Era para ser uma eleição legislativa local, mas se transformou em um plebiscito sobre os quase dois anos de governo de Javier Milei na Argentina. Neste domingo, 7, moradores da província de Buenos Aires votam para renovar metade de suas casas legislativas locais. Até semanas atrás, os candidatos libertários davam indícios de ameaçar a histórica soberania peronista na província, até que um escândalo de corrupção, somado a uma economia estagnada e um veto a aumento a aposentados e pessoas com deficiência, chateou os argentinos.
Serão eleitos neste pleito 46 deputados e 23 senadores locais - seriam como os deputados estaduais no Brasil, mas num sistema bicameral. Não era para ser uma eleição com tanta importância, diferente do próximo pleito de 26 de outubro, quando o país todo votará para renovar metade dos assentos do Congresso e um terço do Senado. Esta última sim, uma eleição que definirá o futuro da governabilidade de Milei. Mas eventos recentes da política argentina transformaram uma disputa local em um termômetro da nacional.
“Se conseguirmos muito bons resultados nas eleições da província de Buenos Aires, poderemos estar cravando o último prego no caixão do kirchnerismo”, definiu Milei em uma entrevista a Louis Sarkozy, filho do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, na semana passada.
Província na Argentina seria o correspondente a um Estado no Brasil. Em termos de eleitorado, a província de Buenos Aires - que é diferente da capital federal Buenos Aires - seria semelhante ao Estado de São Paulo, pois concentra 14 milhões de eleitores, em um país de 45 milhões de habitantes. Por isso o pleito se tornou uma disputa aberta entre Milei e o governador Axel Kicillof, um dos mais importantes kirchneristas atualmente e potencial candidato à presidência em 2027.
“A eleição da Província de Buenos Aires tornou-se uma eleição nacionalizada, onde o governo nacional, do A Liberdade Avança, passou a considerá-la não mais como uma eleição sem importância, mas como uma das datas eleitorais vitais em que seu desempenho político-eleitoral é colocado em jogo, juntamente com a eleição nacional de 26 de outubro”, explica o cientista político e analista de dados do Observatório Pulsar da UBA (Universidade de Buenos Aires), Facundo Cruz.
“A eleição de outubro é a que de fato afeta diretamente a Milei. A nível institucional, esta eleição agora é algo que afeta exclusivamente o governador da província de Buenos Aires e os prefeitos, na qual se define que tipo de relação eles terão com seus poderes legislativos. Mas em um nível simbólico, em termos de peso político, a importância é muito maior”, concorda o cientista político e professor da UBA e da UCA (Universidade Católica Argentina), Facundo Galván.
Este vai ser o segundo desafio à gestão Milei nestes dois anos, mas talvez seja o mais difícil. O primeiro foram as eleições da capital Buenos Aires, nas quais a bancada do A Liberdade Avança aumentou, com o então porta-voz da presidência Manuel Adorni ganhando em primeiro com 30% dos votos.
Mudança de cenário
Esta eleição não terá um resultado único, mas a soma dos resultados por distrito dirá quem ganhou e quem perdeu a disputa. A província é dividida em oito seções eleitorais, sendo que metade delas escolherá deputados e a outra metade os senadores. Daqui dois anos a lógica se inverte. Também serão eleitos concejales - semelhante aos vereadores municipais - e orientadores escolares.
Em geral, essas eleições servem de plebiscito de avaliação do governo provincial e dos prefeitos, já que determinam a sua governabilidade. Mas, ao nacionalizá-la, Milei se tornou o avaliado e Axel Kicillof passou a se apresentar como oposição.
“Alguém que vira as costas para pessoas com deficiência não deveria governar”, disse Kicillof durante um comício de campanha em Lomas de Zamora, cidade da província onde a carreata de Milei foi apedrejada dias atrás. “Por quase dois anos, o governo nacional falhou em proteger os aposentados e os setores mais necessitados da sociedade: ninguém com sensibilidade e compreensão pode votar em apoio a Milei neste domingo.”
Até 15 dias atrás, várias das pesquisas de intenção de votos davam vantagens sem precedentes aos candidatos libertários em sete das oito seções em disputa. O único local onde havia empate era no distrito número 3, o segundo maior em eleitorado e o maior reduto peronista do país. Agora, porém, sondagens contratadas pelo governo apontam empate na maioria dos distritos, enquanto as sondagens opositoras veem vantagem de até cinco pontos para o peronismo.
“Por decisão própria do governo nacional, que buscou nacionalizar a disputa e confrontar Axel Kicillof em seu próprio território, essa passou a ser uma eleição muito importante, na qual o mercado começou a prestar atenção. E as pesquisas também seguiram essa mesma linha”, explica Facundo Cruz.
Argentinos dão sinais de impaciência
Há quase dois anos, quando foi eleito presidente, Milei pediu paciência aos argentinos. Em seu discurso de posse, avisou que a situação ia “piorar muito antes de melhorar”. A maioria dos argentinos escutou e deu um voto de confiança, garantindo ao presidente uma popularidade sem precedentes em seus dois primeiros anos. Essa paciência, porém, começa a dar sinais de esgotamento.
Depois de uma forte recessão seguida de uma recuperação surpreendente a ponto de alcançar consecutivos superávits históricos, a economia argentina entrou em modo de estagnação. Depois de alcançar 25% em janeiro de 2024, a inflação argentina recuou para 2% ao mês, segundo o último dado, mas ainda segue em 36% na taxa interanual. Economistas dizem que a inflação estagnou, mas em patamar ainda alto.
A taxa de desemprego não recua e continua perto de 8%, acima da gestão de Alberto Fernández, com grande parte dos argentinos na economia informal. Além disso, as aposentadorias e pensões para pessoas com deficiência estão muito abaixo do mínimo para a cesta básica, e os vetos do presidente para reajustar os valores têm desagradado até mesmo sua base eleitoral e no Congresso. Por causa de um desses vetos, Milei e sua vice, Victoria Villarruel, romperam publicamente.
“Mudou o sentimento social em relação à economia. Há um pessimismo econômico no presente e no futuro muito mais consolidado”, observa Facundo Cruz, que atua em relatórios sobre o crenças sociais dos argentinos no Observatório Pulsar. Segundo ele, os dados sobre humor dos argentinos estão semelhantes a janeiro de 2024, quando Milei havia recém assumido e a inflação bateu 25% após uma forte desvalorização da moeda.
O respeitado Índice de Confiança no Governo, medido pela Universidade Torcuato di Tella, também trouxe notícias negativas ao governo. A aprovação da gestão Milei teve uma queda de 13,6% em agosto em comparação com o mês anterior. Já comparado com agosto do ano passado o recuo foi de 16,5%, uma das maiores quedas até agora.
A esse cenário já ruim se soma o escândalo de corrupção que envolve a irmã do presidente, Karina Milei, também secretária-geral da presidência. Segundo áudios vazados por outro funcionário do governo, cerca de 8% dos valores de compra de medicamentos para pessoas com deficiência teriam sido destinado a pagamentos ilícitos, dos quais 3% supostamente iam para Karina.
“Geralmente, as causas de corrupção não definem uma eleição, a economia sim. Vota-se com o bolso, não com a ética do funcionário público”, sublinha Cruz. “Mas se você tem uma situação econômica que parece negativa em termos do presente e do futuro, e a isso você adiciona um escândalo de corrupção, é um reforço de uma avaliação negativa da gestão do governo nacional, e isso pode pesar na hora do voto.”
Milei x Kicillof, um trailer de 2027
No fim, uma disputa local se transformou em uma espécie de trailer do que pode ser a corrida eleitoral de 2027. Milei pode concorrer a um segundo mandato. Com Cristina Kirchner presa, Alberto Fernández no ostracismo desde quando ainda era presidente e Sergio Massa desaparecido da vida política, Axel Kicillof é o candidato mais óbvio do peronismo.
Kicillof foi reeleito com folga em 2023 para ser governador da província. Sua força política também contribuiu para a surpreendente vitória de Sergio Massa no primeiro turno da eleição de 2023, contra Milei, apesar dos péssimos números do governo do qual ele era ministro da Economia.
Não à toa, com a nacionalização da disputa de Buenos Aires, a imprensa argentina passou a destacar a disputa como uma batalha de Milei contra o peronista-kirchnerista.
Após o escândalo de corrupção envolvendo Karina Milei, a carreata do presidente que percorria a província de Buenos Aires foi alvo de pedradas. Depois do episódio, a presidência pediu reforço dos aparatos de segurança da província durante os atos de encerramento de campanha nas cidades onde estaria Milei. Kicillof negou.
O governador disse que não tinha capacidade de pessoal para cuidar da segurança presidencial em meio a multidões e disse que Milei seria 100% responsável por qualquer incidente. No fim do ato do presidente em Moreno, na província bonaerense, houve princípio de tumulto.
Kicillof fez questão de trazer para esta campanha os temas que em geral não movem eleições locais: disparou contra o veto de Milei aos aumentos a pessoas com deficiência, colou nele os problemas de infraestrutura da província devido ao congelamento das obras públicas, culpa a política de ajuste fiscal pela defasagem do salário dos professores e, sempre que pode, cita Karina Milei.
Milei também não perdeu a oportunidade de tentar colar em Kicillof o rótulo de casta. Sem poder rivalizar com Cristina, atualmente em prisão domiciliar, o libertário se volta ao pupilo da ex-presidente, a quem Milei já chamou de “limitado” e “burro”.
Os dois, porém, têm um desafio pela frente: enfrentar a abstenção. Com a oposição peronista fragmentada após a inabilitação de Cristina e a aprovação do governo cada vez mais em queda, a tendência, segundo analistas, é o aumento da apatia. Não à toa, Milei e Kicillof fizeram apelos nos últimos dias para que seus eleitorados saiam a votar.
Assessoria/ Carolina Marins/Caminho Político
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