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quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Movimento pela reparação histórica da escravidão ganha força

Investigações jornalísticas e iniciativas de organizações esquentam debates, mas ações ainda são insuficientes, apontam especialistas ouvidos pela Agência Pública. Este texto faz parte do Projeto Escravizadores, uma investigação inédita da Agência Pública. O trabalho foi financiado pelo Pulitzer Center e republicado pela DW.
Em 19 de novembro de 1993, um grupo de 12 ativistas negros, entre homens e mulheres, a maioria estudantes da Universidade de São Paulo (USP), fez um protesto. Eles almoçaram do bom e do melhor no Maksoud Plaza, hotel cinco estrelas que tinha, à época, um dos restaurantes mais caros de São Paulo (SP). Mas, quando a conta vultosa chegou, os manifestantes disseram que os valores podiam ser "pendurados" na dívida histórica que o país tinha com a população negra. O calote protesto foi uma forma de captar os olhares da imprensa e da opinião pública, às vésperas do Dia da Consciência Negra e do aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, para a pauta da reparação pela escravidão.
O ato marcava o lançamento do Movimento Pelas Reparações dos Afrodescendentes (MPR), que pleiteava o pagamento de indenização pelo Estado brasileiro a cada um dos descendentes de escravizados do país. O montante total demandado ultrapassava os 6 trilhões de dólares, em valores da época – o equivalente a 12 vezes o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro de então.
"Nós, afrodescendentes, somos os herdeiros diretos, no sentido negativo, da escravidão", diz o jornalista e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Fernando Conceição, um dos participantes do ato no Maksoud Plaza. Na época do protesto, o Brasil vivia os primeiros anos pós-redemocratização e o mito da democracia racial, que negava a existência do racismo no Brasil, vinha sendo cada vez mais questionado. Nos meses seguintes, o grupo captou assinaturas em vários estados para propor um projeto de lei popular que tornasse as reparações pela escravidão uma realidade.
O pleito não prosperou, mas parte das propostas serviram de base para a formulação do Estatuto da Igualdade Racial, um dos principais instrumentos reparatórios da desigualdade racial do país.
Mais de 30 anos depois do protesto, neste 21 de novembro, a União fez um pedido de desculpas pela escravização de pessoas em um evento organizado pela Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Igualdade Racial e a organização Educafro Brasil. "A União manifesta publicamente seu pedido de desculpas pela escravização das pessoas negras, bem como de seus efeitos. Reconhece que é necessário envidar esforços para combater a discriminação racial e promover a emancipação das pessoas negras brasileiras. Por fim, compromete-se a potencializar o foco de criação de políticas públicas com essa finalidade", disse o advogado-geral da União, Jorge Messias.
"O nosso suor, que deu riqueza aos antepassados deles, precisa ser devolvido a nós, porque nós estamos sofrendo as consequências dessa escravidão", afirmou o fundador e diretor-executivo da Educafro, Frei David Santos. Para ele, o pedido de perdão é apenas uma chave para abrir outras portas da justiça de reparação no Brasil. "Ora, todo mundo que pede desculpa, automaticamente está confessando a sua culpa", disse.
Na esteira das manifestações que tomaram o mundo desde o início do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), nos Estados Unidos, a discussão sobre reparação tem ganhado cada vez mais força. No Brasil, uma ação inédita contra o Banco do Brasil, uma instituição financeira bicentenária, demanda medidas reparatórias pela participação da empresa no tráfico negreiro.
Nos Estados Unidos e também no Reino Unido, universidades prestigiadas como Harvard, Cambridge, Glasgow e Oxford, além de empresas tradicionais, têm revisitado seu passado escravista e adotado medidas de compensação. É o caso do jornal britânico The Guardian, cujo conselho de administração financiou uma pesquisa sobre as ligações do fundador do jornal e de seus financiadores iniciais com o tráfico negreiro. Em reação à descoberta, o veículo apresentou um pedido de desculpas formal e anunciou um programa de justiça restaurativa de uma década, com investimentos acima de 10 milhões de libras (mais de R$ 75 milhões, na cotação atual).
O jornal britânico lançou ainda a série multimídia "Cotton Capital" (Capital do Algodão, em tradução livre), que aborda o legado da escravidão e explora os achados da pesquisa – que incluem a identificação de parte das pessoas escravizadas conectadas com os fundadores do veículo.
Mais do que apenas reparações financeiras diretas aos descendentes de escravizados, as demandas de quem clama por justiça reparatória também envolvem medidas simbólicas, como pedidos de perdão, criação de monumentos e promoção de memória e verdade sobre o período escravista. Cotas raciais e cancelamento de dívidas acumuladas pelos países explorados pelas potências coloniais também aparecem como caminhos possíveis para reparar o legado de desigualdade deixado pela escravidão.
Em uma das matérias publicadas no especial do The Guardian, a historiadora francesa Olivette Otele sintetiza o que querem aqueles que clamam por justiça reparatória. "No centro das demandas por reparações está o entendimento de que o passado não pode ser apagado e não deve ser ignorado. As antigas potências coloniais não podem desfazer o dano que infligiram a pessoas escravizadas e colonizadas, mas podem se engajar de boa-fé com os descendentes dessas pessoas e trabalhar para enfrentar as desigualdades sistêmicas que existem hoje."
Brasil teve avanços, mas desigualdade racial persiste
O Brasil é, de longe, o país que recebeu o maior contingente de africanos escravizados do planeta. Segundo o Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos, 4,86 milhões de escravizados foram desembarcados no território brasileiro entre 1501 e 1900 – muitos deles após a proibição do tráfico negreiro. A eles, se somam milhões de brasileiros nascidos sem liberdade ao longo dos séculos em que o regime escravista perdurou no Brasil, o último país das Américas a abolir a escravidão, em 13 de maio de 1888. Segundo um estudo da Universidade de West Indies, em parceria com a American Society of International Laws, o valor a ser pago de indenizações pela escravidão no Brasil poderia chegar a R$ 135 trilhões.
Mais de 130 anos depois da abolição, o movimento negro conquistou avanços importantes, que se inserem na lógica de justiça reparatória. Além da criação do Estatuto da Igualdade Racial, a adoção de cotas raciais vingou e se tornou generalizada nas universidades e no serviço público. Em 2020, 52% dos matriculados em universidades federais eram pretos e pardos, ante 41% em 2010, antes da Lei de Cotas.
Houve também avanços, ainda que lentos e insuficientes, na titulação de terras quilombolas e no ensino da história e da cultura afro-brasileira, que se tornou obrigatório pela Lei 10.639/03. As conquistas, na visão de especialistas, militantes e autoridades com quem a Agência Pública conversou, no entanto, não são suficientes para reparar o legado perverso de desigualdade causado pelos séculos de regime escravocrata.
"Temos um monte de gente que foi para as universidades, cotistas que são doutores, mas seguem vivendo as agruras do racismo no Brasil. Isso tem a ver com uma mentalidade, um valor que é incrustado na alma do povo brasileiro, de que o preto vale menos. Isso vem desde a escravidão", aponta o advogado Humberto Adami, vice-presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
À frente da coordenação-geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas – um órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, criado no início do governo Lula –, a pesquisadora Fernanda Thomaz diz que "a população que sofreu com a escravidão é a mesma que hoje tem as piores condições de habitação, de saúde, de acesso à educação, de acesso ao trabalho, que sofre com uma violência policial gigantesca".
"É preciso reconhecer essa violência do passado e pensar, a partir desse reconhecimento, como se pode promover melhores condições que rompam com essa violência histórica na vida das pessoas que herdaram o efeito perverso da desigualdade racial causada pela escravidão", conclui Thomaz.
Ação mira participação do Banco do Brasil no tráfico ilegal de escravizados
Um inquérito civil sem precedentes está colocando a riqueza acumulada por empresas brasileiras durante a escravidão sob os holofotes. A ação em questão mira o bicentenário Banco do Brasil (BB). A revelação do vínculo da instituição financeira com a escravidão veio de um estudo feito por um grupo de 14 historiadores, que serviu de base para a instauração de um inquérito civil pelo Ministério Público Federal (MPF), em setembro de 2023.
Segundo os pesquisadores, boa parte dos recursos utilizados na refundação do banco, em 1853, veio do tráfico negreiro, que na época já era proibido no país. Um dos empresários que assinaram o termo de refundação do Banco do Brasil, por exemplo, José Bernardino de Sá, tinha como principal atuação o contrabando de escravizados.
Depois que a descoberta veio a público, a direção do BB divulgou uma carta aberta pedindo perdão pelo envolvimento de "suas versões predecessoras" na escravidão e apontou medidas já tomadas e em andamento em prol da igualdade racial. Posteriormente, anunciou a formulação de um "pacto pela igualdade racial", em parceria com o Ministério da Igualdade Racial (MIR).
Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto do MPF Julio Araujo Junior, o reconhecimento da importância do tema pelo banco é notável, mas não é suficiente. É fundamental, diz, que a instituição "aprofunde a investigação sobre a sua participação na escravidão, estruture um novo pensamento sobre a organização e o funcionamento da instituição e apresente um plano de reparação para a sociedade".
O MPF expediu uma recomendação instando que o pacto anunciado pelo BB não seja "uma mera carta de intenções", mas traga indicação de recursos e pautas prioritárias. O Banco do Brasil prometeu que vai anunciar as medidas no próximo dia 4 de dezembro.
À espera do anúncio, o procurador Araujo Junior ressalta que "os efeitos da escravidão não ficaram no passado". "São efeitos do presente e do futuro. Uma sociedade que não se reconcilia, que não olha para esse passado, certamente tem um risco de perpetuar e de repetir essas violações no futuro."
Rafael Oliveira/Mariama Correia/Guilherme Cavalcanti da Agência Pública/Caminho Político
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