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terça-feira, 7 de agosto de 2018

"A sobrevivência dos mais ricos e como tramam abandonar o barco"

07_08_2018_pixabay.jpgPara os multimilionários, o futuro da tecnologia consiste em sua capacidade de fuga. O objetivo é transcender a condição humana e se proteger da mudança climática, os grandes fluxos migratórios, as pandemias globais... Eis o artigo: No ano passado, convidaram-me para dar uma palestra em um resort de alto luxo para um público supostamente integrado por uns cem banqueiros de investimento. Nunca antes recebi a oferta de tanto dinheiro para dar uma palestra – a metade do que ganho em um ano como professor – e tudo para tentar lançar alguma luz sobre o “futuro da tecnologia”.
Nunca gostei de falar sobre o futuro. Os atos em formato pergunta e resposta tendem a acabar sendo como uma espécie de jogo de sala, no qual me é solicitado opinar sobre a última palavra tecnológica na moda, como se fossem indicadores para potenciais investimentos: cadeia de blocos, impressão 3D ou CRISPR. Poucas vezes o público tem um interesse real em aprender acerca das novas tecnologias, nem sobre seu potencial impacto, para além de poder discernir entre investir ou não nelas. Mas o dinheiro vem primeiro, assim aceitei o bolo.
Na minha chegada, pensei que me conduziriam até o camarim, mas ao invés de me colocarem um microfone ou me levar até o cenário, me deixaram sentado diante de uma mesa redonda e fizeram passar a minha audiência: cinco tipos super-ricos (sim, todos eles varões) e das altas esferas no mundo dos hedge funds. Após trocar algumas breves palavras, não demorei a perceber que tinham nulo interesse nos conteúdos que eu havia preparado sobre o futuro da tecnologia. Vinham com sua própria bateria de perguntas preparada.
Começaram apresentando questões bastante inócuas, tais como: Ethereum ou bitcoin? A computação quântica é real? No entanto, sem pressa, mas sem pausa, foram conduzindo suas perguntas para os temas que verdadeiramente lhes preocupavam.
Que região se veria menos afetada pela crise provocada pela mudança climática, Nova Zelândia ou Alasca? Realmente, o Google está construindo para Ray Kurzweil um lar para abrigar sua mente? Conseguirá sua consciência sobreviver à transição ou, ao contrário, perecerá e renascerá uma completamente nova? E, por último, um diretor geral de uma agência de bolsa comentava que estava a ponto de terminar de se construir um bunker e lançou uma pergunta: “Como conseguirei impor minha autoridade sobre minha guarda de segurança, após o acontecimento?”
O acontecimento. Este era o eufemismo que empregavam para o colapso ambiental, a agitação social, a explosão nuclear, a propagação imparável de um vírus ou o momento em que o hacker de Mr. Robot acabe com tudo.
Esta foi a questão que nos manteve ocupados durante toda a hora restante. Eram conscientes de que precisariam de vigilantes armados para proteger suas instalações das massas encolerizadas. Mas, com o que iriam lhes pagar, quando o dinheiro já não tivesse nenhum valor? E o que impediria sua guarda armada de escolher seu próprio líder? Estes multimilionários concordavam em recorrer a fechaduras de combinação especiais para proteger o abastecimento de alimentos, que só eles controlariam. Ou colocar em seus vigilantes algum tipo de colar disciplinar, em troca de sua própria sobrevivência. E, inclusive, criar robôs capazes de servir como guardas ou trabalhadores, se é que daria tempo para desenvolver a tecnologia necessária.
Foi nesse ponto que me dei conta de que ao menos para estes cavaleiros esses eram os temas que pretendiam escutar em uma palestra sobre o futuro da tecnologia. Seguindo o exemplo de Elon Musk e sua colonização de Marte, ou do envelhecimento revertido de Peter Thiel ou do projeto de Sam Altman e Ray Kurzweil de baixar suas mentes em supercomputadores, preparavam-se para um futuro digital que tinha muito mais a ver com a intenção de transcender a condição humana e se proteger do perigo real e presente da mudança climática, o aumento dos níveis do mar, os grandes fluxos migratórios, as pandemias globais, o pânico nacionalista ou o esgotamento dos recursos, do que com a construção de um mundo melhor. Para eles, o futuro da tecnologia na realidade consiste em uma coisa: a capacidade de fuga.
Não é que tenha algo de ruim nas avaliações demasiadamente otimistas sobre os benefícios da tecnologia para as sociedades humanas. É que a atual tendência para uma utopia pós-humana é algo muito distinto, que tem mais a ver com uma cruzada para transcender todo o humano: o corpo, a interdependência, a compaixão, a vulnerabilidade e a complexidade, do que com o modo de imaginar a grande migração da humanidade para um novo estado existencial. Os filósofos da tecnologia advertem há vários anos: a visão trans-humanista reduz com muita facilidade toda a realidade aos dados e conclui que “os seres humanos não são mais que objetos processadores de informação”.
É a redução da evolução humana a um videogame, no qual alguém ganha a partida ao encontrar a janela de saída, deixando que se unam à viagem alguns de seus melhores amigos. Musk, Bezos, Thiel... Zuckerberg? Estes multimilionários são os supostos vencedores da partida da economia digital, vamos, mais do mesmo segundo a lógica empresarial da sobrevivência dos mais aptos e que, para começar, é a mesma que alimenta toda estas especulações.
Obviamente, as coisas nem sempre foram assim. Em princípios dos anos 1990, durante um breve espaço de tempo, o futuro digital oferecia um final aberto a nossa imaginação. A tecnologia era como um pátio de recreio que permitiu à contracultura criar um futuro mais inclusivo, distributivo e em favor do humano. No entanto, os interesses econômicos estabelecidos só viam nela um novo nicho para a extração de lucros de toda a vida e muitos tecnólogos foram seduzidos pelas empresas unicórnio. Os cenários do futuro digital passaram a ser mais como os futuros sobre ações ou os futuros de algodão, um nicho ideal para fazer predições e apostas. De modo que a relevância de cada discurso, artigo, estudo, documentário ou papel em branco só dependia de que apontasse a um indicador da bolsa. O futuro se converteu não tanto em algo no qual influenciam as opções em que apostamos hoje, ou em nossas esperanças para a humanidade do amanhã, mas, sim, em um cenário ao qual estamos predestinados e sobre o qual apostamos com o nosso capital de risco, mas ao qual chegamos sem mais capacidade de ação.
Este enfoque permite a todo mundo se livrar de qualquer implicação moral em suas atividades. O desenvolvimento tecnológico tinha a ver cada vez mais com a sobrevivência individual que com uma perspectiva de melhora coletiva. E, o que é ainda pior, como pude comprovar, qualquer comentário de advertência neste sentido convertia você, para seu pesar, em um inimigo do mercado ou em um tecnófobo resmungão.
De modo que a maior parte dos acadêmicos, jornalistas e escritores de ficção científica ao invés de se deter na dimensão ética do empobrecimento e a exploração da maioria por parte de uns poucos, optaram em delinear problemas mais abstratos e elaborados: É justo que os agentes da bolsa utilizem drogas sintéticas? Deveria ser permitido colocar implantes em crianças para que aprendam idiomas? Queremos que os veículos autônomos priorizem a vida dos pedestres acima da dos passageiros? As primeiras colônias de Marte deveriam ser regidas por um sistema democrático? Se mudo meu DNA estou fragilizando minha identidade? Os robôs devem ter direitos?
Por mais divertido que resulte em termos filosóficos nos colocar tais tipos de questões, o certo é que não contribui muito para lidar com as verdadeiras disjuntivas morais que o desenvolvimento tecnológico desatado em nome do capitalismo corporativo apresenta. As plataformas digitais conseguiram converter um mercado já em si explorador e extrator (veja-se Walmart) em uma versão do mesmo ainda mais desumanizante (veja-se Amazon). A maior parte de nós já está consciente dos inconvenientes apresentados pela automatização dos trabalhos, a gig economy e o desaparecimento do comércio local.
Contudo, o desenvolvimento a toda velocidade do capitalismo digital tem um impacto devastador sobre o meio ambiente e a população mais pobre em escala global. As redes de trabalho em condições de escravidão estão por trás da fabricação de alguns de nossos computadores e smartphones. Estas práticas estão tão profundamente arraigadas que, em certa ocasião, uma companhia chamada Fairphone, fundada desde a base com a intenção de fabricar e comercializar telefones éticos, acabou concluindo que era impossível. (Infelizmente, agora, o fundador da companhia se refere a seus produtos como telefones “mais justos”).
Enquanto isso, a extração de metais preciosos e os resíduos que nossos dispositivos de alta tecnologia digital geram destroem os habitats humanos, que são substituídos por despejos tóxicos que acabam sendo recolhidos por crianças campesinas e suas famílias, que voltam a vender os materiais reutilizáveis aos fabricantes.
“Olhos que não veem, coração que não sente”, mas a externalização da pobreza e do veneno não desaparece pelo mero fato de que não colocamos óculos tridimensionais e submerjamos em uma realidade alternativa. Quanto mais ignoremos as repercussões sociais, econômicas e ambientais, mais problemáticas estas se tornarão. Por sua vez, esta situação gera uma dinâmica de maior afastamento, isolamento e fantasias apocalípticas, ao lado da necessidade de inventar desesperadamente mais tecnologia e planos de negócio. O ciclo retroalimenta a si mesmo.
Quanto mais comungamos com esta interpretação do mundo, mas tendemos a ver o ser humano como parte do problema e a tecnologia como uma solução ao mesmo. A própria essência da condição humana se considera cada vez menos como um traço definidor e mais como um vírus. As novas tecnologias são consideradas como algo neutro, esquivando-se do viés que encerram. Assim, os maus hábitos que induzem em nós não são mais que um mero reflexo da corrupção de nossa própria essência. Como se a culpa de nossos problemas radicasse de alguma forma em nosso selvagerismo inato. Assim como a ineficiência do setor de táxi se “soluciona” mediante um aplicativo que arruína com os condutores humanos, as incômodas inconsistências da psique humana podem ser corrigidas mediante uma versão melhorada digital ou genética.
Em último termo, de acordo com a ortodoxia da tecnologia que tudo resolve, o clímax do futuro da humanidade chegará com a capacidade de baixar nossa consciência para um computador ou, talvez melhor ainda, aceitar que a própria tecnologia é nossa
sucessora lógico-evolutiva. Ansiamos entrar na seguinte fase transcendente de nossa evolução, como se fôssemos membros de um culto gnóstico, mudando de corpo e deixando o velho para trás de nós, junto com nossos pecados e pesares.
Os filmes e séries de televisão se encarregam pela representação destas fantasias. As séries de zumbis nos mostram um mundo pós-apocalíptico no qual as pessoas não são muito melhores que os mortos viventes, e parecem ser conscientes disso. E, o que é ainda pior, convidam os espectadores a imaginar o futuro como uma batalha de soma zero entre os poucos humanos que ficam, na qual a sobrevivência de um grupo depende da destruição do outro. Inclusive, a segunda temporada de Westworld, baseada em um romance de ficção científica no qual os robôs correm por aí enlouquecidos, termina com uma revelação final: nós, humanos, somos mais simples e previsíveis que as inteligências artificiais que nós mesmos criamos. Os robôs aprendem que cada um de nós pode ser reduzido a algumas poucas linhas de código e que somos incapazes de escolher deliberadamente. Que demônios! Até os robôs da série querem transcender os limites de seus corpos e passar o resto de suas vidas em uma simulação de computador.
Semelhante troca de papéis entre os humanos e as máquinas requer uma ginástica mental que parte da presunção implícita de que nós, humanos, deixamos bastante a desejar. Ou bem os mudamos ou bem nos distanciamos deles para sempre.
Assim, os tecnomulmilionários lançam carros elétricos ao espaço, como se isto simbolizasse algo mais que a capacidade de um multimilionário de fazer um pouco de promoção corporativa. E se alguns poucos conseguem escapar da velocidade vertiginosa e sobreviver de alguma forma em uma bolha em Marte – apesar de nossa incapacidade para conseguir gerar uma bolha similar aqui na Terra, tal e como se demonstrou nas duas provas da biosfera, que custaram milhares de milhões – será muito mais porque a elite pressagiou um bote salva-vidas, mas não garantirá à diáspora humana uma oportunidade de sobrevivência.
Quando os hedge funds me perguntaram como poderiam exercer sua autoridade sobre as forças de segurança, após o “acontecimento”, sugeri que a melhor aposta seria começar a lhes tratar muito bem desde já. Estabelecer relação com eles como se fossem membros de sua própria família. E quanto mais impregnassem suas práticas empresariais, sua gestão da cadeia de fornecimentos, seus esforços para contribuir com a sustentabilidade e a distribuição da riqueza deste ethos de inclusão, menos provável seria, para começar, que ocorresse um “acontecimento” destas características. Toda essa magia tecnológica poderia começar a se aplicar, a partir de hoje mesmo, para alguns interesses talvez menos românticos, mas, sim, mais coletivos.
Meu otimismo era engraçado para eles, mas em nenhum momento o aceitaram. Não tinham nenhum interesse em evitar a desgraça. Estão convencidos de que já não há tempo para isso. Por muito poder e riqueza que acumulem, não acreditam ser capazes de influenciar no futuro. Simplesmente, limitam-se a aceitar o mais obscuro dos cenários e a reunir a maior quantidade de dinheiro e tecnologia que lhes permita se isolar, sobretudo caso fiquem sem lugar no foguete rumo a Marte.
Por sorte, aqueles de nós que não dispomos dos fundos suficientes para renegar nossa própria humanidade, dispomos de um bom número de opções muito melhores. Nem sequer temos que utilizar a tecnologia de uma forma tão antissocial e atomizada. Basta que não nos convertamos nos consumidores e perfis individuais que querem nossos dispositivos e plataformas, e podemos recordar que o ser humano verdadeiramente evoluído não opta por uma saída individual.
A condição humana não tem a ver com a sobrevivência ou saída individual. É um esporte de equipe. Qualquer que seja o futuro que aguarda a humanidade, afetará a todos nós.
O artigo é de Douglas Rushkoff, escritor, documentarista e palestrante estadunidense, cujo trabalho se concentra na autonomia humana na era digital, em artigo publicado por Ctxt e Caminho Político. A tradução é do Cepat.

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