
Do campo à mesa
O governo prefere não fazer separação entre agricultura familiar e comercial. "Está tudo muito integrado. Agricultura no Brasil é uma só", afirma Geller. "Quem produz comida é o produtor brasileiro: o pequeno, médio e grande." Em documentos oficiais, no entanto, a divisão ainda é feita. Dados da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário apontam a existência de 4,4 milhões de agricultores familiares. Eles seriam responsáveis por 38% da produção agropecuária brasileira e empregariam 74% da força de trabalho. A diferenciação também é clara para pesquisadores. "No modelo de agronegócio, predomina a monocultura, ou um pequeno número de culturas, as chamadas commodities, enquanto na agricultura familiar predomina a policultura e a produção de alimentos", aponta Danilo Aguiar, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos. "A agricultura empresarial é mais capital intensiva, faz uso de mais máquinas e insumos químicos e menos mão de obra, normalmente desenvolvida em propriedades maiores, voltada totalmente para o mercado", adiciona Aguiar.
Dinheiro para quem produz
As distinções também orientam os incentivos federais. Em 2017, o governo anunciou R$ 30 bilhões de crédito até 2020 para o Plano Safra da Agricultura Familiar – o que daria cerca de R$ 7,5 bilhões por ano. Para médios e grandes produtores, foram liberados R$ 190 bilhões no ano. Segundo Geller, os recursos contemplam todos os perfis. "O pequeno também é beneficiado por esse recurso. Não quer dizer que os R$ 190 bilhões vão só para o médio e grande, a soma contempla também o pequeno", argumenta. Essa informação parece não ter chegado ao estado da Bahia, onde se encontra o maior número de agricultores familiares do país. É onde vive a agricultora Joélia dos Santos Andrade, que ajudou a criar uma cooperativa de trabalhadores na agricultura familiar na região de Mutuípe. "Entendi há pouco tempo que o que fazemos como modo de vida é fundamental para alimentar muita gente", explica. "Mas o crédito rural para agricultura familiar caiu muito no último ano." Há pelo menos duas gerações, a família de Joélia cultiva milho, feijão, mandioca, batata doce, inhame, hortaliças e frutas em sua pequena propriedade. O que sobra, vira renda – sai de Mutuípe, interior da Bahia, para ser vendido em feiras livres, centros de distribuição, abastece escolas e chega até a capital.
Comida e política
Os agricultores familiares também lamentam a pouca representatividade em Brasília. Depois da extinção do Ministério de Desenvolvimento Agrário, em 2016, que era voltado para agricultura familiar, uma secretaria especial, ligada à Casa Civil, foi criada. Ela está fora da alçada do Ministério da Agricultura, comandado por Blairo Maggi, que ficou conhecido como "rei da soja". "Isso diminuiu o status da importância da agricultura familiar", critica Antoninho Rovaris, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag). "Está claro que o Ministério da Agricultura, que é dos grandes produtores e tem grande bancada no Congresso Nacional, se sobrepõe", afirma. "A bancada ruralista diz que está defendendo todo mundo. Mas não nos sentimos representados."
Nádia Pontes/cp
Nenhum comentário:
Postar um comentário