Imagine você num parque, sentado num pequeno banco de madeira. Chega um desconhecido e senta-se ao seu lado e começa a empurrá-lo para fora do banco até você cair. Certamente você ficará indignado. Mas é tarde. Agora você está fora e ele dentro. Assim é a reforma da Previdência de Paulo Guedes. O regime que ele quer impor, o da chamada capitalização, vai destruir progressivamente a Previdência pública, empurrando-a para fora de campo. A coisa vai funcionar assim, se a reforma passar. Os novos contribuintes da Previdência pública terão de optar entre ela e o novo regime. Na Previdência pública, além da contribuição do trabalhador, o patrão também tem que contribuir pelo dobro, em nome dele. Na previdência de capitalização, ou privatizada, só o trabalhador paga. Em conseqüência, o patrão vai preferir trabalhadores que optem pelo novo regime, descartando a Previdência pública, que será progressivamente eliminada.
O truque é muito simples. Se for um novo trabalhador, o patrão simplesmente impõe a ele o novo regime de Guedes: ou ele o aceita ou não tem emprego. Se for um trabalhador antigo o patrão vai fazer as contas. Se representar economia, manda o trabalhador de INSS embora e o recontrata zero quilômetro. Nos dois casos, o trabalhador se vira para formar sua própria poupança, individualmente. Se somar 40 anos de contribuição, pode aposentar-se.
O trabalhador no regime de Guedes, o regime da mentira, não terá acesso a vários benefícios do INSS. Seu fundo será como uma caderneta de poupança de alto risco: o administrador pode especular à vontade com o dinheiro dele e não terá responsabilidade sobre o valor da aposentadoria ou pensão quando se aposentar. Os exemplos no exterior do funcionamento desses fundos é que o valor dos proventos acabam sendo menos da metade da contribuição. Assim é no Chile, onde o novo regime foi imposto pela ditadura.
Você pode achar que a aposentadoria ou pensão no regime atual do INSS não é lá essas coisas. Mas ela é infinitamente melhor que o regime proposto. Para milhões de pessoas, é a única fonte de sobrevivência na velhice. Como não há maldade que venha sozinha, pela reforma do Guedes – ou a reforma ao gosto do mercado - corta-se drasticamente o valor dos Benefícios de Prestação Continuada, como salário-mínimo para idosos (65 anos) e deficientes em situação de miséria.
Voltemos ao início. A menina dos olhos da reforma do Guedes é o regime de capitalização, pois esse regime permite uma tremenda concentração de bilhões de reais em poucas mãos do setor financeiro à custa das contribuições de milhões de trabalhadores de baixa renda. Desde que a Previdência pública foi inventada poucas vezes se viu maior crueldade que essa com os pobres. Justamente por isso os ricos, banqueiros, grandes empresários estão calados, deixando Guedes e Rodrigo Maia fazer o trabalho sujo para eles..
Entretanto, é pior o silêncio, ou o aberto apoio à reforma vindo sobretudo da grande mídia, visivelmente comprada pelo mercado. Vocês não verão na rede Globo, por exemplo, um debate honesto sobre a reforma que mostre os dois lados. É só o lado do governo que fala. E não é só Bolsonaro. Há uma clara aliança em curso do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mais o presidente do STF, Dias Toffoli, no mesmo iníquo coro pró reformas do Governo.
Nessa situação o único conselho que se pode dar ao povo é o seguinte: se informe sobre a reforma com especialistas independentes, na mídia alternativa, desinteressados de qualquer vantagem pessoal. E faça uma comparação equilibrada entre o regime previdenciário atual e o regime proposto por Paulo Guedes, o mentiroso. Não será difícil concluir que a demagogia do atraso não passa do maior embuste de todos os tempos na política social brasileira.
J. Carlos de Assis, jornalista, economista e professor
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