Por que insistir no ensino da matéria em tempos de ataque ao Jornalismo? Ética é conteúdo antigo nos cursos de Comunicação Social e no de Jornalismo. Desde suas primeiras faculdades, o tema está em disciplinas centradas na sua discussão, volta e meia atreladas também à legislação da área de comunicação no Brasil. Ética é elemento que compõe o imaginário (e a realidade) acerca do bom e do mau jornalista quando lhes observamos. Do primeiro, diz-se que a tem; do segundo, diz-se que esta lhe falta. Esse simplificação esquemática nos ajuda a mapear aqueles em que reconhecemos uma prática justa da profissão e nos quais vemos o ethos jornalístico encarnado. A estes, direcionamos nosso respeito e confiabilidade. Entretanto, nos encontramos agora em uma encruzilhada na qual mesmo aqueles classificados como bons têm sua credibilidade continuamente questionada, inclusive por autoridades, que incitam a sociedade a pensar como elas. Todos os dias, nos deparamos com pregações como: “não foi isso que eu disse”; “a imprensa mentiu”; “a mídia engana a população”; “os jornais são comunistas e trabalham contra o país” – e ficamos à deriva, cercados pelo mar da pós-verdade. Não há dúvidas: o jornalismo está sob ataque e, às vezes, parece que está perdendo a luta. Mas um breve caminhar pelas universidades nos mostra que, nós, professores, seguimos ensinando ética e ethos para futuros jornalistas, confiando no bem comum, a despeito de pequenos ou grandes golpes. Por que insistimos?
Apresento abaixo, num lide extenso, motivos, modos e compreensões para o mote (o quê?) deste texto: ensinar ética e jornalismo em tempos nublados.
Onde? Quem? Quando?
Começo pelos lugares, pelas pessoas e pelos momentos. É a sala de aula o lugar por excelência do ensino, embora não seja o único. É onde nos aproximamos do pensar ético para o jornalismo, com os profissionais que sairão, lá na frente, com um diploma na mão. Esse espaço se dá no diálogo, em que o papel da ética na construção das relações socias, da justiça que deve permeá-las, seja reflexivo e não apenas listado, com itens a serem ticados automaticamente.
Hoje, os currículos colocam a disciplina encarregada dessa tarefa em tempos diferentes, com poucas variações: ora no final da graduação, ora no início. A decisão varia conforme a perspectiva de impacto que seu ensino oferece nesses pólos, o começo e o fim da formação para o jornalismo.
Por vezes, entende-se que quanto mais longe da finalização do curso, mais aqueles conteúdos sobre ética serão esquecidos e, pelo contrário, quanto mais próximos à inserção do estudante no mercado de trabalho, mais frescos estarão. Essa visão tornaria o aluno mais apto a realizar julgamentos adequados diante de dilemas éticos, assim que fosse exigido pela atividade fora do ambiente acadêmico.
Discordo dessa perspectiva temporal e conteudista que instrumentaliza o ensino de ética e o separa do continuum do preparo de um jornalista. Esquece-se que a demanda ética é própria daquilo que o filósofo espanhol Fernando Savater chama de vida deliberada, na qual sou confrontado a fazer escolhas, na qual não respiro passivamente diante do que é posto como desafio cotidiano. E esse é um processo que não tem fim. “A vida refletida não acaba nunca e dura o mesmo tempo que a existência”, afirma Savater. Isso nos leva às formas de se ensinar ética para além de sua instrumentalização.
Como?
Há muitos modos de se ensinar e a cada professor é dada autonomia na condução de suas disciplinas. O como, aqui, está focado não em uma receita que fira a riqueza da liberdade dos mestres em sala, mas num entendimento que a educação para a ética deve ser permanente e ultrapassar o componente curricular que é designado originalmente para este fim.
Esse espalhamento sobre o curso, o pouco confinamento a uma matéria específica, traz o reforço necessário de que o jornalismo é um serviço público, um bem indispensável às sociedade democráticas, algo pelo qual vale a pena lutar. O exercício contínuo da reflexão ética, como algo que não termina, fortalece os estudantes para defender sua atividade e compreender seu valor.
As maneiras para concretizar esse ideal devem variar, os aquedutos que conduzem a esse fim devem ser erigidos por aqueles que conhecem a geografia do educar para o jornalismo – e para a cidadania. É cidadão quem protege direitos e a informação é um deles.
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. (Artigo 19 da Declaração dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 1948)
Por que?
Os motivos são muitos, mas fico com apenas um: porque sem ética, não podemos considerar que há jornalismo. Sem jornalismo, não há sociedade livre. Sem jornalismo, não conseguimos saber onde, quem, quando, como e por que a Amazônia arde em chamas, por exemplo. Sem o sabê-lo, somos marionetes nas mãos daqueles que prefeririam que os jornalistas não existissem.
Insistam.
Rafiza Varão é doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (2012), na área de Teoria e Tecnologias da Comunicação. É mestre em Comunicação também pela Universidade de Brasília (2002), na área de Imagem e Som. Graduou-se em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo (1999). Leciona na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e trabalha especialmente com Teorias da Comunicação, Ética e Redação Jornalística. Coordena o projeto SOS Imprensa e é coordenadora editorial da FAC Livros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário