"Democrata é o cacete. Não tem mais quatro linhas", disse Roberto Criscuoli, que foi exonerado por ceder centro do Exército para treinamento de combatentes privados e ofereceu seus mercenários para o golpe de Bolsonaro. Investigado em Inquérito Policial Militar (IPM) no ano de 2005, quando, como comandante, autorizou o uso do Centro de Instrução de Gericinó, no Rio de Janeiro, para treinamento de ex-militares como mercenários pela empresa Firs Line, o coronel Roberto Raimundo Criscuoli pregou uma "guerra civil" logo após Lula vencer Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais, em 30 de outubro de 2022.
Criscuoli, que foi exonerado do Exército e associou-se à Stam Strategic - transnacional que fornece combatentes privados para atuar em conflitos em todo o mundo -, ofereceu suas tropas de mercenários na conversa que teve com o general Mário Fernandes, então ministro-adjunto da Secretaria-Geral a Presidência, no dia 4 de novembro de 2022.
A troca de mensagens consta no relatório da Polícia Federal que embasou o pedido de prisão da facção homicida, comandada por Fernandes, que planejava o assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.
"Só que a guerra civil agora tem uma justificativa, o povo tá na rua, nós temos aquele apoio maciço. Daqui a pouco nós vamos entrar numa guerra civil, porque daqui a alguns meses esse cara [Lula] vai destruir o exército, vai destruir tudo. [...] Ele vai mandar todos os quatro estrela embora. Vai ficar com o Gedias [General Marco Edson Gonçalves Dias, que assumiu o GSI e foi demitido após o 8/1] e alguns outros aí. Cara, não vai ficar legal, cara. É melhor ir agora. Que o povo tá na rua e pedindo que daqui a pouco nós vamos ir por interesse próprio. Aí não vale. Aí eu não vou. Aí eu não vou. Então a hora de ir é agora, cara", emendou.
"Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata agora. Ah, não vou sair das quatro linhas. Acabou o jogo, pô. Não tem mais quatro linhas. O povo na rua tá pedindo, pelo amor de Deus. Vai dar uma guerra civil? Vai dar. Eu tenho certeza que vai dar. Porque os vermelhos vão vir feroz. Mas nós estamos esperando o quê? Dando tempo pra eles se organizarem melhor? Pra guerra ser pior? Irmão, vamos agora", insiste o coronel.
Já alinhado com empresas que fornecem combatentes nos conflitos pelo planeta, Criscuoli então sinaliza que fornecerá mercenários, caso a guerra civil seja desencadeada.
"Fala com o 01 aí, cara. É agora. Hoje eu tô dentro. Amanhã eu não tô mais, não. Amanhã é o que eu quero dizer daqui a pouco. Por interesses outros eu não vou. Nem eu e nem a turma daqui", diz a Fernandes.
Mercenários
Conforme revelou Cleber Lourenço, nesta Fórum, Roberto Raimundo Criscuoli, ex-tenente-coronel do Exército Brasileiro e ex-comandante do Centro de Instrução de Gericinó, foi investigado em um Inquérito Policial Militar (IPM) após autorizar o uso de instalações do Exército para treinamentos de mercenários, conectando seu nome a desvios de recursos públicos e interesses privados.
O episódio que levou Criscuoli a ser investigado em um IPM começou em 2005, quando ele autorizou que o Centro de Instrução de Gericinó, no Rio de Janeiro, fosse utilizado para treinar ex-militares brasileiros recrutados pela empresa First Line.
Representada pelos italianos Giovanni Spinelli, Cristiano Meli e Salvatore Miglio, que também atuavam como recrutadores, a First Line oferecia contratos de dois anos com salários de US$ 3 mil mensais, atraindo pelo menos cinco militares da reserva, entre eles dois sargentos, dois cabos e um soldado.
No entanto, investigações revelaram que a First Line operava com registros falsificados e sem oferecer garantias legais aos recrutados. O caso gerou um escândalo que culminou na exoneração de Criscuoli e do general Rui Monarca da Silveira.
Após deixar o Exército, associou-se à Stam Strategic, uma empresa internacional de segurança privada que opera em zonas de conflito ao redor do mundo.
A Stam tem entre seus líderes os mesmos Giovanni Spinelli e Salvatore Miglio, antigos recrutadores ligados ao episódio de Gericinó (RJ), reforçando a ligação de Criscuoli com redes que utilizam a expertise militar brasileira para atender demandas privadas.
A transnacional oferece serviços como mitigação de riscos, inteligência e treinamento, promovendo a atuação de ex-militares em missões de alto risco sem garantias trabalhistas ou jurídicas robustas. Essa relação entre Criscuoli, Spinelli e Miglio destaca a “porta giratória” entre o setor público e o privado, onde figuras militares utilizam sua experiência e conexões adquiridas no Exército para explorar mercados globais de segurança.
Criscuoli e a Operação Contragolpe
Em 2022, Criscuoli voltou a ser mencionado em investigações de alto impacto, desta vez na Operação Contragolpe, que apura a tentativa de golpe de Estado após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Relatórios da Polícia Federal revelaram mensagens trocadas entre o coronel e o general Mário Fernandes, preso pela PF, onde Criscuoli afirmou: “Democrata é o cacete” e que “não tem que ser mais democrata agora”.
As mensagens sugerem alinhamento de Criscuoli com discursos antidemocráticos e indicam sua possível participação em articulações para desestabilizar o governo eleito. Embora negue envolvimento direto, à imprensa o coronel admitiu que as conversas refletiam o clima político tenso da época.
Sua menção nas investigações levanta questionamentos sobre o papel de militares da reserva em redes que promovem a ruptura institucional.
Plinio Teodoro/Revista Fórum/Caminho Político
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