
Um córrego e uma avenida separam os dois principais hospitais de campanha do município na Grande São Paulo. Na região do ABC, que concentra grande parte da produção industrial nacional, apenas Santo André e São Caetano montaram estruturas provisórias de combate à covid-19, a doença causada pelo coronavírus Sars-CoV-2.
"São estruturas de retaguarda, com o papel de estabilizar e curar pacientes leves a moderados, deixando mais espaço na rede hospitalar para os casos mais graves", explica o médico José Roberto Dente, diretor do hospital Pedro Dell'Antonia.
Ao chegar, vindos de instalações de saúde básicas como as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), os pacientes são encaminhados à tomografia, principal método de diagnóstico da covid-19. Foi esse exame que revelou o tamanho do dano no pulmão de José Barbosa de Souza, de 70 anos, internado há três dias.
"Eu estava com dor nas costas, e um médico me receitou dipirona. Por engano, tomei 40 gotas de um remédio para colesterol, e, por precaução, fui ao hospital", conta o aposentado. Assim, por acaso, Barbosa descobriu que fora infectado com o novo coronavírus. "Depois de uma radiografia, fui encaminhado diretamente para cá", diz.

Na ala de pacientes, Fabiane Teixeira, de 31 anos, reclama do exame para medição vírus. Conhecido como swab, é realizado inserindo um cotonete longo no nariz e na garganta. Após o desconforto, ela conta que o contato com as pacientes vizinhas ameniza a situação.
"Pra passar o tempo, só conversando muito! Aqui deste lado já se formou a gangue das velhinhas", afirma, apontando para os leitos vizinhos. "É difícil passar o tempo sem nada pra ajudar, então fazemos amigas. Os contatos de telefone já estão todos anotados para quando eu sair aqui." Apontada como membro da 'gangue', Maria Cleusa Teixeira, de 64 anos, diz que o apoio psicológico é o que mais ajuda, uma forma de respeito. "Não há nenhum luxo, mas é do que precisamos para nos recuperar."
Mente sã, corpo são

Vestindo um crachá com foto, pouco menor que uma folha de papel sulfite e projetado para permitir que os pacientes vejam o rosto dos profissionais escondidos atrás de camadas de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), a goiana explica a realização sentida com o trabalho, iniciado em 22 de abril.
"É um clichê, eu sei, mas não há modo melhor de explicar: cada paciente é o amor de alguém, e como nós também somos o amor de alguém, acabamos nos identificando. Ninguém quer estar aqui. Pensar na família e em coisas positivas é um caminho importante para a cura", afirma Pollyanna.
Doença sistêmica
O protocolo de tratamento no hospital de campanha não envolve a cloroquina ou sua derivada hidroxicloroquina, cujo uso em pacientes com covid-19 é fortemente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Em seu lugar, os médicos vêm utilizando um anticoagulante, uma vez que o coronavírus provoca a coagulação do sangue, o que pode resultar em complicações sérias, como infarto ou Acidente Vascular Cerebral (AVC), mais conhecido como derrame.
"O coronavírus não causa uma infecção apenas do sistema respiratório, como muitos pensam. A covid-19 é uma doença sistêmica, que afeta o corpo em diversas frentes", explica Vitor Chiavegato, gestor da Secretaria Municipal de Saúde à frente do complexo de hospitais de campanha da cidade.

Suspeita-se que a tempestade de citocinas tenha sido a principal causa de morte na pandemia da gripe espanhola de 1918 e no caso de outras doenças respiratórias causadas por coronavírus, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers).
O diretor relata que, das cerca de 900 pessoas que passaram pelo hospital de campanha, cerca de cem precisaram ser encaminhadas para uma UTI, e 37 acabaram morrendo. Ele afirma que firmou com a prefeitura um contrato até julho para gerir o hospital e que não pretende estender o prazo.
"Todo esse tempo convivendo com isso é uma carga emocional muito grande. Venho tomando antidepressivo, ansiolítico, sinto que estou trabalhando durante o sono. É uma responsabilidade muito grande, não consigo encarar isso aqui como um trabalho normal, mas como uma missão de vida", desabafa o médico.
Gustavo Basso (de Santo André)Caminho Político
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