
As ruas e a elite intelectual
Os atos do último fim de semana sugerem uma incipiente sintonia entre atos de rua com pessoas das periferias, a elite intelectual e as instituições públicas, que se mostram "saturadas" da dinâmica bolsonarista que busca o conflito permanente e o desgaste da democracia, avalia à DW Brasil o cientista político Milton Lahuerta, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ele lembra que movimentos de periferia e de jovens, além de torcidas organizadas como a Gaviões da Fiel, do Corinthians, já vinham fazendo oposição ao governo Bolsonaro, mas o ato do último domingo trouxe algo "simbolicamente novo" ao unir torcidas adversárias em torno de uma mesma bandeira. Esse mesmo movimento de junção, afirma, começa a se manifestar na "opinião pública ilustrada", que percebeu que a lógica de Bolsonaro é "esticar a corda e, se possível rompê-la". Para Lahuerta, isso coloca no horizonte a possibilidade de articular setores adversários, como integrantes do PT e liberais democráticos que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. "Até bem pouco tempo atrás, isso era impensável, mas agora temos uma perspectiva que remonta a formas históricas de luta pela democracia que foram bem sucedidas", diz, em referência ao movimento pelas Diretas Já. Diante de um presidente e seu entorno que usam o caos como método para manter mobilizados seu eleitorado e sua base armada, "que está na Polícia Militar, nas milícias e nessa classe média sórdida que se move pela violência", ele afirma ser fundamental a aproximação dos movimentos de rua, da elite intelectual e da institucionalidade, que ainda estão "desarticulados". Se não houver essa articulação, ele avalia haver risco de um enfrentamento sem controle nas ruas, o que poderia levar ao aumento da repressão e fortalecer a lógica na qual Bolsonaro investe. “É um cenário delicado, mas alvissareiro. Foi dado o sinal para que se levantem as vozes. Agora é necessário juntar forças, articular isso em torno de uma coalizão mais forte", diz.
Alerta para o governo
O engajamento das torcidas organizadas, que reúnem muitos moradores das periferias, também chamou a atenção de Emerson Cervi, professor de ciência política da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele afirma que as manifestações "sempre começam com as periferias" e que, em algumas situações, atraem em seguida as classes médias. "Estamos passando por essa primeira etapa. A questão é se os atos [contra o governo] vão progredir ou se vão apenas estimular o renascimento do apoio a Bolsonaro", afirma. Diante da crise econômica batendo à porta das pessoas e do efeito trágico da crise sanitária, ele diz ser mais provável haver um crescimento das manifestações contra o governo nas próximas semana. A maior incógnita, para Cervi, é se os atos bolsonaristas, que têm atraído poucas pessoas, terão a capacidade de mobilizar mais seguidores. A estrutura desses protestos, diz, continua disponível, com financiamento para pagar por trio elétrico, faixas e bandeiras. "Precisamos separar as duas coisas. Uma é a estrutura [pró-Bolsonaro], a outra é a adesão popular a ela", afirma. Ao interpretar a última pesquisa Datafolha, o cientista político da UFPR identifica dois movimentos relevantes. Os que avaliavam o governo como regular estão migrando para avaliá-lo como ruim e péssimo, levando a uma polarização cada vez maior na sociedade entre os que apoiam o presidente e os que o desaprovam. E entre os que migraram do regular para o ruim ou péssimo, estão muitos homens de idade média, escolaridade alta e renda média e alta, um perfil identificado com a base do bolsonarismo. "Isso deve estar preocupando bastante o governo", diz Cervi.
Bruno Lupion (de Brasília)/Caminho Político
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