
Em vez dos tradicionais gritos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desta vez o político escolhido como inimigo comum foi o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), visto pelos bolsonaristas como o representante máximo do que chamam de velha política e do estilo "toma lá, dá cá" de negociação.
O "Foro de São Paulo", visto como uma ameaça imediata pelos manifestantes de direita à soberania nacional, foi trocado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), visto agora como uma instituição determinada a dificultar as mudanças que Bolsonaro pretende implementar no país.

Temiam que o iminente confronto entre a ala bolsonarista mais radical, que conta com o apoio quase explícito do presidente, pudesse tornar a relação entre o Executivo e o Legislativo ainda mais tensa e improdutiva. Temiam, ainda, que as pautas antidemocráticas, como o pedido de fechamento do Congresso e do STF pudessem enfraquecer ainda mais Jair Bolsonaro no complexo jogo político de Brasília.
Os sete caminhões de som estacionados ao longo da Avenida Paulista por grupos que apoiam Bolsonaro foram, até certo ponto, cautelosos. Preferiram focar suas demandas em uma pauta baseada nos projetos que tramitam no Congresso e sobre os quais o Executivo tem interesse direto, como a reforma da Previdência e o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, elevado, como nos protestos que pediam a saída do PT do poder, ao papel de super-herói. Em Brasília, um boneco inflável do ministro vestindo as roupas do Super-Homem adornou o gramado em frente ao Congresso.Defendiam também a aprovação integral da MP-870, que, entre outras medidas, reorganiza o governo reduzindo ministérios e transfere o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para a pasta da Justiça.

No asfalto, vaias foram as críticas mais leves destinadas ao presidente da Câmara. Em cartazes, falas ou gritos, Maia era chamado de "ladrão", "corrupto", "aproveitador" e um sem número de palavrões impublicáveis.
O corretor de imóveis Pedro dos Santos, de 67 anos, saiu da Zona Leste de São Paulo para passar o dia com um cartaz em que se lia "R. Maia FDP". Ele, um eleitor de Bolsonaro levemente frustrado, acredita que boa parte das dificuldades que o presidente está enfrentando se deve à ação do presidente da Câmara – o líder, na visão dele, do conjunto de partidos de centro que ficou conhecido como "Centrão".
"O Nhonho só sabe conversar com dinheiro, é o que eles querem, tem que tirar ele dali, senão a coisa não anda." Santos, como a maior parte dos manifestantes que ocupavam a Paulista neste domingo, só se refere a Maia pelo nome do personagem gorducho e mimado do seriado Chaves. "Eu sou contra fechar o Congresso, o STF, mas com ele lá não dá", disse, com a voz começando a ficar abafada pela cantoria de um caminhão de som do grupo autointitulado fiscais da nação.Formado por ex-militares e admiradores das Forças Armadas, o grupo adotou um tom levemente mais radical contra os principais alvos do protesto deste domingo. Depois de ter um padre rezando uma missa e dizendo que Bolsonaro "não é tudo aquilo que queriam, mas foi o que Deus nos enviou", o grupo iniciou duras críticas ao STF.
No ponto mais alto, tentaram puxar um grito de ordem que acabou não se tornando tão popular entre seus seguidores: "STF, preste atenção, a tua toga vai virar pano de chão."

Ninguém sabe ao certo quantas pessoas o protesto reuniu na Avenida Paulista. Por ao menos sete quarteirões, a avenida ficou tomada por manifestantes de verde e amarelo. Em alguns pontos, era difícil caminhar por conta da aglomeração de pessoas, em outros havia menos concentração.
Como a Polícia Militar decidiu não divulgar números, cada grupo fez sua própria contagem. Alguns falavam em 200 mil pessoas, outros em 500 mil, e houve até quem dissesse que mais de 1 milhão de manifestantes estavam na Avenida Paulista. Apesar dos exageros, a manifestação inflamada de forma velada pelo Planalto atraiu um número considerável de pessoas e foi a maior do país. Apesar de não ter participado de nenhuma delas, Bolsonaro exaltou o comparecimento dos manifestantes.
O Brasil dorme hoje com a dúvida de qual efeito elas terão sobre os heróis e vilões dos protestos bolsonaristas deste domingo. Apesar de boa parte de seus assessores políticos mais próximos terem recomendado cautela e mais diplomacia no trato com os demais Poderes, Bolsonaro tem dados repetidos sinais de que não pretende ceder nas disputas que têm pela frente.
O Congresso, na figura de Maia, e o STF por sua vez têm tentado mostrar independência e ocupar os espaços deixados por um Executivo muitas vezes confuso e reticente. As próximas semanas vão mostrar se os protestos deste domingo terão força suficiente para alterar o jogo de forças em Brasília.
Yan Boechat (de São Paulo)Caminho Político
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