O Brasil tem chances reais de ir novamente ao Oscar. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos anunciou, nesta semana, a lista de pré-indicados à maior premiação do cinema, e Apocalipse nos Trópicos, de Petra Costa, aparece na categoria documentário. “Fiquei muito feliz pelo reconhecimento de quatro anos de trabalho”, conta a diretora de 42 anos, que já foi indicada ao prêmio em 2020, por Democracia em Vertigem (2019). Também estão pré-selecionados O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, e o curta Amarela de André Hayato Saito. “É uma alegria fazer parte desse ano cheio de produções brasileiras, continuando essa onda boa.” A lista final será divulgada no dia 22 de janeiro e a cerimônia de entrega das estatuetas ocorrerá em 15 de março.
Para além da premiação, o filme da diretora está na crista da onda, diante dos acontecimentos recentes na política nacional e internacional. A obra, disponível na Netflix, investiga a influência de líderes religiosos na política do Brasil e analisa a “guerra santa” que se deu durante a eleição de 2022.
Segundo a cineasta mineira, o filme tem sido recebido fora do Brasil como um “sinal de otimismo” para a democracia.
Como surgiu a ideia do novo filme?
Estávamos filmando o Democracia em 2016 e, com o impeachment da Dilma Rousseff, fomos ao Congresso ver o que ia acontecer. Encontramos o Cabo Daciolo e um grupo de fiéis abençoando as mesas do Congresso e falando línguas. Foi um pouco assustador, eu esperava encontrar parlamentares discutindo as questões, e fui surpreendida. Essa cena resume a jornada do filme.
Como se sentiu naquele momento?
Quando eu pergunto para o Cabo Daciolo o que vai acontecer com a democracia brasileira, ele diz que Deus vai decidir, me pede para aceitar Jesus, me entrega uma Bíblia e tenta evangelizar a mim e à equipe. Depois disso, todas as fiéis me abraçam. Ao mesmo tempo que foi um momento de imposição religiosa, também foi de acolhimento, depois de filmar por tanto tempo naquele ambiente muito agressivo. É essa ambiguidade, de acolhi mento e imposição da politização dentro da igreja, que está presente na expansão do fundamentalismo evangélico.
A equipe sofreu repressão na cobertura das manifestações bolsonaristas?
Teve de usar verde e amarelo? Em alguns momentos, a gente vestia ver de e amarelo porque, senão, eles não deixavam entrar e batiam mesmo. Mas no 8 de Janeiro, por exemplo, o nosso cine grafista foi vestido de preto e mastigaram o cartão de memória.
A campanha desse documentário tem sido diferente do Democracia em Vertigem?
O Democracia foi lançado quando o Bolsonaro era presidente e ele me atacou bastante. Quando saiu a indicação ao Oscar, falou que era filme de ficção e que eu era traidora nacional. O pastor e deputado Marco Feliciano pediu a minha prisão pela Lei de Segurança Nacional. Atitudes bem autoritárias. Agora a gente vê uma posição bem diferente do governo, celebrando o nosso cinema.
Como o filme tem sido recebido?
Nos Estados Unidos, vários americanos têm visto o filme com esperança. A condenação de Jair Bolsonaro leva otimismo para eles, no sentido de que é possível sair de uma onda de extrema direita e restabelecer a democracia. É possível julgar um ex-presidente por uma tentativa de golpe de Estado e condená-lo. Parece que o Brasil é o único país que está conseguindo vencer institucionalmente a onda. A gente está mostrando que ninguém que atacar a democracia vai sair impune. É um marco civilizatório
Como vê a situação nos Estados Unidos com Donald Trump?
Eu terminei de fazer o filme em 2024, antes do Trump ser eleito. Foi feito praticamente só com dinheiro americano e os produtores executivos sentiam que Trump era notícia velha. De repente voltou. Ameaças que pareciam mais abstratas ficaram muito mais reais. Essa presença teológica ficou muito mais tangível no dia a dia lá. Para eles, é como um espelho mesmo.
Você fala no documentário que leu a Bíblia. Como foi a experiência?
Eu sempre quis ler a Bíblia. No colegial, um professor de filosofia falou: “Como pode vocês brasileiros, em um país tão formado por essa influência cristã, não lerem a Bíblia? Vocês desconhecem o próprio país”. Nunca tinha tido tempo de fazer esse mergulho, o filme me permitiu. Foi muito fascinante. Sinto que pude reler vários códigos artísticos, históricos e políticos. Você vê os filmes do Lars von Trier ou do Francis Ford Coppola e tem influência bíblica. É uma chave para entender o mundo, que foi muito valiosa para mim, e recomendo a muitos lerem também. A Bíblia é cheia de decisões editoriais, marcada por escolhas patriarcais, de apagamento das mulheres. Terminar com o livro do Apocalipse, que fala sobre exterminar inimigos, é a decisão editorial mais importante da história ocidental.
Você é uma pessoa religiosa?
Nasci em uma família que se revoltou com a criação católica, tanto meu pai quanto minha mãe. Tive minha primeira aproximação por meio do budismo, mais como filosofia do que religião. Encontrei nos evangelhos gnósticos muita similaridade com o budismo, de forma que me inspira, não como religião. A ideia da compaixão, de que não há separação entre você e o outro, realmente me mobiliza.
Já pensa no próximo projeto?
Estou trabalhando em um faroeste, que é um híbrido entre ficção e documentário. É o que eu posso falar agora.
Como avalia o projeto de lei de regulamentação das plataformas de streaming aprovado na Câmara dos Deputados em novembro?
Nós deveríamos seguir inspirações do modelo francês, em que as plataformas precisam revelar os números de visualizações. A porcentagem no projeto aprovado é muito baixa, de 4%, um absurdo. Em outros lugares chega a 30%. Espero que seja possível reabrir essa conversa, porque vai determinar o futuro. A gente está vendo uma consolidação de grandes oligopólios, em que o artista pode até ser substituído por inteligência artificial. Essa regulamentação é essencial para continuar fomentando a indústria brasileira, que já sofreu tantos golpes e está vi vendo um momento tão bom, mas precisa de força para continuar existindo.
Publicado em VEJA São Paulo de 19 de dezembro de 2025, edição nº 2975/Caminho Político
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