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domingo, 22 de dezembro de 2019

"O que esperar da guerra de Bolsonaro contra o jornalismo em 2020?

O que esperar da guerra de Bolsonaro contra o jornalismo em 2020? O professor de jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rogério Christofoletti afirma que a guerra entre o presidente e o jornalismo vai continuar. “É da natureza do presidente alimentar zonas de atrito, pois ao mesmo tempo em que mantém a temperatura alta entre sua militância, ocupa parte substancial do debate público com suas polêmicas. Para o jornalismo, o confronto com Bolsonaro representa algum espasmo para retomar o controle de uma narrativa nacional e a tentativa de recuperação de parte da credibilidade que pode justificar sua sobrevivência. Portanto, se alguém imagina que teremos um ano mais ameno no noticiário, sinto informar que não teremos”, escreveu o professor em um artigo.
O PI conversou com Christofoletti sobre os desafios do jornalismo no governo Bolsonaro e o que esperar para o próximo ano.
“Os jornalistas precisam continuar a cobrir os poderes, construindo uma distância que garanta sua independência editorial e que sirva à sociedade. Servindo à sociedade, o jornalismo possivelmente terá mais condições para esperar que ela o ajude a se sustentar social e financeiramente", afirma.
PI - No final de outubro de 2018, você escreveu um artigo sobre o resultado das eleições e o aumento dos riscos para os jornalistas brasileiros. Falou do então candidato Bolsonaro como um político que abomina a crítica, não suporta diálogo e desrespeita jornalistas. Como você classificaria a cobertura dos principais veículos brasileiros em relação ao comportamento de Bolsonaro com os jornalistas na época? Houve a mesma preocupação que você cita no artigo?
Rogério Christofoletti - À época, a grande mídia não previu que houvesse tanta aspereza ou truculência por parte do governo. O primeiro susto foi na posse, quando o staff presidencial montou um esquema de segurança paranóico que fez com que jornalistas escalados para a cobertura - de veículos nacionais e estrangeiros - fossem tratados com desconfiança e desrespeito. Poucos jornalistas se dispuseram a reclamar publicamente, e o relato feito pela Mônica Bergamo deu uma ideia de como a relação começou azeda.
Com o passar dos meses, foi ficando mais claro que a tônica seria aquela: a de indisposição em atender quem fazia perguntas inconvenientes. Bolsonaro fez descomposturas públicas com repórteres - principalmente, mulheres! -, apontando o dedo para veículos e, junto aos seus apoiadores, alimentou um clima de animosidade contra a imprensa. Uma postura irresponsável e pouco serena.
PI - E hoje, depois de um ano? Podemos afirmar que há uma mobilização dos jornalistas contra os ataques do presidente à imprensa?
Rogério Christofoletti - Infelizmente, não há uma mobilização da categoria neste sentido, o que é uma pena. Falta solidariedade e união, e isso só intensifica os ataques do governo. A tática é antiga: dividir para governar. Assim, o presidente e seus ministros (e o clã e figuras como Olavo de Carvalho) desferem ataques individualizados, incitando as milícias digitais a iniciar e manter linchamentos nas redes sociais. Se tivéssemos mais companheirismo entre os jornalistas, poderíamos nos preparar melhor e nos proteger mais dessas atitudes não-republicanas. A Fenaj tenta articular algumas reações, mas elas ainda são pouco efetivas, pois se trata de uma guerra assimétrica. Do outro lado, temos o presidente do país - com todo o seu poder.
PI - O título do artigo é “O que esperar da guerra de Bolsonaro contra o jornalismo de 2020”. O que esperar desta guerra? Ela deve piorar? Ou haverá uma trégua?
Rogério Christofoletti - Penso que a temperatura não vai baixar, infelizmente. Pode até piorar, embora não saibamos que limites existem para isso. Torço para que não piore, claro, mas o fato é que a guerra deve ser alimentada pelo presidente porque essa é a forma de ele fazer política: ele cria zonas de atrito (dentro e fora do governo), inflama seus apoiadores e se abastece desse clima de instabilidade, incerteza e medo. Aliás, Jair Bolsonaro tem governado pelo medo, espalhando a sensação de que nada pode permanecer em pé. As políticas de desmonte em várias áreas - da ambiental à segurança alimentar, da educação à seguridade social - ajudam a compor um cenário com muitos focos de incêndio. Alguns são grandes e importantes, outros, pequenos mais barulhentos. Mas esta guerra pode servir também ao jornalismo, na medida em que pode se converter na oportunidade de meios e profissionais ajustarem suas coberturas e fazerem um jornalismo mais fiscalizador e escrutinador do governo. Se o jornalismo fizer isso, ele recupera sua razão de ser - uma finalidade pública - ao mesmo tempo em que se impõe uma agenda positiva.
PI - Como você acredita que poderia ser a melhor resposta da categoria diante dos ataques presidenciais?
Rogério Christofoletti - Unidade e companheirismo é importante, mas insistir no exercício profissional sério, ético e responsável também é necessário. Isto é, os jornalistas precisam continuar a cobrir os poderes, construindo uma distância que garanta sua independência editorial e que sirva à sociedade. Servindo à sociedade, o jornalismo possivelmente terá mais condições para esperar que ela o ajude a se sustentar social e financeiramente. O jornalismo é uma atividade que se desenvolve em zonas de atrito, na fricção entre os interesses particulares; jornalistas devem perseguir os interesses e as expectativas da sociedade, e se isso colide com os interesses de um governante ou seu grupo, azar dos políticos.
Kassia Nobre/Caminho Político
Foto: Ana Laux

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