A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News realizou audiência pública nesta terça-feira (29) sobre os riscos do uso de estratégias de manipulação de conteúdo virtual nas eleições do ano que vem. A comissão, que investiga notícias falsas nas redes sociais e assédio virtual, recebeu Thiago Tavares Nunes de Oliveira, fundador da organização não governamental SaferNet Brasil, que lida com segurança na internet. O fundador da ONG explicou como funciona uma operação de impulsionamento de conteúdo e destacou que as cidades brasileiras podem estar vulneráveis à colheita de dados de usuários para alimentar essas operações. "O dado pessoal é a matéria-prima para campanhas massivas de desinformação. Enquanto o foco está voltado para as grandes plataformas, ninguém está olhando para a fonte rica que são os provedores de acesso. No caso brasileiro, quase 40% das conexões são prestadas por pequenos e médios provedores, que têm atuação municipal e não estão submetidos à mesma carga regulatória", afirmou.
Thiago Tavares delineou a forma como se promove uma campanha de propaganda na internet, a partir da identificação de usuários-alvo. Primeiro, cria-se um conteúdo “inflamatório” que é injetado em uma “bolha” virtual, que vai funcionar como uma câmara de eco, gerando interações. Para esse objetivo, não interessa se as reações são positivas (curtidas e compartilhamentos) ou negativas (críticas e contestações), porque o importante é movimentar o conteúdo.
"Essas interações são entendidas pelos algoritmos da plataforma como um sinal de relevância e autoridade. Os algoritmos são manipulados a acreditar que aquela conta tem relevância maior do que as demais, de modo que os próximos conteúdos terão uma relevância orgânica maior", disse Tavares.
O destaque obtido pela mensagem pode atrair a atenção da mídia tradicional, transformando-a em “assunto do momento” e gerando ainda mais repercussão. O processo é adaptado para vários contextos e repetido.
Tavares observou que, segundo pesquisas internacionais, esse método não é exclusivo de nenhuma linha ideológica e pode ser aplicado sobre qualquer tipo de conteúdo e para qualquer tipo de finalidade. Isso faz com que não haja uma “bala de prata” contra o problema das fake news.
"Tentativas açodadas de criminalizar o envio de conteúdos falsos têm se revelado um tiro no pé, porque põem em risco as liberdades de expressão, de opinião e de imprensa. Não estamos falando de notícias imprecisas, é algo muito maior, que envolve a utilização massiva de dados pessoais para a amplificação de conteúdos deliberadamente criados para manipular algoritmos e gerar engajamento", declarou.
A recomendação do especialista foi dar foco a medidas que aumentem a capacidade das instituições de detectar e responder a esse tipo de interferência e que fortaleçam a transparência e a prestação de contas das empresas de tecnologia.
A audiência também abordou ameaças de exploração sexual e assédio moral por meio da internet. A CPI mista ouviu Alessandro Barreto, coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética, uma divisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O laboratório alimenta a operação Luz na Infância, que investiga desde 2017 a exploração sexual de crianças e adolescentes em todo o País. A quinta fase da operação foi deflagrada em setembro.
A Luz na Infância já prendeu em flagrante cerca de 600 pessoas. Não há um padrão de faixa etária ou ocupação entre os criminosos descobertos. Barreto explicou que o trabalho do laboratório é identificar indivíduos que armazenam conteúdo predatório contra crianças e adolescentes e acionar os órgãos de segurança locais.
Barreto, que é delegado da Polícia Civil do Piauí, relatou que a legislação brasileira ainda tem falhas que atrapalham a proteção de jovens no ambiente virtual. É preciso obter ordem judicial para conseguir um IP (número de identificação de um computador), apesar de essa informação não carregar nenhum conteúdo pessoal do usuário. As penas para abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes também são pequenas, segundo ele.
Cyberbullying
O médico Carlos Felipe D’Oliveira, da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio (Abeps), falou à comissão sobre o cyberbullying. Ele afirmou que as taxas de suicídio no Brasil aumentaram em 10% desde 2013 e que o tema não comporta soluções bruscas para a obtenção de resultados imediatos.
Em 2006, o Ministério da Saúde estabeleceu as diretrizes nacionais para prevenção do suicídio, que incluem a visibilidade. Conforme explicou D’Oliveira, hoje é possível falar do assunto mais abertamente.
Na opinião do médico, o Brasil precisa implementar um plano de prevenção regionalizado, porque as taxas de suicídio têm características diferentes para regiões diferentes. No interior, por exemplo, a circulação instantânea de conteúdo privado (através de aplicativos de compartilhamento de mensagens, por exemplo) tem impacto maior do que nas grandes cidades, já que os círculos sociais são mais compactos.
O médico disse que, no caso do assédio virtual, é preciso não se deixar levar pelo diagnóstico imediatista. D’Oliveira afirmou que o suicídio é a culminação de vários fatores de risco, e não é resultado apenas de “ver uma mensagem na internet”. Ele lembrou que a rede mundial de computadores, inclusive, tem recursos que podem ser trabalhados como fatores de proteção.
A SaferNet também atua na vigilância virtual contra a exploração sexual e o assédio. Thiago Tavares explicou que, em 12 anos de existência, a ONG – que integra uma rede internacional de hotlines, a Inhope — já ajudou a derrubar cerca de 25 mil páginas em mais de 100 países, a partir de 4 milhões de denúncias anônimas. Mais da metade das denúncias se referia a crimes de ódio.
Da Redação/Caminho Político
Com informações da Agência Senado
Nenhum comentário:
Postar um comentário