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sábado, 10 de março de 2018

PT: Autocrítica ou Castigo?

Carlos Lungarzo"Reconheço que a defesa que o PT fez de si mesmo durante os numerosos ataques que recebeu ao longo de seus governos foi tímida e, muitas vezes, vacilante".Não conheço nenhuma pessoa autopercebida como marxista que tenha resistido à tentação de citar a famosa crítica de Marx a Hegel, em relação com o 18 de Brumário de Louis Bonaparte (grifos meus): “Hegel notou em algum lugar que todos os grandes fatos históricos e pessoas ocorrem, por assim dizer [sozusagen], duas vezes. Ele esqueceu de adicionar: uma vez como tragédia, a outra como farsa”. (Marx Engels W, Band. 8, S. 115). A expressão “por assim dizer”, faz suspeitar que Marx usou mais uma vez seu famoso senso da ironia. O vivaz barbudo conhecia bastante a ciência de sua época para saber que a repetição de um fenômeno social ou político é impossível, porque qualquer “viagem pelo tempo” carece, não apenas de possibilidade histórica, mas também física. (Alguns cientistas realmente sérios simulam acreditar nisso, mas o fazem apenas para tapear seus leitores.)
Ora, como é impossível viajar no tempo, eu gostaria de saber qual é o sentido pratico do que se chama autocrítica. Digo isto porque a chamada “esquerda” brasileira, os setores “progressistas” da classe média, e intelectuais diversos, estão exigindo, desde há bastante tempo, uma autocrítica do PT, em relação a seus anos de governo, ou ainda aos anteriores.
Se a viagem no tempo fosse possível, o PT poderia voltar a 2002, ou a 1980, ou a qualquer outra data, e começar tudo de novo, reparando o que seriam seus erros. Mas, como isso, nem no caso do PT nem em nenhum outro, é possível, a autoflagelação é apenas uma versão masoquista do sadismo judicial, cujo objetivo não é “redimir” o autor do crime, mas fazer que ele seja castigado para prazer de seus carrascos e da turba que estes levam do cabresto.
A autocrítica do PT só serviria para que a ralé linchadora pequena-burguesa se delicie, e possa dizer: “até eles próprios, os malditos petralhas, reconhecem seus crimes”. Digo “pequena burguesa” porque a grande burguesia não está nem aí com autocríticas: o que eles querem é encher seus cofres com os bilhões que estão roubando do patrimônio público, protegidos pela mídia e pelo judiciário.
Charada: A que se parece esta pública autocrítica exigida pela “esquerda” aos membros do PT? Hoje, quando o mundo avançou bastante contra a censura, temos numerosas publicações, vídeos, filmes, etc., que nos descrevem as cerimônias da Inquisição, antes censuradas. Vou citar apenas uma:
Na série “The Tudors” da Netflix (Cap. 10; Temp. 1; min 18 e seguintes), o conhecido “humanista” católico Santo Thomas More amarra na estaca o brilhante intelectual luterano Simon Fish (o autor da Suplicação dos Pedintes) e, antes de acender a fogueira, lhe propõe uma retractio, que é o equivalente inquisitorial da autocrítica.Como recurso de entretenimento, esta série se afasta em mais de trinta trechos da história real do período, mas este caso de More não está entre eles. O piedoso erudito queimou, que se saiba, sete protestantes.
[Diga-se de passagem que Marx, numa de suas habituais explosões emocionais, fez o grande elogio da Utopia de More, apesar de seu bom conhecimento do Latim clássico, e influenciou seus sucessores do século XX. Por exemplo, o líder britânico Jeremy Corbin, que é um militante muito respeitável, está convencido da ideologia de “esquerda” de More.]
Mas, pelo menos, tanto na história quanto na série, More ofereceu ao “herege” a possibilidade de salvar-se das chamas por meio de uma autocrítica, o que Fish rejeitou. Eu me pergunto se os críticos do PT dariam uma chance a este se fizesse uma retractio, ou aproveitariam para, obtida a confissão e com a ajuda da opinião pública, colocar uma lápide nele.
Se a comparação entre a exigência de autocrítica da esquerda brasileira e as vinganças de um inquisidor masoquista (More usou durante toda sua vida adulta um cilício) parece pouco respeitosa, vejamos uma comparação com Stalin, que, gostemos ou não, foi a figura central da URSS durante 30 anos. Stalin aceitava e enaltecia o conceito introduzido por Lênin de somacritiki (autocrítica), mas exigia que não fosse “vulgarizado”.
Num ensaio de junho de 1928 (Contra a vulgarização do chavão da autocrítica), Stalin atribui à autocrítica uma função fundamental no processo “revolucionário”, porém considera injusto que o método de exigir autocrítica seja usado como “caça às bruxas” (okhota na vied’m). Porém, é bem conhecido por todos (e aparece em numerosas obras históricas e literárias, bem como em filmes) que as exigências de autocrítica feitas durante os julgamentos de Moscou ou os julgamentos de Praga, entre outros, eram apenas atos de autohumilhação anteriores à execução dos “culpados”. Ou seja, mais um fator na tradição do castigo. (Veja, por exemplo, o excelente filme de Costa-Gavras, A confissão, do que existem versões em You Tube.)
A analogia entre Thomas More e Stalin não é por acaso. Haveria muitos outros para colocar na lista. Mas, essas coincidências têm fundamentos históricos fortes. Stalin, em sua juventude, entrou no chamado “Seminário Espiritual” de Tiflis, na Georgia e, até adotar sua própria visão do marxismo, foi um devoto seminarista ortodoxo e um premiado estudante de teologia.
Mas, há ainda outras coincidências. Na América Latina em geral, e não apenas no Brasil, ou setores autopercebidos como esquerda que tiveram destaque nacional (em particular, as guerrilhas nacionalistas) sempre tiveram um parentesco com restos do stalinismo e com formas supostamente “libertadoras” de messianismo.
Os que pretendem uma autocrítica do PT desde uma suposta esquerda estão cobrando a autocrítica masoquista com base em ambos os sentimentos: o nacional-stalinismo e a mística “libertadora”. Aliás, há uma curiosa contradição (será dialética?). Reconheço que a defesa que o PT fez de si mesmo durante os numerosos ataques que recebeu ao longo de seus governos foi tímida e, muitas vezes, vacilante. Ora, alguns dos mesmos setores que hoje pedem uma autocrítica estavam na época dentro do PT, e optaram por sair e dividir o eleitorado na primeira oportunidade que encontraram, aduzindo ter sido maltratados ou ter recebido negativas a suas pretensões de cargos, reconhecimentos, etc.
A contradição é que os que hoje acusam o PT (em alguns casos, corretamente) de ter mostrado fraqueza com a direita, poderiam ter ajudado ao partido a robustecer os traços, mesmo fracos, de sua política de esquerda, em vez de distanciar-se com a finalidade suposta de mostrar pureza democrática ou “revolucionária”.
Uma pureza, por sinal, esquisita, pois vários dos candidatos desses partidos mostraram várias vezes o ranço da direita mais conservadora. O exemplo mais singelo foi a oposição ao aborto de vários ex-PT que disputaram eleições nos últimos anos, na esperança de retaliar contra seus antigos companheiros. Não defendo, nessa linha, a política do PT, pois tanto Dilma como Lula foram evasivos enquanto aos direitos reprodutivos e, se podem compreender-se os erros políticos, não podem compreender-se as ações contra os direitos humanos mais básicos. Mas, pelo menos, Lula e Dilma não se opuseram nem quiseram lisonjear a máfia feminicida. Lula até disse, em duas oportunidades, que o aborto era uma questão de saúde pública, embora esse seja um argumento que, embora forte, é insuficiente.
Além disso, vários desses grupos pró-autocrítica transformaram o discurso político em teologia, apoiaram processos políticos internacionais teoricamente incompatíveis com suas teses, apoiaram a falsa ecologia estimulada pelas empresas (sustentabilidade)… enfim, nada que faça pensar que um governo deles teria sido melhor que os do PT.
Finalmente, é bom ter em conta que não se pode cobrar de ninguém uma dívida que nunca foi contraída. Isso é tão ruim como a posição de direita, que pretende exigir dos cidadãos o cumprimento de um pacto ou contrato social do qual nunca participaram. Refiro-me à posição altamente negativa a respeito de Lula e Dilma, que foram alvejados pela direita, no caso Dilma por golpe, no caso de Lula através da máfia jurídica mais sanguinária e corrupta já conhecida no Ocidente, desde o fim da Segunda Guerra.
Em alguns casos (não quero generalizar) até foi possível perceber a alegria de que aquelas lideranças que não reconheceram os méritos dos autocriticófilos estejam sofrendo nas mãos da pior corja de canalhas de direita que já teve o país. Afinal, que tipo de esquerda é essa que defende o linchamento?
Falo em cobrar uma dívida que não foi contraída, porque Lula nunca se considerou de esquerda. Em 1979, quando Lula era apenas sindicalista, em sua primeira grande reportagem pela Rede Tupi, ele reconheceu que não era comunista (um termo usado popularmente para se referir a qualquer forma de esquerda).Sua diferenciação com a esquerda foi proclamada várias vezes, embora ele tenha reconhecido, muito recentemente, que começou a entender a esquerda graças à Dilma, num gesto de sinceridade excecional de um líder famoso na época com quase 70 anos.
Lula sempre disse que queria incluir a população pobre na agenda nacional e nunca disse nada sobre fazer qualquer coisa tipo revolução, ou reforma radical. Porém, foi o único político da história da América Latina que promoveu uma verdadeira revolução na qualidade de vida e nos direitos civis de mais de 40 milhões de habitantes. Então, ele foi além das suas promessas.
Isso foi conseguido e durou uma década, mesmo sobre o fogo da direita. Os setores anti-PT que se dizem democráticos ou de alguma forma de esquerda (que são vários e possuem nomes sugestivos) poderiam ter ajudado a impulsionar esse projeto, mesmo que fosse por solidariedade humana, algo que parece não fazer parte do ideário da “esquerda revolucionária”.
Afinal, hoje estamos numa realidade antidemocrática, mafiosa e corrupta que era difícil imaginar mesmo na época da ditadura. O pior é que esse antipetismo não está baseado na ingenuidade. Por um lado, há um espírito de vendetta, visível em todos os setores “críticos”. Por outro, um claro oportunismo: muitos desses críticos vislumbram a possibilidade de aproveitar a condenação fake de Lula para ganhar votos desse espólio. Outros, mais dissimulados, pensam que a direita os “perdoará” e talvez os transforme em seus aliados. Isto último, dito seja de passagem, não me parece impossível. Dependerá do valor que os autocríticos tenham para essa direita. Já houve coisas semelhantes em outras épocas e em outros países.
Carlos Lungarzo Doutor em Ciências Exatas e em Ciências Humanas. Publicou 11 livros sobre lógica, estatística e sociologia matemática, e 86 artigos especializados. Foi professor da UNICAMP (1976-1997), da UERJ (2000-2004) e da McGill University. Pertence a várias organizações de direitos humanos e de defesa da ecologia. Autor de Os cenários ocultos do caso Battisti.

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