Governador do Maranhão, Flávio Dino,
foi o primeiro a decretar lockdown no Brasil. Em entrevista, ele comemora o
resultado e diz que, perante atitudes antidemocráticas do governo Bolsonaro, é
necessário se unir. Com o avanço do coronavírus pelo Brasil, o Maranhão foi o
primeiro estado brasileiro a decretar o confinamento obrigatório da população –
o lockdown.
Na região metropolitana da capital São Luís, o bloqueio total dos serviços não essenciais vigorou por 13 dias.
O governador do estado, Flávio Dino
(PCdoB), afirma que o lockdown ajudou a aliviar a demanda hospitalar da região
e recomenda a medida a regiões que estejam em situação de pré-colapso
hospitalar.
Em entrevista à DW Brasil, Dino fala
das dificuldades de combater a epidemia, diante de um governo federal que é
claramente contra medidas preventivas, e defende uma frente ampla na política
nacional para combater atitudes antidemocráticas.
DW: São Luís deixou o lockdown
recentemente. Quais são os principais ganhos que já podem ser apontados por
conta da adoção da medida?
Flávio Dino: Tínhamos, antes do
lockdown, uma situação de quase colapso da rede hospitalar na região
metropolitana de São Luís, com ocupação de praticamente 100% na rede pública e
na rede privada. O lockdown permitiu um alívio sobre essa demanda. Conseguimos
concluir algumas obras que estavam em andamento. Isso fez com que hoje, ainda
que ainda não tenhamos uma situação confortável, tenhamos ao menos uma situação
mais controlada.
Os indicadores epidemiológicos mostram,
no caso da região metropolitana de São Luís, uma tendência de estabilização no
número de casos e óbitos. Infelizmente no interior do estado ainda temos tendência
de crescimento. Em termos comparativos, não há dúvida que o lockdown foi uma
medida acertada.
Quão difícil é decretar um lockdown?
Nunca há unanimidade e, no caso do
Brasil, existe a dificuldade adicional de o presidente ser contrário a medidas
preventivas. Ele milita o tempo inteiro, e isso constitui sempre em algum
embaraço, na medida em que aqueles que são seus adeptos tendem a ter uma
posição de maior resistência.
Você precisa ponderar o tempo inteiro,
e essas medidas preventivas não são algo que deixamos no passado. Inclusive, se
necessário, elas podem ser reeditadas caso percebamos uma tendência exponencial
– o que, claro, espero que não ocorra.
Se estiverem em uma situação de
pré-colapso hospitalar, não hesite. Quando isso ocorre, você não deve hesitar.
Agora, em uma situação mais estável, a ponderação é sempre o melhor caminho.
Não há receita pronta que seja universalmente aplicada, mas em um contexto em
que vemos algumas cidades com uma demanda muito acima da capacidade de oferta,
não há dúvida que você precisa tornar mais rígido o regime preventivo.
O Maranhão, geograficamente, é maior
que a Itália. Além disso, é um estado historicamente pobre, sobretudo em
questões habitacionais. Como se aplica distanciamento social num contexto como
esse?
Desigualdades sociais e regionais
reforçam a crise sanitária por uma série de fatores, incluindo a questão da
submoradia. Mas há outros, como assimetria na oferta de insumos e de
profissionais.
Há um longo debate no Brasil sobre a
falta de médicos. E mesmo aqueles que dizem que não há falta são obrigados a
reconhecer que há uma concentração de profissionais exatamente nos eixos
econômicos mais dinâmicos, com maior poder aquisitivo da população e mais renda
aos profissionais.
O senhor aponta a necessidade de uma
"frente ampla”, incluindo também nomes de centro e de direita. Há
experiências semelhantes em Portugal e Uruguai. Pensar nessa união coletiva não
é um tanto utópico analisando o contexto histórico nacional?
Se você imagina que qualquer frente
política visa disputar eleições, diria que a dificuldade de produzir reuniões
mais amplas nos primeiros turnos é grande. Mas é importante manter canais
abertos de diálogo exatamente para composições de segundo turno.
É importante também ter claro que a
vida não se esgota em eleições. Há uma série de temas que devem caminhar e não
se pode fazer isso de forma solitária. Por exemplo, o auxílio emergencial, que
foi aprovado por uma frente ampla. Deve-se formar uma frente ampla para evitar
que os impulsos despóticos prevaleçam. Ou você se une para dialogar, para
encontrar saídas, ou a sociedade viverá uma situação de constante
desorganização.
É viável um projeto de governo, e não
apenas um projeto de campanha, cuja essência é puramente a oposição a uma
gestão?
O Consórcio do Nordeste foi um dos
primeiros a manifestar claramente suas posições durante a gestão da pandemia. É
possível apontá-lo como uma frente de oposição ao bolsonarismo já consolidada?
Essa união é maior do que o Nordeste. O
Consórcio do Nordeste teve a marca do pioneirismo e antes era isolado em uma
perspectiva mais crítica ao que Bolsonaro apontava para o país. Agora temos uma
série de outros governadores que não são do Nordeste, tampouco são de esquerda,
mas que também compartilham nossa visão. O papel do Consórcio hoje transcende o
Nordeste, o que sempre foi nosso objetivo.
Veja, Bolsonaro sempre foi um ser
solitário. Quando se candidatou à Presidência da Câmara dos Deputados, só teve
quatro votos, mesmo com quase 30 anos de atuação parlamentar. Ter esse número
de votos é realmente uma proeza. Com sua visão belicista, ele nunca procurou
agregar. Essa postura não cabe a um presidente. Ele não sabe liderar, apenas
impor. E essas imposições tendem a não funcionar, a menos que se use o fuzil.
Houve pressão do governo federal para
impor relaxamento das medidas de isolamento?
O que nos protegeu foi a decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo que o Artigo 23 da Constituição
Federal, que trata das competências federativas comuns, autorizava a atuação
dos estados, o que esvaziou a pressão na dimensão institucional, mantendo
apenas a pressão política.
O Brasil de hoje não é mais o Brasil de
2002. Por que a esquerda "clássica" insiste em viver do passado?
Você não pode ficar preso a alianças do
passado ou você não produz convergências futuras. Em relação ao terreno
programático, posso me referir à educação, por exemplo: em 2002, os desafios
eram muito mais quantitativos, de inclusão de crianças e jovens. Ainda temos
esse desafio, mas hoje a questão qualitativa tem mais peso.
No campo do trabalho você tem temas
novos que não se resolvem com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no que
se refere à regulação trabalhista e econômica, afinal, novos setores surgiram
em razão das plataformas tecnológicas. São desafios novos, você precisa
atualizar suas propostas.
E além do ambiente diálogo essa
atualização programática é outro grande desafio da esquerda. Temos outra
geração entre 2002 e 2020 e muitas discussões já se colocaram em outros termos.
Na condição de professor de Direito
Constitucional, qual a gravidade do que foi dito pelo ex-ministro Sergio Moro
[sobre a tentativa de controle de Polícia Federal por parte do presidente Jair
Bolsonaro] e, posteriormente, do que foi dito no vídeo da reunião ministerial
[divulgado no dia 22 de maio]?
Moro produziu uma espécie de delação em
relação à tentativa de ingerência na independência dos Poderes. A Polícia
Federal não é uma polícia administrativa, não tem atribuições concernentes
apenas à segurança pública. Ela é uma Polícia Judiciária, ou seja, investiga
crimes que estão sob responsabilidade do Poder Judiciário e do Ministério
Público. Por isso, uma interferência indevida é um modo de interferir na ação
do próprio Poder Judiciário. Cometer um crime é grave. Tentar acobertá-lo,
também.
Você também tem fatos posteriores que
confirmam isso, como o estranho, o especial interesse do presidente em relação
à Superintendência do Rio de Janeiro, estado de atuação política de sua
família. É algo que deve ser apurado tanto no STF como na Câmara dos Deputados.
Por fim, é possível apontar algum
legado que a pandemia nos trará?
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