É relativamente fácil identificarmos o impacto de grandes acontecimentos, como o da pandemia que nos acometeu. Nos últimos meses, fomos soterrados por notícias do presente e previsões para o futuro próximo, nos cenários humano, econômico, científico e tecnológico. Mas esses não são os únicos olhares possíveis. Numa escala universal, qualquer fenômeno que nos abale, por mais importante que seja para a humanidade, tem dimensões que poderiam ser consideradas insignificantes. Com ou sem pandemia, a Terra continua a girar e o Sol segue brilhando, insensíveis ao nosso sofrimento.Por outro lado, aqui mesmo em nosso singular cafofo cósmico, pequenas mudanças, nem sempre tão evidentes, irão transformar nosso futuro.Chamamos isso de “efeito borboleta”, um conceito da teoria do caos que se refere ao que acontece quando alteramos o valor de uma variável no início de uma sequência de eventos relacionados. Uma reação em cadeia.
A breve experiência com o trabalho remoto (home office), por exemplo, deverá levar à transformação gradativa das relações de trabalho, e acelerar o modelo de trabalho flexível (a GIG economy). Com isso, as pessoas terão menor necessidade de deslocamento e poderão escolher locais mais agradáveis ou mais baratos para morar. O vetor de concentração populacional, que vinha apontando para os grandes centros urbanos e os conglomerados de escritórios das grandes empresas, perderá força e a população, gradativamente, será mais bem distribuída. As grandes cidades sofrerão transformações significativas em suas dinâmicas, demandando a revisão da estrutura de serviços públicos e incentivando o desenvolvimento de negócios locais. Em 10 anos, veremos uma redução da concentração do PIB e novos polos de desenvolvimento espalhados pelo país. Tudo isso porque parte da população foi obrigada a passar alguns meses trabalhando em casa.
A restrição do deslocamento é um outro fator que poderá gerar desdobramentos interessantes. Uma pesquisa realizada pela MindMiners em junho do corrente ano, aponta que 62% das pessoas que costumam fazer viagens internacionais darão preferências a viagens domésticas após a pandemia, buscando hotéis de médio ou pequeno porte (82%). O ecoturismo nacional deverá ser privilegiado, gerando empregos com menor demanda de especialização, estimulando a economia de pequenas comunidades e contribuindo para o desenvolvimento da consciência ecológica nacional. Em 10 anos, podemos esperar que o Brasil se transforme em um relevante destino turístico também para o mercado internacional, não mais apenas pelo Carnaval ou pelas praiais do Nordeste, mas pela oportunidade de encontro com a natureza, as caminhadas com significado e o turismo de aventura. A pressão para cuidarmos de nossas reservas naturais deixará de ser externa, e as próprias comunidades cuidarão de sua preservação. Outras trilhas de conhecimento serão valorizadas, como a história, a biologia, a sociologia, as artes e a cultura. Tudo isso porque passamos algum tempo confinados e refletindo sobre o significado da vida.
O mundo seguirá dando as mesmas voltas, mas as experiências disruptivas que vivemos neste ano colocaram em marcha processos de mudança que terão desdobramentos surpreendentes.
Flavio Ferrari é coautor do livro “Acumen – The future castles’ stones”
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