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domingo, 6 de setembro de 2020

"O governo de Francisco: o impulso propulsor do pontificado ainda está ativo? Artigo de Antonio Spadaro"

Francisco é jesuíta, e sua ideia de reforma da Igreja corresponde à visão inaciana. Claramente, os estilos de governo – em vários níveis – dos jesuítas também foram muito diferentes na história da Ordem e da Igreja. Francisco encarna um que lhe é próprio, tornando-se, pela primeira vez na história, um jesuíta eleito pontífice romano.
Eis o texto.
Depois de sete anos, qual é o impulso propulsor deste pontificado? Alguns comentaristas e analistas se perguntaram se esse impulso ainda subsiste; outros tentaram refletir sobre a sua substância. A pergunta poderia ser traduzida assim: que tipo de governo é o de Francisco e como interpretá-lo à luz destes anos?
Pretendemos, portanto, abordar aqui tal pergunta, examinando o significado próprio desse modo de governar, que é expressado por uma personalidade concreta com a sua própria história de vida e de formação.
Demos um passo atrás, aos tempos do Concílio de Trento, no qual, desde o seu início, estavam presentes alguns jesuítas como peritos teólogos: os padres Diego Laínez e Alfonso Salmerón, encarregados como teólogos e designados por Inácio a pedido do Papa Paulo III. Também se uniu a eles o Pe. Claude Jay, que interveio como procurador do bispado de Augsburgo. O fundador da Companhia de Jesus, Santo Inácio de Loyola, dera instruções aos seus coirmãos sobre como se comportar.
O interessante é que ele absolutamente não entrou nas questões doutrinais e teológicas, mas se preocupou com o testemunho de vida que os jesuítas deveriam dar. Isso já dá uma primeira ideia de como Inácio entendia a reforma da Igreja e em um contexto tão singular e importante como um Concílio. Para ele, tratava-se acima de tudo de reformar as pessoas a partir de dentro.
Essa é a garantia de uma conversão de “estrutura” para Inácio. Os Exercícios Espirituais são para a “reforma” das pessoas e da Igreja. É essa reforma que permite compreender a agenda de Francisco.
Inácio, por exemplo, recomenda, de acordo com o seu estilo de vida, visitar os doentes nos hospitais, “confessando e consolando os pobres, levando algo também, quando possível, e fazendo-os rezar” [3]. E, assim, Francisco, fiel a esse ensinamento, inaugurou as viagens do seu pontificado com o de Lampedusa e valorizou muito as “sextas-feiras da misericórdia”.
Francisco é jesuíta, e sua ideia de reforma da Igreja corresponde à visão inaciana. Claramente, os estilos de governo – em vários níveis – dos jesuítas também foram muito diferentes na história da Ordem e da Igreja. Francisco encarna um que lhe é próprio, tornando-se, pela primeira vez na história, um jesuíta eleito pontífice romano.
Por isso, para além de qualquer outra reflexão sobre esse tema, uma coisa é clara e decorre do carisma espiritual que moldou Jorge Mario Bergoglio: quem quisesse tematizar, no pontificado de Francisco, uma oposição entre conversão espiritual, pastoral e estrutural demostraria que não compreendeu o seu núcleo.
A reforma é um processo verdadeiramente espiritual, que muda – ora lentamente, ora velozmente – também as formas, aquelas que chamamos de “estruturas”. Mas ela as muda por conaturalidade, como o papel de tornassol muda de cor naturalmente, porque muda o nível de acidez ou de alcalinidade do líquido em que está imerso. Portanto, apontar para a conversão não é uma piedosa referência espiritual ineficaz, mas sim um ato de governo radical.
Se os modelos de governo espiritual na Companhia de Jesus são mais de um, o grande modelo inspirador de Bergoglio é o jesuíta São Pedro Fabro (1506-1546), a quem Michel de Certeau define simplesmente como o “padre reformado”, para quem o experiência interior, a expressão dogmática e a reforma estrutural estão intimamente ligadas.
Assim como a oração para Santo Inácio: ela envolve o coração e a mente, mas também o corpo, que é chamado a assumir uma posição adequada. “A corrente que enfatiza o ascetismo, o silêncio e a penitência – disse o papa na entrevista que fiz com ele para a La Civiltà Cattolica em agosto de 2013 – é uma corrente deformada que se difundiu também na Companhia, especialmente em âmbito espanhol. Pelo contrário, eu estou próximo da corrente mística, a de Louis Lallemant e de Jean-Joseph Surin. E Fabro era um místico” [4]. É nesse tipo de reforma que o Papa Francisco se inspira.
O reformador como alguém “esvaziado”
Se lermos o que o pontífice disse sobre os jesuítas, compreenderemos melhor o coração da sua reforma e da sua atitude radical. Na sua homilia na Igreja do Gesù, no dia 3 de janeiro de 2014, ele afirmou: “O coração de Cristo é o coração de um Deus que, por amor, se ‘esvaziou’. Cada um de nós, jesuítas, que segue Jesus, deveria estar disposto a esvaziar a si mesmo. Somos chamados a esse abaixamento: ser pessoas ‘esvaziadas’. Ser homens que não devem viver centrados em si mesmos, porque o centro da Companhia é Cristo e a sua Igreja”.
Para Francisco, a reforma se enraíza nesse esvaziamento de si, que ele reconhece em um dos trechos neotestamentários que ele mais ama e mais cita: Filipenses 2,6-11. Lá está a verdadeira reforma. Se não fosse assim, se ela fosse somente uma ideia, um projeto ideal, fruto dos próprios desejos, mesmo que bons, ela se tornaria mais uma ideologia da mudança.
A reforma seria uma ideologia de vago caráter zelota. E ela sim – como todas as ideologias – teria que temer pela falta de supporters. Ficaria à mercê da desilusão dos círculos de quem tem em mente uma agenda a ser realizada. A reforma que Francisco tem em mente funciona se estiver “esvaziada” dessas lógicas mundanas. Ela é o oposto da ideologia da mudança. O impulso propulsor do pontificado não é a capacidade de fazer coisas ou de institucionalizar a mudança sempre e de todos os modos, mas de discernir tempos e momentos de um esvaziamento para que a missão faça transparecer Cristo melhor. O próprio discernimento é a “estrutura sistemática” da reforma, que se concretiza em uma ordem institucional.
“A Igreja é instituição”, disse Francisco em uma entrevista a Austen Ivereigh [6], para evitar que se imagine – ou até se sonhe – uma Igreja abstrata, de almas belas, gnóstica. Mas o que torna a Igreja “instituição” é o Espírito Santo [7], que “provoca desordem com os carismas, mas, nessa desordem, cria harmonia”. A Igreja é “povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a necessária expressão institucional” (Evangelii gaudium [EG], n. 111).
Espírito e instituição, para Francisco, nunca se negam entre si. A Igreja é institucionalizada pelo Espírito Santo, o isso evita a “introversão eclesial” (EG 27), graças a uma “tensão entre a desordem e a harmonia provocadas pelo Espírito Santo”. Isso significa que há um processo de institucionalização e desinstitucionalização fluido: permanece aquilo que serve, e não aquilo que não serve mais. O futuro da Igreja não é estático nem rígido.
Portanto, é preciso paciência, como lemos no Evangelho, para deixar que trigo e joio cresçam juntos, para que – como diz o dono do campo – “não aconteça que, arrancando o joio, vocês arranquem também o trigo. Deixem crescer um e outro até à colheita. E no tempo da colheita direi aos ceifadores: arranquem primeiro o joio, e o amarrem em feixes para ser queimado. Depois recolham o trigo no meu celeiro!” (Mt 13,29-30).
O discernimento não ideológico
A espiritualidade de Inácio de Loyola é uma espiritualidade histórica, ligada à dinâmica da história. De fato, ela faz levedar a história e organiza, estrutura uma instituição. O ministério espiritual de Inácio se institucionaliza no serviço da Igreja, dando forma à Companhia de Jesus e à sua capacidade de diálogo com a cultura e com a história.
Na realidade, esse é o pano de fundo sobre o qual se pinta um retrato mais complexo, que é de importância capital para compreender o modo de proceder de Bergoglio no seu pontificado. Ele observa que, na vida de Inácio, constata-se a coerência interna do seu projeto.
Mas o que é o “projeto” de Inácio, assim como Bergoglio o lê? Uma visão teórica pronta para ser aplicada à realidade para forçá-la dentro dos seus limites? Uma abstração a ser realizada concretamente? Na realidade, nada disso.
O projeto inaciano de Francisco “não é um planejamento de funções, não é uma variedade de possibilidades. O seu projeto consiste em tornar explícito e concreto aquilo que ele viveu na sua experiência interior” [8]. Compreende-se, assim, que a pergunta sobre qual é o “programa” do Papa Francisco não faz sentido. O papa não tem ideias pré-fabricadas a serem aplicadas ao real, nem um plano ideológico de reformas prêt-à-porter, mas avança com base em uma experiência espiritual e de oração que ele compartilha passo a passo no diálogo, na consulta, na resposta concreta à situação humana vulnerável.
Francisco cria as condições estruturais para um diálogo real e aberto, não pré-fabricado e estudado teórica e estrategicamente. Ele não hesitou em dizer, na homilia de Pentecostes de 2020, sobre a experiência do Cenáculo: “Os Apóstolos vão: despreparados, põem-se em jogo, saem”.
Claramente, essa visão implica que o pastor está plenamente inserido no povo de Deus, pertence ao seu povo. Como exemplo concreto, pensemos no que ocorreu no Chile. Na sua carta do dia 8 de abril de 2018, dirigida aos bispos do Chile após o relatório entregue por Dom Charles Scicluna sobre os abusos cometidos pelo clero, Francisco escreveu: “Naquilo que me diz respeito, reconheço, e quero que assim o transmitam fielmente, que incorri em graves equívocos de avaliação e percepção da situação, especialmente por falta de informações verídicas e equilibradas. Já agora peço perdão a todos aqueles a quem ofendi e espero poder fazê-lo pessoalmente, nas próximas semanas, nas reuniões que terei com representantes das pessoas entrevistadas”.
A partir dessas palavras, compreende-se bem que só “imergindo” no povo e nos seus sofrimentos é que o papa se deu conta dos fatos. Mas isso, como se vê, é uma forma de governo, afeta o governo da Igreja de maneira estrutural, não é somente uma questão de estilo. As ideias pré-fabricadas não servem, e as informações podem não ser equilibradas e verídicas: somente o encontro e a imersão permitem um governo sábio.
Essa é uma reforma de estilo institucional que talvez ainda deva ser totalmente compreendida e estudada, especialmente se posta em relação com os tempos em que vivemos, na atual época eclesial e no futuro do cristianismo. Um dos seus ícones mais eficazes talvez seja o de um pontífice que, em pleno tempo de pandemia, sozinho, em uma Praça São Pedro vazia, envia uma mensagem Urbi et Orbi e abençoa eucaristicamente o mundo.
Esse modo de proceder se chama “discernimento”: é o discernimento da vontade de Deus na vida e na história. Embora ele se realize no âmbito do coração, da interioridade, a sua matéria-prima é sempre o eco que a realidade reverbera no espaço interior. É uma atitude interior que nos leva a estar abertos ao diálogo, ao encontro, a encontrar Deus onde quer que ele se deixe encontrar, e não apenas nos perímetros pré-determinados, bem definidos e delimitados.
E, sobretudo, não se faz discernimento sobre as ideias, mesmo entre as ideias de reforma, mas sobre o real, sobre as histórias, sobre a história concreta da Igreja, porque a realidade é sempre superior à ideia [9]. Por isso, o ponto de partida é sempre histórico e consiste, acima de tudo, em reconhecer que “Deus trabalha e atua por mim em todas as coisas criadas sobre a face da terra”.
As ações e as decisões, portanto, devem ser acompanhadas por uma leitura atenta, meditativa, orante da experiência. E a vida do espírito tem os seus critérios próprios. Por exemplo, quando uma proposta de reforma é levantada, para Francisco não é importante apenas a proposta em si, mas também o espírito – bom ou mau – que a leva em frente. Isso emerge não apenas a partir daquilo que é proposto, mas também do modo, da linguagem com a qual essa proposta é expressada. Aliás, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio – como bem entendeu o semiólogo Roland Barthes [11] – geram uma linguagem que deve ser totalmente discernida.
Uma nota do papa compartilhada com a La Civiltà Cattolica
A Congregação Geral de um Sínodo, por exemplo, para o papa, é um tempo de “exercício espiritual”, no qual se experimentam consolações e desolações, onde falam o bom espírito e o mau espírito, e onde também são comuns as tentações sob a aparência de bem.
É precisamente a essa situação que se refere uma nota pessoal que o Santo Padre quis compartilhar com a La Civiltà Cattolica. Nela, leem-se reflexões que nos ajudam a entender. Francisco escreve que, às vezes, o “mau espírito” acaba “condicionando o discernimento, favorecendo posições ideológicas (de um lado e de outro), favorecendo conflitos exaustivos entre setores e, o que é pior, enfraquecendo a liberdade de espírito tão importante para um caminho sinodal”.
Verifica-se, nesse caso, “uma atmosfera que acaba distorcendo, reduzindo e dividindo a sala sinodal em posições dialéticas e antagônicas, que em nada ajudam a missão da Igreja. Porque cada um, entrincheirado na ‘sua verdade’, acaba se tornando prisioneiro de si mesmo e das suas posições, projetando em muitas situações as próprias confusões e insatisfações. Assim, caminhar juntos torna-se impossível”.
Referindo-se ao Sínodo para a Amazônia, a respeito da ordenação sacerdotal de viri probati, Francisco escreve: “Houve uma discussão (...) uma discussão rica (...) uma discussão bem fundamentada, mas nenhum discernimento, que é algo diferente de chegar a um bom e justificado consenso ou a maiorias relativas”.
E continua: “Devemos entender que o Sínodo é mais do que um Parlamento; e, neste caso específico, não podia fugir dessa dinâmica. Sobre esse assunto, ele foi um Parlamento rico, produtivo e até necessário; mas não mais do que isso. Para mim, isso foi decisivo no discernimento final, quando pensei em como fazer a Exortação”.
Não se trata aqui de resolver a questão entre quem tem razão e quem está errado, muito menos em dizer se o papa concorda ou não com o tema da ordenação sacerdotal de viri probati. Aqui, coloca-se a questão de como se toma uma decisão, da forma mentis e da necessidade de um discernimento que seja verdadeiramente livre.
Então, “uma das riquezas e a originalidade da pedagogia sinodal está precisamente em sair da lógica parlamentar para aprender a escutar, em comunidade, aquilo que o Espírito diz à Igreja; por isso, eu sempre proponho que se fique quieto após um certo número de intervenções. Caminhar juntos significa dedicar tempo para uma escuta honesta, capaz de nos fazer revelar e desmascarar (ou pelo menos de ser honestos) a aparente pureza das nossas posições e de nos ajudar a discernir o trigo que – até a Parusia – sempre cresce no meio do joio. Quem não realizou essa visão evangélica da realidade se expõe a uma inútil amargura. A escuta sincera e orante nos mostra as ‘agendas ocultas’ chamadas à conversão. Que sentido teria a assembleia se não fosse para escutar juntos o que o Espírito diz à Igreja?”.
A nota tira esta conclusão: “Gosto de pensar que, em certo sentido, o Sínodo ainda não acabou. Este tempo de acolhida de todo o processo que vivemos nos desafia a continuar caminhando juntos e a colocar em prática essa experiência”.
O Sínodo, portanto, é um lugar de discernimento no qual emergem propostas. O magistério pontifício que dele brota com as Exortações Apostólicas é de escuta das propostas, mas também de discernimento do espírito que as exprime, para além de qualquer pressão midiática ou de maiorias referendárias.
Ele também avalia se o discernimento foi realmente tal ou se foi, ao invés disso, uma disputa. E, então, avalia se foi capaz de tomar uma decisão ou não. Se não houver as condições, o papa simplesmente não prossegue, sem, porém, negar a validade das propostas. Em vez disso, ele pede prosseguir no discernimento e deixa a discussão em aberto.
Um processo aberto e histórico
Para Francisco, a disposição interior para tomar as decisões está claramente expressada nos Exercícios Espirituais: “Não querer nenhuma coisa que não seja movida unicamente pelo serviço de Deus Nosso Senhor” (n. 155), razão pela qual se faz uma coisa ou outra com base em um único critério: “Se corresponde ao serviço e ao louvor da sua bondade divina” (n. 157), algo que se compreende misticamente, não funcionalisticamente.
As decisões de governo do papa “estão ligadas a um discernimento espiritual”, que “resgata a necessária ambiguidade da vida e permite encontrar os meios mais oportunos, que nem sempre se identificam com aquilo que parece grande ou forte” [13]. Portanto, ele escuta consolações e desolações, tenta entender para onde elas o conduzem e toma as suas decisões de acordo com esse processo espiritual.
Francisco aprendeu tudo isso a partir da lição de São Pedro Fabro, que, no seu “Memorial”, distingue “todo o bem que poderei fazer” e “a mediação do Espírito bom e santo” com o qual pode fazê-lo ou não. Portanto, também no processo de reforma da Igreja, há um bem que poderia ser realizado sem a mediação do Espírito. Ou há “coisas verdadeiras” que não podem ser ditas com o “espírito de verdade” (Memorial, n. 51). Essa sabedoria espiritual de Fabro estava bem presente na lição do Pe. Miguel Ángel Fiorito, que foi o pai espiritual do papa.
Como já dissemos, para Francisco, São Pedro Fabro é o “padre reformado”. A tarefa do reformador é iniciar ou acompanhar os processos históricos. Esse é um dos princípios fundamentais da visão bergogliana: o tempo é superior ao espaço. Reformar significa iniciar processos abertos e não “cortar cabeças” ou “conquistar espaços” de poder. É precisamente com esse espírito de discernimento que Inácio e os primeiros companheiros enfrentaram o desafio da Reforma Protestante.
O papa tem bem claro o contexto, a situação de partida; está informado, escuta opiniões; é solidamente aderente ao presente. No entanto, o caminho que pretende percorrer está verdadeiramente aberta para ele, não existe um “road map” apenas teórico: o caminho se abre caminhando. Portanto, o seu “projeto” é, na realidade, uma experiência espiritual vivida, que toma forma por graus e que se traduz em termos concretos, em ação. Não é um plano que faz referência a ideias e conceitos que ele aspira realizar, mas sim uma vivência que faz referência a “tempos, lugares e pessoas”, segundo uma expressão típica de Inácio; portanto, não a abstrações ideológicas, a um olhar teórico sobre as coisas. Razão pela qual essa visão interior não se impõe à história tentando organizá-la de acordo com as suas próprias coordenadas, mas dialoga com a realidade, se insere na história – às vezes pantanosa ou lamacenta – dos homens e da Igreja, se desdobra no tempo.
Francisco é o papa dos “exercícios”, como o superior que – na sua visão – deve ser “guia dos processos e não mero administrador” [15]. Essa é, em sua opinião, a forma do verdadeiro “governo espiritual” [16]. O pontificado bergogliano e a sua vontade de reforma não são e não serão apenas de ordem “administrativa”, mas de início e de acompanhamento de processos: alguns rápidos e fulgurantes, outros extremamente lentos. E nunca caem naquela forma de pragmatismo que identifica a reforma em si mesma com o documento que a aprova.
Em reflexões escritas quando era padre jesuíta e durante o seu mandato de provincial dos jesuítas argentinos, Bergoglio explica essa dinâmica do processo com inteligência espiritual e prática. Ele usa uma imagem muito eficaz de origem evangélica: “Somos encorajados a edificar a cidade, mas talvez será preciso derrubar o modelinho que havíamos desenhado na nossa cabeça. Temos que tomar coragem e deixar que o cinzel de Deus esculpa o nosso rosto, embora os golpes apaguem alguns tiques que acreditávamos serem gestos”.
A pars destruens, que consiste em derrubar o “modelinho”, é funcional para deixar o cinzel nas mãos de Deus. Eis outra nota interessante para compreender a ação de Francisco: “Nos processos, esperar significa crer que Deus é maior do que nós mesmos, que é o próprio Espírito quem nos governa” [18]. O papa tem uma constante dinâmica de discernimento, que o abre para o futuro, também o da reforma da Igreja, que não é um “projeto”, mas sim um “exercício” do espírito que não apenas pretos e brancos, como veem aqueles que sempre querem travar “batalhas”. Bergoglio vê nuances e gradualidades, tenta reconhecer a presença do Espírito e a semente já plantada da sua presença nos percursos eclesiais.
Um processo atento para encontrar o máximo no mínimo
O princípio que sintetiza essa visão evolutiva é o lema: “Non coerceri a maximo, contineri tamen a minimo, divinum est”, que se poderia traduzir assim: “Não ser constrangido por aquilo que é maior, conter-se naquilo que é menor, isso é divino”.
Esse pensamento acompanha Bergoglio pelo menos desde os anos em que ele era provincial, como documenta um de seus ensaios intitulado “Conducir en lo grande y en lo pequeno”, talvez o mais relevante [20]. Nesse ensaio, ele afirma que não há nada que seja grande ou pequeno em si mesmo: “Santo Inácio não considera o que é ‘pequeno’, ou ‘grande’, ou ‘fraco’, ou ‘forte’ no contexto de uma visão funcionalista do mundo, mas sim na concepção espiritual da vida”.
O que o papa quer dizer? Que o grande projeto de reforma pode se realizar no gesto mínimo, no pequeno passo, até mesmo no encontro com uma pessoa, por exemplo, ou na atenção a uma situação de necessidade particular. Esse é também o motivo pelo qual Francisco não se dirige apenas e genericamente às autoridades, aos governantes ou a categorias de pessoas, mas muitas vezes diretamente também aos sujeitos vítimas de situações negativas ou de exploração. Ele aponta para o pequeno, para a situação concreta, mas que traz em si a semente da reforma evangélica.
Mas isso significa também que as “formas” do seu magistério se tornam flexíveis. A nota de um documento pode valer mais do que um parágrafo; uma homilia em Santa Marta pode ser mais evangelicamente densa do que um discurso oficial; uma mensagem ocasional pode ser tão incisiva quanto uma exortação apostólica [22]. A densidade teológica do magistério de Francisco não respeita funcionalisticamente as “formas” previstas, mas se adapta aos tempos e aos momentos.
Um processo que enfrenta limites, conflitos e problemas
Bergoglio nunca fala de um desejo heroico e sublime. Ele não é “maximalista”. Ele não crê em um idealismo rígido, nem em um “eticismo”, nem em um “abstracionismo” espiritualista [23]. Os limites, os conflitos e os problemas fazem parte do caminho espiritual. Ou, melhor, dentro do crescimento, é preciso “não maltratar os limites”.
Com essa expressão, Bergoglio pretende advertir novamente contra a agressão do idealismo, “que sempre tem a tentação de projetar o esquema ideal sobre a realidade, sem levar em conta os limites dessa realidade (seja ela qual for). Esse perigo pode aparecer também em nível ascético: maltratar os limites por excesso (exigindo de forma absolutista) ou por defeito (cedendo, não fixando limites que deveriam ser postos)”.
Também não se devem temer os conflitos, que às vezes abalam e amedrontam. Francisco usou uma bela imagem ao falar aos superiores das ordens religiosas masculinas em novembro de 2013: “acariciar os conflitos”. Mas, para Bergoglio, a própria característica da Companhia de Jesus é “possibilitar a harmonização das contradições” [26], o que certamente não é favorecido pela rigidez, diante da qual o papa muitas vezes pede para ter cuidado.
As contradições fazem parte de uma história fecunda. Assim como os problemas, na realidade. A tal ponto que nem sempre é oportuno resolvê-los, escreve Bergoglio. Nem sempre um problema precisa ser resolvido, imediatamente. Há um discernimento que envolve a história e verifica os tempos e os momentos [27]. Às vezes, um problema é resolvido sem querer enfrentá-lo logo. Portanto, é preciso compreender os processos em curso, também renunciando às coisas do momento. Estas são palavras importantes para entender a atitude de Francisco em relação aos tempos do processo reformador.
Um processo que enfrenta tentações
A tentação frequentemente se aninha nas instituições, especialmente nas altas, santamente sublimes. “O mau espírito – escreve Bergoglio – é astuto o suficiente para saber que a sua batalha se torna realmente difícil e tem poucas probabilidades de vitória quando tem que enfrentar homens e comunidades em que o traço dominante é a sabedoria do Espírito”.
Nesse caso, ele age buscando tentar sob a aparência do bem. A sutileza do argumento do “Inimigo” torna-se extrema, porque quem é tentado crê que deve agir pelo bem da Igreja. A maior sutileza consiste em “fazer-nos crer que a Igreja está se desnaturando e tentar nos convencer de que, portanto, nós devemos salvá-la, talvez até mesmo apesar dela mesma. Trata-se de uma tentação constante e presente sob uma infinidade de máscaras diferentes, mas que, em última análise, todas têm algo em comum: a falta de fé no poder de Deus que sempre habita a sua Igreja”.
Daí também “os infrutíferos confrontos com a hierarquia, os conflitos devastadores entre ‘alas’ (por exemplo, ‘progressista’ ou ‘reacionária’) dentro da Igreja (...) em suma, todas aquelas coisas em que ‘absolutizamos’ aquilo que é secundário".
Além disso, Francisco não está ligado a “alas” políticas. Em vez disso, ele aprecia a honestidade, que pode ser própria dos progressistas assim como dos conservadores. O seu julgamento prescinde também da abertura ou do fechamento “mental”: ele é atraído pela honestidade do julgamento.
Em vez disso, o ideólogo (de “direita” ou de “esquerda”) muitas vezes vive a tentação sob a aparência do bem, que tem o efeito de separar a Igreja da realidade, da história: esse é um dos seus resultados mais desastrosos e pervasivos. Experimentamo-lo, por exemplo, quando surgem figuras que parecem querer substituir o papa na defesa da doutrina ou da verdadeira reforma, ou quando elas semeiam incertezas e confusão, permitindo até que se imaginem perigos para a ortodoxia ou para a mudança [30]. E isso particularmente quando, ao assumir tais atitudes, a hipocrisia induz a professar abertamente “devoção filial” ao Santo Padre e um espírito de respeitosa “correção fraterna”.
Hoje, a tentação na qual alguns comentaristas e analistas correm o risco de cair é a de imaginar um papa que constrói um “road map” de reformas institucionais, elaboradas com espírito projetual, funcionalista e organizacional. Assim como a tentação de projetar os conteúdos desse mapa sobre o andamento do pontificado e, enfim, de julgá-lo à luz de tais critérios. Francisco tem no discernimento a chave do desenvolvimento e do dinamismo – atualmente bem ativo – do seu ministério petrino.
Não há um plano abstrato de reforma a ser aplicado à realidade. Portanto, “os Apóstolos não preparam uma estratégia; quando estavam fechados lá, no Cenáculo, não faziam a estratégia, não, não preparavam um plano pastoral” [31]. Não é nesse nível que se encontra a medida do dinamismo do pontificado.
Em vez disso, existe uma dialética espiritual que observa e escuta não apenas os pensamentos e as propostas para o caminho da Igreja, mas também de qual espírito (bom ou mau) eles vêm, para além da sua própria validade em si mesmos e por si mesmos.
Compreendemos, portanto, que é preciso evitar o risco de curvar o desejo de reforma ao “mundanismo espiritual”. Cedemos a tal mundanismo todas as vezes que fazemos o bem, mas o fazemos para alcançar os nossos objetivos, as nossas “ideias” de Igreja assim como ela deveria ser, não inspirados pelo discernimento próprio da fé em Jesus.
A lógica mundana continua sendo a última e mais profunda tentação – também de caráter estrutural – contra a qual é preciso lutar sem fôlego na Igreja. Na sua homilia na missa de Pentecostes de 2020, Francisco declarou abertamente: “O olhar mundano vê estruturas a serem tornadas mais eficientes; o olhar espiritual vê irmãos e irmãs mendicantes de misericórdia” [32]. É precisamente esse o olhar que sabe ver na Igreja um “hospital de campanha”, imagem eficaz da sua verdadeira estrutura.
“Eu vejo com clareza – disse o papa à La Civiltà Cattolica na sua primeira entrevista de 2013 – que aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a vizinhança, a proximidade. Eu vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se ele tem colesterol e açúcares altos! É preciso curar as suas feridas. Depois podemos falar de todo o restante. Curar as feridas, curar as feridas...”.
A análise é do jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica,publicado no Caminho Político. A tradução é de Moisés Sbardelotto.Edição: Régis Oliveira.Foto: Arquivo. Caminho Politico

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