O Ministro Flávio Dino em seu voto pela condenação dos indiciados, de forma simples e direta, demonstrou a responsabilidade dos acusados e a dimensão e sistematicidade do assalto planejado à República. Num espaço para respirar, não podemos dizer agora se de improviso ou uma leitura textual, afirmou que não se tratava de um julgamento de militares ou das forças armadas em geral. De fato, não há uma acusação formal contra uma “entidade” militar – ou no jargão militar, uma “O.M”, uma organização militar – como objeto de acusação. Na verdade, várias vezes os juízes, a Procuradoria Geral da União, ecoados pela mídia, apontavam para “CPF” e não para “CNPJ”, na frase lapidar, em vários sentidos, do Ministro da Defesa José Múcio Monteiro. Entre as raras declarações de José Múcio sobre o golpe, esta diferenciação entre “pessoas”, ditas “CPFs”, eventualmente culpadas, e de “instituições”, ditas “CNPJs”, sempre acima dos atos dos seus integrantes, tornar-se-ia clássica na busca de afastamento das hierarquias militares de qualquer ônus pelo golpe continuado do bolsonarismo.
Ora, uma diferenciação entre “pessoas” e “instituições”, considerada uma conquista civilizatória do Direito, e muito aplaudida pela mídia, desconhece o fato de que o Direito Internacional desde o Julgamento de Nuremberg, de 1945-1946, abriu uma clara inovação ao tratar de crimes contra a Humanidade, contra a Paz e crimes de guerra, quando condenou como criminosas instituições. Assim, o Tribunal Militar Internacional declarou, em 1946, as SS, a Gestapo, o Partido Nazista como instituições criminosas. Da mesma forma, o Estado-Maior do Exército Alemão/Oberkommando Wehrmacht. Tais instituições foram dissolvidas e impedidas, para sempre, de se reorganizar, bem como as academias superiores de formação de oficiais da Wehrmacht, onde se inculcava nos jovens militares as doutrinas antidemocráticas. Ou seja, abriu-se o espaço jurídico para a condenação de instituições, que em seu conjunto, planejaram e executaram atos de conspiração e execução de crimes contra a Humanidade, contra a Paz e crimes de guerra.
A declaração, a priori, com pretensa força de questão já julgada e considerada fora de debate sobre a “culpa coletiva” só interessa aqueles que buscam refugiar-se à sombra instituição, inclusive apelando para a noção de “cumprimento de ordens superiores”. Contudo, as próprias instituições podem ser criminosas. Mormente sendo instituições militares, onde a disciplina e a hierarquia são elementos constitutivos fundamentais, não há como acusar um indivíduo de crime – quando cometido com meios e em tempo de uso da função militar – sem conhecimento, aceitação ou mesmo incentivo da própria instituição.
Tais condições se colocam vivas perante o atual julgamento de Golpe de Estado no Brasil e em especial no tocante a participação dos militares desde o 7 de setembro de 2021 até os eventos de 8 de janeiro de 2023.
Voltemos a questão substantiva: dos 37 indiciados no processo contra o golpismo, 25 são militares. Destes 25, ou seja cerca de 67% dos acusados, temos seis (06) generais e um (01) almirante; oito (08) coronéis; seis (06) tenentes-coronéis; dois (0)2 majores; um (01) capitão – este ex-presidente da República e um (01) Subtenente. Além disso, a área dita de segurança, ainda contava com membros da Abin, incluindo seu diretor-geral, e da PF, criando assim uma pesada maioria de agentes “da ordem”, ou da repressão, no corpo de acusados do golpe.
Cabe, ainda, uma breve análise – que já realizamos em obra de maior fôlego – sobre a natureza do golpe. Não se tratou de um movimento “clássico” de “putsch” militar e a destituição de um governo legalmente constituído. Houve um claro ineditismo no processo, de certa forma muito próximo do Golpe na Bolívia em 2019 e a conspiração para golpe de Estado na Alemanha em 2022, onde não haveria a clássica insubordinação militar, mas ao contrário. Organizava-se uma “insurreição” dita popular, planejada e paga por grupos econômicos poderosos, cuja função não era a “tomada do poder”. A função política e jurídica imediata das destruições e violências de 12 de dezembro de 2022 e de 8 de janeiro de 2023, bem como dos planejados atos terroristas e de sabotagem de rodovias e de torres de energia – tal qual o 6 de janeiro de 2021 na invasão do Capitólio nos Estados Unidos – visava demonstrar o estado de ânimo rebelde da população aos resultados eleitorais e a incapacidade do Governo legítimo de controlar a ordem e a segurança pública. Somente então, com o país em transe, declarada a excepcionalidade jurídica com um apoio, torto e ilegítimo, do Artigo 142 da Constituição – ou seja, ainda se declarando “dentro das quatro linhas da Constituição “– o governo eleito seria declarado incompetente e seria instaurada uma “Junta Militar” constituida pelo General Walter Braga Netto, General Augusto Heleno e ele mesmo, General Mario Fernandes. Tal “Junta”, aí sim, numa emulação perfeita das “Juntas de Generais” que assolaram a América Latina nos anos de 1960 e 1970, incluindo o Brasil entre 31 de agosto e 30 de outubro de 1969, que então – em face da morte “natural” ou não do Presidente Eleito e o desaparecimento do Vice-Presidente e do Ministro-Presidente do Superior Tribunal Eleitoral, indicaria, pois, o candidato colocado em segundo lugar no pleito presidencial, Jair Messias Bolsonaro, como presidente eleito. Com o país “conturbado”, por uma pretensa ação de inconformados com a derrota, comunistas e petralhas, seriam abertos campos de concentração, no modelo de Auschwitz, em várias partes do país para suprimir a radicalização e a polarização extrema da política.
Vivemos, então, a três minutos da meia-noite democrática. Entre 30 de outubro de 2022 e 8 de janeiro de 2023 estivemos sob intenso perigo de dar às costas à democracia e retornarmos à noite da ditadura no Brasil.
A forma como foi organizada, planejada, e sistematizada a conspiração contra a democracia no Brasil, confirma a predominância dos militares sobre o Governo Bolsonaro – com a nomeação de 6.154 militares para a administração pública - e com 25 oficiais participando ativamente da conspiração. A intervenção militar – à sombra da comoção causada pela morte/assassinato/desaparecimento dos mais altos dirigentes da Nação - se daria, pois, como uma intervenção “pacificadora” e “normalizadora” contra os elementos “radicais” do comunismo petralha. Agora, ao contrário de 1937, de 1945, de 1954, de 1956, de 1959, de 1961 e de 1964, os militares não viriam derrubar um governo legitimo. Os militares seriam pacificadores, atendendo aos apelos dos acampamentos montados na antessala dos quarteis, de uma sociedade comocionada pelas mortes simultâneas dos cabeças da República. Claro, prisões seriam necessárias, censura e fechamento de universidades e organizações da sociedade civil.
Em conversas com lideranças militares, anti-golpe, tivemos outras impressões de que atravessaram o planejamento do golpe: qual a garantia eficaz que a Junta, tal qual 1969, entregaria o poder de imediato ao “segundo colocado nas eleições”? Na verdade, ante a “conturbação” da Nação, e a radicalização de “alguns elementos”, a “Junta” poderia se eternizar no poder. Ou, o mais provável segundo as fontes militares consultadas, havia um risco imediato que o General Walter Braga Netto, com apoio dos seus pares militares, assumisse, ele mesmo, a Presidência da República, alegando a necessidade de afastar os polos extremos. Já com Lula-Alckmin mortos, Bolsonaro seria, então, afastado, as eleições anuladas – após a prevista intervenção contra o Superior Tribunal Eleitoral/STE – visando a pacificar o país. Ora, as massas bolsonaristas, para além da fidelidade ao “Capitão”, que exigiam “Intervenção Militar Já!”. Seus apoiadores se postaram nas portas dos quarteis e se infiltraram por todo o Estado, inclusive com a negação do caráter brutal da Ditadura de 1964-1985, e com alguns dos seus estelares, como o General Augusto Heleno, discutindo abertamente a reedição do Ato Institucional No. 5, de 13 de dezembro de 1968, e, mesmo, a recriação do nefasto SNI e de outros instrumentos de repressão.
Não, de fato não se trata de um Julgamento de Militares, e muito menos de uma “O.M.” ou das próprias forças armadas. Contudo, não podemos negar, em nome da impunidade e da repetição da História, que o Governo Bolsonaro, com seus ministros militares e seus mais de seis mil militares em postos fundamentais do Estado, era um governo militar que abria a via do processo de derrubada da própria República como concebida pela Constituição de 1988. A grande maioria de militares envolvidos diretamente no Golpe, do silêncio e apoio passivo de “O.M.s”, como a Brigada de Forças Especiais, ditos “Kids Pretos”, e do COTER/Centro de Operações Terrestres, apontam para uma larga e sistemática atuação militar, ativa e passiva, na destruição da democracia brasileira.
Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247 e do Caminho Político.
Assessoria/Francisco Teixeira/Caminho Político
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