
A ausência de alguns dos grupos mais importantes que contribuíram para a vitória eleitoral de Bolsonaro no ano passado enfraqueceu os atos de domingo. Foi o caso do Movimento Brasil Livre (MBL) e do Vem pra Rua. Até mesmo políticos do PSL se posicionaram contra a realização das manifestações.
Porém, segundo Ismael, o fato de milhares de pessoas saírem às ruas demonstra que "existem setores da direita e setores de bolsonaristas sangue-puro que certamente estão mobilizados em defesa do governo e da agenda do governo".
As maiores preocupações dos manifestantes giravam em torno da reforma da Previdência proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e o pacote anticorrupção e anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro.
O cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avalia que "as manifestações foram um pouco maiores do que se imaginava, mas não foram todas exatamente pró-governo".
"Foi uma pauta muito difusa, com alguns manifestantes contra as instituições, como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), e essa não é uma posição oficial do governo", observou.
Nos cartazes dos manifestantes, o STF e o Congresso foram acusados de bloquear a agenda do governo. Alguns pediram o fechamento dessas duas instituições ou até mesmo a invocação do artigo 142 da Constituição, segundo o qual as Forças Armadas podem intervir para garantir a manutenção "da lei e da ordem".
Dessa forma, não surpreende que a elite política brasileira tenha optado por se manter afastada das manifestações, avalia o cientista político da FGV.
Apesar de o próprio Bolsonaro ter lançado a ideia dos atos deste domingo, o presidente acabou se afastando das manifestações e pedindo a seus ministros que ficassem em casa. "Não foi uma jogada esperta dele, pois a direita está dividida hoje", avalia Praça.
"Acho que ele convocou esses atos imaginando que seria uma resposta muito forte aos protestos contra os cortes na educação. E rapidamente percebeu que não seriam manifestações tão grandes assim", avaliou.
Durante uma visita a uma igreja neste domingo, Bolsonaro minimizou a convocação que ele próprio tinha feito para os atos. "Hoje é um dia em que o povo está indo às ruas. Não para defender um presidente, um político ou quem quer que seja. Está indo para defender o futuro desta nação. Uma manifestação espontânea."
Ismael acredita que Bolsonaro esteja 100% de acordo com os atos, mesmo que posições anticonstitucionais tenham sido defendidas por manifestantes. "É evidente que ele estava apoiando. É a base social dele, uma parte daqueles que o elegeram e ainda continuam fiéis a ele, apoiando ele. E ele precisa disso."
Além disso, segundo Ismael, para Bolsonaro é bastante conveniente que ocorram protestos de massa contra as atitudes e os bloqueios impostos pelos partidos do chamado "centrão" e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
"Maia estava ganhando um poder tão grande que daqui a pouco ele iria acabar com o governo Bolsonaro", afirma Ismael. "Então, a reação das ruas é um aviso também: o país não pode ficar refém desse centrão fisiológico. Aí o país entraria num beco sem saída."
Um dos exemplos seria o questionamento de Maia em relação à Medida Provisória nº 870, que trata da reestruturação administrativa do governo. Após a convocação aos atos pró-Bolsonaro, na semana passada a Câmara voltou a colocar a medida em pauta.
"Uma manifestação para pressionar o Congresso é algo absolutamente legítimo para defender a pauta do governo", defende Ismael. "O presidente eleito foi Bolsonaro, e não Rodrigo Maia", observou, acrescentando que Bolsonaro agora possui novas cartas na mesa para lidar com o centrão.
"É para começar a negociar com o centrão numa nova base, mostrando que ele tem o apoio das ruas", diz Ismael. Segundo o cientista político, a mensagem de Bolsonaro a partir de agora será: "Não vou aceitar chantagem por cargos ou que vocês agora pautem o governo. Vamos negociar."
Praça, por sua vez, não acredita que Maia e os partidos de centro se deixarão intimidar pelas manifestações. "Não acho que o centrão se incomodou", diz.
Para o cientista político, não faz sentido que os manifestantes utilizem Maia como bode expiatório para o impasse na reforma da Previdência, uma vez que, segundo afirma, o presidente da Câmara seria quem mais estaria comprometido com a adoção da reforma. De modo geral, Praça acredita que as manifestações não vão modificar o panorama atual em Brasília.
Por outro lado, Ismael aponta mais um aspecto positivo para o presidente: "Se por acaso tentarem derrubar Bolsonaro com manifestações, haverá uma reação nas ruas."
Para o analista, após as manifestações deste domingo, Bolsonaro certamente não se encontra na mesma situação de desamparo enfrentada pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, que perdeu o apoio das ruas e logo acabou caindo.
Thomas Milz/Caminho Político
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