, cortes de verbas, assassinatos de reputação e ameaças de segurança. A AIPAC atua não apenas como grupo de lobby, mas como polícia ideológica do discurso político norte-americano. Nenhum outro Estado possui aparato similar nos EUA.

A aliança entre o establishment de Washington e Israel foi construída tijolo por tijolo. Nas décadas de 1980 e 90, durante os governos Reagan, Bush e Clinton, solidificou-se o conceito de “valores compartilhados”: democracia, livre mercado, combate ao terrorismo. O 11 de setembro acelerou esse processo. A chamada “guerra ao terror” serviu como legitimação para a israelização da segurança nacional americana. Técnicas israelenses de contraterrorismo, vigilância, perfilamento racial e monitoramento de dados passaram a integrar o cotidiano do Homeland Security e da NSA.

Ao mesmo tempo, empresas israelenses começaram a operar dentro do próprio sistema de defesa dos EUA, fornecendo softwares de vigilância, sistemas de cibersegurança e algoritmos de rastreamento. Ex-agentes do Mossad se tornaram consultores de segurança privada no Pentágono. CEOs de empresas como NSO e Cellebrite passaram a frequentar reuniões com agências americanas como se fossem membros internos do aparato de segurança. A soberania cedeu lugar à simbiose.

Mas o domínio mais profundo não está nas armas nem nos algoritmos. Está na narrativa. Israel aprendeu, melhor do que qualquer outro Estado moderno, a modular a percepção da realidade nos EUA, a partir da manipulação emocional do trauma, da repetição incansável da retórica da ameaça existencial e da moralização total do discurso sionista. O Holocausto — tragédia inquestionável da história humana — tornou-se blindagem simbólica para qualquer crítica ao Estado israelense. E o antissemitismo, que deve ser combatido com todo vigor, foi instrumentalizado como arma de silenciamento e censura.

A mídia corporativa norte-americana — dos conglomerados de televisão às grandes plataformas digitais — evita sistematicamente qualquer crítica a Israel. Analistas são demitidos por defenderem os direitos dos palestinos. Artistas são boicotados. Professores universitários são perseguidos. A imprensa alternativa é rotulada como “extremista”. E até mesmo judeus antissionistas são acusados de “ódio internalizado”. O espaço público norte-americano foi moralmente capturado por um sistema de chantagem emocional e patrulhamento simbólico.

O governo Biden, que prometia reconstruir pontes com a ONU e reabilitar os direitos humanos como eixo de sua política externa, ajoelhou-se diante do genocídio em Gaza. Diante de massacres televisados, do assassinato de jornalistas, da fome como arma de guerra e da destruição sistemática de infraestruturas civis, o presidente dos Estados Unidos não ousou dizer “cessar-fogo”. Não por cálculo, mas por submissão.

O trumpismo, por sua vez, transformou a aliança com Israel em teologia política. Com o apoio dos evangélicos brancos supremacistas, do lobby armamentista e da extrema-direita global, Trump transferiu a embaixada para Jerusalém, reconheceu a anexação das Colinas de Golã e consolidou uma fusão entre sionismo e cristianismo apocalíptico. Essa aliança é perigosa não apenas para os palestinos, mas para o futuro da democracia planetária.

A verdade é uma só: os EUA são hoje um território parcialmente ocupado por interesses israelenses. Ocupação não militar, mas informacional, política, cultural e institucional. Israel se tornou uma espécie de “cérebro externo” da política americana, capaz de ativar reflexos automáticos, produzir consensos artificiais e neutralizar qualquer crítica significativa.

Romper essa estrutura não será fácil. Mas será necessário. Porque enquanto Israel continuar operando dentro do corpo político dos EUA como agente interno, não haverá paz, nem equilíbrio, nem soberania. Haverá apenas a repetição sem fim de um padrão de dominação que começa com silêncio — e termina em genocídio.

A guerra híbrida israelense no Sul Global: laboratórios de repressão e controle político

A presença de Israel no Sul Global raramente aparece nas manchetes. Mas está em toda parte — em cada sistema de reconhecimento facial comprado para as polícias militares, em cada treinamento dado a tropas de choque, em cada consultoria “antiterrorista” oferecida a governos autoritários, em cada software de vigilância importado sob a rubrica da segurança pública. O que parece simples intercâmbio técnico é, na verdade, uma operação geopolítica complexa de inserção assimétrica e dominação silenciosa.

Israel entende o Sul Global não como parceiro, mas como mercado de experimentação e aplicação prática de suas tecnologias de guerra híbrida. Países com estruturas democráticas frágeis, desigualdades extremas, polícias militarizadas e elites políticas anti-intelectuais se tornam o terreno ideal para aplicar — e testar — as doutrinas desenvolvidas em Gaza e na Cisjordânia. A lógica é brutal: o que funciona para reprimir palestinos pode funcionar também contra indígenas, negros, favelados, sindicalistas, jornalistas e ativistas na periferia do mundo.

Na América Latina, o processo é notável. Brasil, Colômbia, México, Chile, Honduras, Paraguai e Argentina já assinaram acordos com empresas e órgãos do Estado israelense para intercâmbio de armamentos, tecnologias de controle urbano e treinamento policial. Em muitos desses casos, há envolvimento direto das forças de ocupação israelenses, inclusive com “missões de campo” realizadas por soldados que participaram de operações em territórios palestinos.

O caso brasileiro é emblemático. Desde o governo Temer, e com especial intensidade durante o bolsonarismo, Israel se tornou referência explícita para a política de segurança pública. Jair Bolsonaro, que declarou ter Israel como “modelo civilizacional”, estreitou laços com empresas israelenses como a Elbit Systems, fornecedora de drones, munições e sistemas de vigilância urbana. Curiosamente, durante o desmonte da soberania industrial promovido pela Operação Lava Jato, a Elbit consolidou sua presença no Brasil por meio do controle da AEL Sistemas e da aquisição da Ares Aeroespacial e Defesa — ampliando sua influência sobre o setor nacional de defesa com o enfraquecimento das cadeias produtivas locais. Os governos estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais também firmaram acordos com empresas como a Cellebrite (especializada em extração forense de dados de celulares) e a Cognyte (de inteligência preditiva).

Além disso, houve visitas regulares de governadores, secretários de segurança e comandos de polícias militares a Israel, sob o pretexto de “missões técnicas”. Na prática, são intercâmbios ideológicos e doutrinários: os oficiais brasileiros são treinados para enxergar o “inimigo interno” sob a mesma lógica do “terrorista” palestino — como um corpo a ser neutralizado, e não como um cidadão com direitos.

Esse tipo de cooperação transforma o Brasil em campo de experimentação para o apartheid algorítmico. Sistemas de reconhecimento facial implementados em favelas do Rio de Janeiro e de Salvador foram criticados por entidades de direitos humanos por sua baixa acurácia, viés racial e caráter seletivo de repressão. As mesmas empresas vendem esses sistemas como “tecnologia de ponta” com selo israelense, muitas vezes testada diretamente nos checkpoints da Cisjordânia.

Mas não é apenas na segurança pública que essa influência se expressa. Israel também atua no campo político e ideológico, financiando fundações, promovendo viagens de parlamentares, organizando conferências com lideranças conservadoras e infiltrando-se em redes de igrejas evangélicas pentecostais com leitura escatológica pró-sionista. Pastores brasileiros são convidados a visitar “a terra santa” sob custeio de entidades israelenses, onde recebem doutrinação ideológica disfarçada de turismo religioso. O resultado é visível: há hoje uma bancada evangélica abertamente sionista no Congresso Nacional brasileiro.

Essa captura simbólica é estratégica: transforma o apoio a Israel em mandamento divino, esvazia o debate sobre direitos humanos e cria uma base sólida de sustentação política para qualquer atrocidade cometida por Tel Aviv. A guerra híbrida, nesse contexto, opera tanto no corpo quanto na alma. Nos aparelhos de repressão estatal e nas subjetividades das massas religiosas. É um processo de ocupação integral do imaginário político do Sul Global.

Ao transformar países como o Brasil em clientes, cúmplices e replicadores de sua lógica de apartheid, Israel não apenas exporta tecnologia — exporta dominação, ideologia, controle e silenciamento. A América Latina torna-se, assim, extensão da zona de guerra cognitiva que tem como epicentro a Palestina.

Desmontar esse sistema exige mais do que denunciar. Exige descolonizar. E, sobretudo, exige compreender que a guerra em Gaza é só a linha de frente de uma guerra muito maior — uma guerra contra qualquer projeto de soberania, justiça social ou emancipação no Sul do mundo.

A guerra híbrida como doutrina total: economia, mídia e espiritualidade como armas

A guerra híbrida israelense não se restringe à ocupação de territórios ou à exportação de tecnologias militares. Ela se manifesta como um projeto total, que transcende o campo bélico e invade a economia, a cultura, a mídia, a religião e o inconsciente coletivo. Ao contrário das guerras convencionais, que têm início, meio e fim, a guerra híbrida operada por Israel é difusa, contínua e invisível, moldando a realidade a partir da ocupação de todos os vetores simbólicos do mundo contemporâneo.

No campo econômico, Israel consolidou um modelo de capitalismo bélico-tecnológico. Por meio de empresas como Elbit, Rafael, NSO Group, Cellebrite, Cognyte e outras, o país transformou a repressão interna em produto exportável. Mas há uma camada ainda mais profunda: Israel opera como interface estratégica entre o capital financeiro global (especialmente o norte-americano) e o setor de inovação militarizada. Startups israelenses recebem vultosos investimentos de fundos ligados a Wall Street, como o BlackRock e o Carlyle Group, que lucram com a militarização dos algoritmos.

Isso significa que Israel não apenas fabrica armas: ele fabrica modelos de governança, controle populacional, predição de comportamento, extração de dados e doutrinas securitárias aplicáveis em qualquer lugar do mundo — do metrô de Nova York às favelas do Rio, dos campos de refugiados da Líbia aos algoritmos de vigilância usados na Europa. O apartheid vira negócio. A dominação vira dashboard.

No campo da mídia, a guerra é igualmente intensa. Israel conta com uma rede de jornalistas aliados, think tanks, editoras e produtores de conteúdo que atuam como agentes ideológicos da sua política externa. Organizações como o MEMRI (Middle East Media Research Institute) e o CAMERA (Committee for Accuracy in Middle East Reporting in America) monitoram e pressionam veículos de imprensa e acadêmicos em todo o mundo, denunciando qualquer crítica ao Estado israelense como "antissemitismo disfarçado". Grandes conglomerados midiáticos — de CNN a Fox News, de BBC a Deutsche Welle — adotam sistematicamente a narrativa israelense, apresentando os palestinos como agressores e Israel como vítima eterna.

Nas redes sociais, a guerra híbrida ganha velocidade. Israel desenvolveu sistemas de monitoramento e resposta automática a críticas no X, Facebook e Instagram, muitos deles com uso de inteligência artificial. Campanhas coordenadas de desinformação, impulsionadas por bots, redes de perfis falsos e centros de operações psicológicas (como os ligados à Hasbara), são ativadas em momentos estratégicos para moldar a opinião pública, distorcer dados, silenciar vozes críticas e atacar reputações. A guerra, aqui, é feita de curtidas, cancelamentos e algoritmos manipulados.

Mas talvez o campo mais sofisticado dessa doutrina total seja o da espiritualidade. Israel entendeu como poucos o poder da religião como arma política. A aliança com setores fundamentalistas cristãos, especialmente nos Estados Unidos e na América Latina, não é apenas pragmática — é teológica. Para milhões de evangélicos neopentecostais, Israel não é um país, é a materialização da profecia bíblica. Apoiar Israel é obedecer a Deus. Atacar Israel é rebelar-se contra o plano divino.

Essa manipulação do imaginário religioso permite que Israel instrumentalize o sagrado como legitimador de sua violência, convertendo crimes de guerra em desígnios celestiais. O projeto do Terceiro Templo, o culto apocalíptico da batalha final entre “bem e mal”, a demonização dos muçulmanos como “inimigos do povo escolhido” — tudo isso converge em uma espiritualização do conflito, que anula o debate racional e transforma o sionismo em dogma.

Essa guerra híbrida total, que combina big data, misticismo, capital financeiro, narrativa e moral invertida, é o modelo operacional do sionismo contemporâneo. E seu objetivo não é apenas defender Israel — é transformar o mundo num espelho do apartheid, onde toda forma de dissidência seja criminalizada, onde toda resistência seja rotulada como terrorismo, e onde a neutralidade seja impossível.

Israel, nesse sentido, não exporta apenas tecnologia. Exporta método, estrutura e horizonte distópico. E o faz com sucesso crescente, porque sua guerra híbrida não é percebida como guerra — é vendida como progresso, segurança, civilização e fé.

O fracasso moral do Ocidente e a blindagem do sionismo

O colapso ético do Ocidente diante da violência israelense é mais do que um episódio geopolítico — é um sintoma civilizacional. A cumplicidade com o genocídio em Gaza, a relativização dos crimes de guerra, o silêncio das instituições internacionais e a adesão de esquerda e direita ao projeto sionista não representam apenas covardia. Representam o fracasso terminal de um imaginário político que já não é capaz de distinguir entre civilização e barbárie.

No coração desse colapso está uma inversão: o sionismo conseguiu se blindar como identidade moral. Questionar Israel é, para muitos, sinônimo de racismo, ódio e negacionismo histórico. A memória do Holocausto, que deveria ser um alerta universal contra os horrores do fascismo, foi convertida em escudo ideológico que protege a estrutura fascista de ocupação territorial e supremacismo étnico. O trauma virou licença para o terror.

Essa blindagem funciona porque foi internalizada pelas elites políticas, jurídicas, midiáticas e acadêmicas do Ocidente. A União Europeia, que ergueu tribunais para julgar crimes contra a humanidade, assiste em silêncio à fome usada como arma de guerra por Israel. Os Estados Unidos, que invocam “direitos humanos” para intervir em qualquer país do Sul Global, financiam bombas que destroem hospitais, escolas e abrigos da ONU. A Corte Penal Internacional, que persegue líderes africanos, gagueja quando se trata de Netanyahu.

O sionismo se apresenta como exceção permanente à norma. Enquanto qualquer país que bombardeasse civis em série seria condenado, Israel é tratado como se operasse acima da legalidade — uma entidade extra ética, extrajurídica, extras simbólica. É um Estado que não responde por suas ações porque, na prática, atua como curador da moral ocidental.

A cumplicidade vai além da omissão. É ativa. Israel participa da formação ideológica de quadros dirigentes em todo o Ocidente — por meio de fundações, intercâmbios, missões diplomáticas, redes acadêmicas e lobby político. Deputados, juízes, ministros, jornalistas e militares são cooptados por programas de formação como os promovidos pela Hasbara Fellowship, pela Birthright Israel, pelo AIPAC, pela StandWithUs e por think tanks como o Hudson Institute e o Washington Institute for Near East Policy.

Esses programas não são neutros. São processos de reprogramação cognitiva, que operam uma fusão entre culpa histórica, estratégia geopolítica e manipulação emocional. O resultado é a formação de elites ocidentais sionizadas, incapazes de exercer julgamento crítico sobre Israel, e reproduzem seu vocabulário, suas prioridades e seus silêncios com a mesma naturalidade com que defendem a democracia — mesmo quando essa democracia se ajoelha diante do apartheid.

O fracasso moral do Ocidente se manifesta também na perseguição sistemática a vozes críticas. Intelectuais como Judith Butler, Angela Davis, Ilan Pappé e Norman Finkelstein, todos judeus, foram marginalizados por denunciar os crimes do sionismo. Estudantes universitários perdem bolsas. Professores são demitidos. Ativistas são espionados. Jornalistas são censurados. O espaço público é patrulhado por mecanismos informais de repressão simbólica — uma nova forma de censura que não se apresenta como censura, mas como “responsabilidade ética”.

Essa lógica representa a mais eficiente operação psicológica do século XXI. Israel conseguiu não apenas impedir a crítica, mas reverter seu vetor moral: os que denunciam o genocídio são tratados como extremistas, enquanto os que o justificam ocupam a posição de guardiões da civilização. O mundo virou de ponta-cabeça.

Esse fracasso não é episódico. Ele é estrutural, porque revela a falência do projeto de democracia liberal como horizonte ético global. Um modelo que tolera massacres seletivos, que relativiza o sofrimento de certos povos, que instrumentaliza os direitos humanos e que se curva diante de um projeto étnico supremacista não é um modelo moral — é uma forma sofisticada de barbárie.

Israel é o espelho mais nítido dessa decomposição. Ao se tornar intocável, ele revelou a farsa do universalismo ocidental, a hipocrisia dos valores europeus e a incapacidade do Norte Global de reconhecer sua cumplicidade com a necropolítica contemporânea. O sionismo não derrotou apenas os palestinos. Ele derrotou a ideia de que ainda é possível um mundo guiado pela justiça.

Conclusão — A guerra de todos nós: resistir à lógica sionista é resistir à distopia global

A guerra travada por Israel não é mais uma guerra por território. Ela é uma guerra por realidade. O que está em jogo não é apenas o destino do povo palestino — já crucificado diariamente em transmissões ao vivo —, mas o próprio futuro da imaginação política do mundo. Israel não quer apenas vencer militarmente. Quer vencer culturalmente. Cognitivamente. Espiritualmente. Quer impor ao planeta um modelo de dominação tão eficaz que já nem pareça dominação. Um regime de apartheid global com aparência de civilização, com linguagem de progresso e com moralidade fabricada.

A guerra híbrida israelense é o manual do futuro autoritário. Uma engenharia de controle baseada em trauma, tecnologia, algoritmos, moral invertida, religião instrumentalizada e manipulação narrativa. Ao naturalizar a exceção como regra e ao criminalizar a resistência como terrorismo, Israel não exporta apenas repressão — exporta estrutura de mundo. E o Ocidente, longe de resistir, aplaude, financia, repete e replica.

Mas esse projeto só prospera porque é aceito. Porque encontra terreno fértil na decomposição das democracias, na mediocridade das elites, na covardia das instituições e na ignorância dos povos. Romper essa lógica exige mais do que compaixão pelos mortos de Gaza. Exige reorganizar o pensamento político global. Reposicionar o Sul como centro da análise. Redefinir soberania como resistência à lógica da dominação em rede. E, acima de tudo, exige que chamemos as coisas pelos seus nomes.

O sionismo não é judaísmo. Não representa o povo judeu. O sionismo é o fascismo israelense institucionalizado, incompatível com a ética judaica, com os direitos humanos e com qualquer ideia de justiça. A crítica ao sionismo não é antissemitismo. É antifascismo. E, mais do que isso, é ato de sobrevivência do espírito humano diante da tentativa de normatizar o inominável.

Resistir a Israel — enquanto projeto ideológico, enquanto doutrina de guerra, enquanto operador da distopia digital — é resistir à necropolítica automatizada, à barbárie dos dados, à colonização da linguagem, à manipulação do sagrado. É lutar contra a conversão do planeta em zona de vigilância total onde a dissidência será algoritmo a ser deletado.

Essa guerra é a guerra de todos nós. Porque todos seremos, mais cedo ou mais tarde, transformados em palestinos — vigiados, silenciados, categorizados como ameaça, e apagados por drones que carregam o selo da civilização. E se ainda nos resta alguma centelha de dignidade, ela está no ato de dizer não. Não à ocupação. Não ao sionismo. Não à mentira organizada como verdade.

A Palestina resiste porque nos ensina que resistir é existir. E existir com consciência, hoje, é enfrentar o império da distorção, da covardia e da rendição moral. É recusar o destino de espectador. É escolher o lado da história onde os vencidos, mesmo derrotados, nunca serão cúmplices.

Reynaldo José Aragon Gonçalves/Caminho Político
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