Concluí a série de três artigos “Esquecemos os Andes”, e ficou uma vontade de recordar aquela viagem de ônibus em 2000, promovida pela Federação das Indústrias, junto com empresários de Cuiabá a Lima, no Peru. Saímos de Cuiabá numa sexta-feira, viajamos a noite e o dia inteiro, com dois motoristas se revezando. Chegamos à noite em San Vicente onde dormimos. Dois dias depois chegamos a Santa Cruz de La Sierra. O ônibus tinha suspensão a ar e não suportava correr na rodovia sem asfalto. Média: 5 km/hora. No caminho passamos por cidades jesuíticas espanholas como Concepcion, perdida no cerrado boliviano, onde o barroco ainda predomina na arquitetura e se respira um ar de cultura colonial.
Depois de Santa Cruz, a belíssima Cochabamba, no pé dos Andes bolivianos. E começamos a subida. Lá em cima, os Andes. Retas e curvas terríveis tanto na subida quanto na descida. Embora os motoristas se revezassem, ficávamos três pessoas junto dele na cabine do ônibus, com medo de um cochilo. A cada curva despenhadeiro de quilômetros de um lado e de outro. Cruzes aos montes nas curvas. A beleza dos Andes, a solidão da paisagem, uma sensação de grandiosidade silenciosa, e a terrível solidão dos índios vivendo em construções de barro penduradas na montanha, onde cultivam meia dúzia de qualquer coisa.
Finalmente, Chile, entrada no Peru, e a legendária rodovia Panamericana que serpenteia no deserto. Nos oásis a vida parece distante daquele monstruoso isolamento de areia. Gente alegre, modo de viver inigualável. Vinhos, tâmaras, carnes, feijões e batatas, diferente de tudo imaginável. Pé na estrada até Lima, uma cidade colonial espanhola preservada. Peixes do Pacífico, comidas típicas, entre elas o delicioso ceviche, uma sachimi temperado ao modo peruano que combina bem com uma cerveja forte ou vinho branco. Lá ficamos dois dias e voltamos a Cuiabá.
As cidades do altiplano boliviano, na altitude de 4 mil metros se respira devagar e meio zonzo no meio da paisagem de deserto. Frio cortante, vento poderoso. Mas a vida flui ali sem queixumes.
Quinze dias depois e 9 mil km rodados, retornamos a Cuiabá. Uma sensação de que aquele mundo também nos pertence na irmandade das muitas semelhanças e na possibilidade de aplainarmos as nossas diferenças. Mesmo na Bolívia, onde a pobreza salta aos olhos em algumas regiões, uma forte dignidade não diminui o porte daquela gente histórica e vizinha nossa, com suas raízes ancestrais tão poderosas.
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso
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