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sábado, 3 de novembro de 2018

"A intensa força das mulheres do deserto"

Tive a oportunidade de visitar algumas vezes os acampamentos de refugiados saharauis em Tindouf, na Argélia, a convite da Frente Polisario. Em todas as cinco ocasiões em que visitei a região, impressionou-me muito a presença vigorosa das mulheres em tudo que se faz naquele deserto. Ouvi muitas narrativas sobre a luta contra o colonialismo espanhol, a guerra contra o ocupante marroquino, a estruturação dos acampamentos no deserto argelino e até como elas estão à frente do funcionamento de toda a vida no exílio. Foi lá que pude perceber o quanto é essencial o papel daquelas mulheres na luta de resistência e pela conquista dos legítimos direitos à liberdade e à independência. Elas são um dos maiores símbolos da resistência do povo saharaui. É comum ouvir dos homens e dos anciões que sem as mulheres, a luta não teria existido!
Mulheres saharauis, no entanto, não diz muito sobre a diversidade que constitui este coletivo que é formado por mulheres de origem berbere, de tradição beduína, africanas, árabes, de religião islâmica e refugiadas. Se as identidades são plurais, a opressão do reino colonialista de Marrocos as unifica.
Contextualização histórica
A presença da mulher saharaui antecede à fundação da Frente Polisario em 1973, quando o Sahara ainda era uma colônia espanhola. Desenvolviam uma guerra de guerrilhas contra o colonizador, aproveitando-se da vantagem do seu conhecimento do deserto. O objetivo estratégico era a independência Nacional e a fundação do seu Estado próprio.
O discurso da Frente Polisario de chamamento das mulheres à luta tornou-se forte e conquistou adesões, porque defendia que elas eram e são agentes de transformação não apenas na luta de libertação Nacional, como também na conquista da igualdade de gênero.
Quando a Espanha abandonou o Sahara Ocidental e entregou seu território em mãos do Marrocos e Mauritânia, em 1975, e o rei Hassan II deu início a Marcha Verde para ocupar o território saharaui, a Frente Polisario deu início a um enfrentamento armado para libertação do território ocupado, que durou 16 anos. A resistência mostrou-se eficaz e a Mauritânia optou por um acordo de paz e a retirada, ocasião que o Marrocos aproveitou para ocupar quase a totalidade do território.
Naqueles combates, os saharauis foram covardemente atacados pela aviação marroquina com bombas de napalm e de fósforo branco em suas cidades, o que obrigou o êxodo de milhares de homens, mulheres e crianças para se refugiarem no deserto, até que acabasse o conflito. Os ataques criminosos provocaram centenas de mortes, entre elas a da primeira vítima de uma morte injusta, a mártir saharaui Chaiaa Ahmed Zein, que se encontrava grávida.
Enquanto os homens lutavam no deserto contra a ocupação marroquina e da Mauritânia, as mulheres saharauis se encarregaram de construir e organizar os campos de refugiados no território cedido pela Argélia. Elas estavam presentes na vanguarda da luta revolucionária, mas também exerceram um forte papel na retaguarda, que garantiu a organização social e política dos acampamentos, fonte de sustentação do governo e do movimento de libertação no exílio.
A República Árabe Saharaui Democrática (RASD) nasceu em meio à guerra de libertação, articulada por comitês revolucionários formados com forte presença de mulheres. E na resistência contra a ocupação, nasceu também a União Nacional de Mulheres Saharauis, estruturada em Casas da Mulher, com uma sede em cada acampamento. A UNMS é uma organização feminista, que atua dentro do esforço de união pelo direito à autodeterminação e para conscientizar e promover a presença e protagonismo das mulheres, a sua participação política, social, cultural e profissional na sociedade saharaui.
A UNMS propaga um discurso político eficiente e ao mesmo tempo complexo através do lema “Autodeterminação dos Povos, Autodeterminação das Mulheres”, numa sintonia fina entre os direitos coletivos do povo saharaui e os direitos das mulheres, duas tarefas que ocorrem conjuntamente.
A escritora espanhola Dolores Juliano, em seu livro La causa saharaui y las mujeres (1990), afirma que “a participação massiva da mulher saharaui na sociedade, a consideração e o respeito que goza dentro da sociedade, não é nada que tenha nascido nos últimos anos, no que é a República Árabe Saharaui Democrática atual, mas é algo que trazem consigo na história do povo saharaui, a história da vida de nômades, em que a mulher era considerada, era respeitada e contribuía com a sociedade, como qualquer outro de seus membros”.
O lugar das mulheres na luta e no cotidiano
As saharauis são ativistas que aproveitam qualquer oportunidade para expressar seu apoio e participação no movimento de resistência e para explicar aos visitantes como a ocupação rebaixa a vida do seu povo. Qualquer pessoa que visita o Sahara ouvirá que saharauis vivem naquelas condições porque o Marrocos nega sua dignidade, viola constantemente os direitos humanos e rouba suas riquezas naturais impedindo que seu povo possa usufruir delas.
As mulheres do deserto são vigorosas lutadoras pela paz, pelos direitos humanos e pela autodeterminação, conceitos pacificados na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em diversos tratados internacionais, cujos únicos dois membros da ONU que os desrespeitam vergonhosamente são Israel – que pratica apartheid genocida na Palestina e o Reino do Marrocos.
Elas se destacam nos campos de refugiados, nos lares, na resistência diária nos territórios ocupados e também no cenário internacional como porta vozes do seu povo, denunciando os crimes do Marrocos, função que exercem com dignidade e profissionalismo, num contexto de guerra e de conflitos pela libertação da última colônia da África.
Esse engajamento nas esferas administrativa e política permite que as mulheres saharauis gozem de um estatuto político e jurídico muito avançado se comparado a outros países com condições econômicas e sociais semelhantes, bem como em relação a outros países de religião islâmica.
O Sahara Ocidental como uma sociedade, é um exemplo vivo dentro do conjunto dos povos islâmicos, onde as mulheres saharauis realizaram um caminho muito coerente com uma cultura que é tão importante quanto a própria religião. No Sahara o Islã é entendido e exercido como foi concebido em sua origem, ou seja, sem discriminação de gênero e com forte conteúdo político libertário e de enfrentamento às injustiças.
Estas condições desafiam o pensamento dominante no Ocidente sobre as mulheres muçulmanas, que segundo o senso comum difundido pela mídia, tratam-se de mulheres oprimidas e impotentes.
As mulheres saharauis são a prova de que as mulheres árabes-muçulmanas não existem como um grupo homogêneo. E que os estereótipos difundidos pela mídia, não são aplicados no Sahara Ocidental.
As mulheres saharauis trabalham com afinco para obter avanços na organização da sociedade civil, especialmente a organização das mulheres, dos jovens e dos deficientes, cujos esforços merecem o máximo reconhecimento, uma vez que se trata de uma experiência desenvolvida no campo da democracia, igualdade e boa governança há mais de 43 anos, nas circunstâncias adversas do exílio no deserto.
Elas são o motor de uma economia que se baseia na gestão exemplar da ajuda humanitária recebida pelos refugiados saharauis, bem como na promoção de pequenas iniciativas e autofinanciamento que permitem a autossuficiência, destinada a reavivar as economias das famílias. E essa não é uma tarefa fácil numa região desprovida de infraestrutura adequada para enfrentar condições climáticas extremas, com fontes de água esparsas, num território impossivel de se desenvolver agricultura nem pastoreio
Sob a direção de mulheres saharauis, os campos de refugiados foram transformados em núcleos urbanos organizados, limpos e solidários. São as mulheres saharauis que asseguram uma educação e convivência que permitem uma vida sem a incidência de chagas urbanas como a violência de gênero, machismo, abusos sexuais de crianças e adolescentes e sem idosos abandonados.
Visitei vários acampamentos, como o de Smara onde convivi durante uma semana com uma família majoritariamente de mulheres. Falavam com naturalidade sobre como o divórcio é encarado como algo normal na sociedade saharaui e até comemorado em festa pelas famílias, que permanecem amigas. E onde os filhos, em regra, ficam com a mãe e a sua família, exceto em casos específicos. No sahara não há nenhuma mulher encarcerada por motivos políticos ou criminais. Os avanços luta das mulheres saharauis ainda se depara com o poder dos colonizadores, que oprimem seu modo de vida, obrigando-as a encontrar novas formas de resistência. As meninas saharauis frequentam a escola desde pequenas e quando terminam o ensino obrigatório, seguem seus estudos no exterior, principalmente em Cuba, Venezuela e Europa, onde cursam medicina, engenharia, direito, pedagogia etc. Muitas ficam nos países que se formaram, mas a maioria retorna ao Sahara para aplicar seus conhecimentos nos campos de refugiados e servir ao seu povo. Quando perguntadas o que querem ser, respondem na lata: o que quiser!
Embora a maioria dos jovens se especializem no exterior, o Sahara conta com centros de educação superior. A RASD está desenvolvendo projeto da sua primeira universidade, a Universidade de Tifariti, fundada em 2012 com a ajuda e solidariedade de numerosas universidades europeias, africanas e latino-americanas, que acolhe atualmente 450 alunos e funciona com quatro cursos: Enfermagem, Magistério, Informática e Jornalismo.
As saharauis estão à frente de várias organizações de resistência, entre elas a Associação de Familiares de Presos e Desaparecidos Saharauis (AFAPREDESA), que realiza marchas no deserto portando fotos de familiares e amigos desaparecidos, encarcerados e torturados pelo ocupante marroquino, para denunciar ao mundo a brutal repressão que sofrem as mulheres e homens nos territórios ocupados.
O Reino Marrocos é responsável pela morte e desaparecimento de centenas de vítimas, incluindo dezenas de mulheres saharauis torturadas, perseguidas e presas, que continuam a ser o alvo principal da política de repressão marroquina nos territórios ocupados.
As mulheres presas pelo regime marroquino representam 25% do total dos desaparecidos saharauis, percentualmente o dobro das mulheres chilenas presas, que representam 12,6% do total de desaparecidos durante a ditadura do general Pinochet.
Embora algumas dessas violações contra homens e mulheres tenham sido documentadas por organizações internacionais de direitos humanos, muitas outras continuam acontecendo longe do olhar internacional, devido ao bloqueio midiático e militar imposto para ocultar as violações massivas dos direitos humanos contra civis de todas as idades, incluindo mulheres, homens, crianças e idosos nos territórios ocupados.
Até mesmo no âmbito da ONU, a questão do respeito aos direitos humanos no Sahara Ocidental é tratada com indiferença. A comunidade internacional não pode esquecer da última colônia da África. Que se inspire em suas mulheres lutadoras e pressione o Estado marroquino e a ONU, para que ponham fim às violações dos direitos humanos cometidas contra a população nos territórios ocupados do Sahara Ocidental.
A paciência do povo – e das mulheres, em especial - saharaui está se esgotando. Mas “ainda existe um fio de esperança e a comunidade internacional tem plena capacidade de materializar uma solução justa e definitiva”, foi o que me disse o presidente da RASD, Brahim Ghali, numa entrevista que tivemos durante o Congresso da Frente Polisario que o elegeu com 94% dos votos em julho de 2016.
Marrocos precisa aceitar uma solução pacífica para o conflito e pôr fim a ocupação do Sahara Ocidental, antes que os jovens que cresceram nos acampamentos de refugiados e não sabem o que é uma vida livre – principalmente as jovens mulheres, cheguem à direção política da Frente Polisario e da RASD, porque já não poderão mais detê-los em seu sonho intenso por liberdade.
Sayid Marcos Tenório é historiador e Vice-Presidente da Associação de Amizade e pela Autodeterminação do Sahara Ocidental – ASAHARA (hajjsayid@gmail.com – Twitter: @hajjsayid)

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