
Da primeira, participaram sobretudo pessoas jovens, que protestaram pela educação, há duas semanas. Eram negras e brancas e tudo o que há no meio. São o Brasil do futuro. E é por esse futuro que lutam. Porque, se há algo com que se pode solucionar quase todos os outros problemas do Brasil, é a educação.
Através dela, é possível conter as pragas da violência, da desigualdade, da destruição ambiental e da corrupção. Para fazer mudanças no Brasil, seria preciso começar por aí. Os verdadeiros patriotas, portanto, são os estudantes do ensino médio e universitários que vão às ruas contra os cortes do governo.
Também está claro o motivo pelo qual muitos brasileiros são contra a educação para todos. Esses participaram da outra manifestação, que aconteceu no último domingo (26/05), com o intento de apoiar o presidente Bolsonaro, cujo governo está ameaçado de acabar em fiasco. Mas os fãs dele só veem o que querem ver. Em vez de um homem medíocre, misantropo, intelectualmente e moralmente fraco, eles reconhecem um "mito". Nos atos, houve até quem dissesse que Bolsonaro foi enviado por Deus. Que Deus cruel.
O ideal do movimento bolsonarista é um país no qual os papéis sociais (e sexuais) são claramente distribuídos. É um país onde há uma nítida definição de quem fica em cima e de quem fica embaixo. São os próprios apoiadores brancos de Bolsonaro que tiram proveito dessa desigualdade. Primeiro, por meio da legião de trabalhadores baratos e sem formação. E segunda, porque a existência dos pobres faz eles se sentirem superiores.
É assim que devem ser interpretadas as fotos sarcásticas tiradas com sem-teto pelos manifestantes. Eles lucram com as estruturas antigas do feudalismo, que ainda existem no Brasil e que só podem ser rompidas com a educação. Por isso, qualquer esforço de criar igualdade de oportunidades é chamado por eles de "socialismo".O conflito entre o pensamento esclarecido e o antiesclarecimento fica mais evidente quando se trata de religião e racionalidade. A questão fundamental se debruça sobre o que deve ter mais influência nas decisões políticas. Nas sociedades modernas, a resposta costuma ser: a razão. Os novos direitistas brasileiros acham que isso está errado – desde Olavo de Carvalho, o ideólogo do antiesclarecimento, passando pelos ministros Damares Alves e Ernesto Araújo, até o próprio presidente ("Deus acima de todos").
Eles confundem sua fé com conhecimento. Por isso, desprezam o conhecimento dos outros e a ciência, que é complexa e cheia de nuances. Assim, pode-se explicar o fato de Bolsonaro acusar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de disseminar "fake news" – apesar de ele não ser um especialista em estatística. A ministra da Família, Damares Alves, afirma que a Teoria da Evolução é errada – mas não tem noção de biologia. E o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acha que as mudanças climáticas não estão acontecendo – contra o consenso de pesquisadores no mundo todo.
Enquanto isso, nas ruas, os direitistas pedem "o fim de Paulo Freire", que nunca leram. Esse desprezo por intelectuais e cientistas é uma característica fundamental de regimes autoritários. É ela, na verdade, que está por trás dos contingenciamentos financeiros na área da educação.
O cenário combina com a notícia de que o Brasil entrou para o grupo de 24 países no mundo que vivem uma "erosão" em suas democracias. A avaliação é do Instituto V-Dem (Varieties of Democracy, ou Variedades da Democracia), da Universidade de Gotemburgo, que tem o maior banco de dados sobre democracias no mundo. O Brasil, segundo os especialistas, está sendo afetado severamente por uma onda de autocratização.
Será que as pessoas que aplaudiram quando a faixa a favor da educação foi arrancada em Curitiba aplaudiriam amanhã, se os livros de Paulo Freire, Jorge Amado e Chico Buarque fossem queimados? Temo que a resposta seja "sim". Essas pessoas acreditam que sua ignorância vale mais do que o conhecimento dos outros. O Brasil está num caminho escuro e perigoso.
Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário