
Os anos de experiência em movimento associativo, que somam pelo menos duas décadas da minha vida, me ensinaram uma grande e valiosa lição. Não se pode radicalizar ao ponto de destruir aquilo pelo qual a luta se desenvolve. Ou, usando um ditado popular muito sábio, não se mata a galinha para proteger o pinto.
Neste momento, a indústria e a agricultura, que são os contratantes dos fretes, já anunciam perdas de R$ 34 bilhões segundo a Revista IstoÉ. Ainda que ocorra a redução de alguns centavos a mais do preço do diesel, ou qualquer outro benefício venha ser concedido pelo Poder Público aos caminhoneiros, os reflexos negativos nos setores se estenderão por pelo menos dois anos, diminuindo a saúde das empresas e gerando menos contratação de fretes. De forma clara, a greve já prejudica os próprios caminhoneiros que ficarão com menos trabalho.
Em um momento de crise, nunca sabemos ao certo como agir. A sociedade não está preparada, o governo não está preparado - e no momento estão todos parados, sem cuidar dos serviços públicos, lidando exclusivamente com a greve. Só há uma direção: é preciso ter responsabilidade.
A greve escancarou um fenômeno social que já vinha sendo percebido: não há grandes líderes. Cada um se sente seu próprio representante. E tem meios tecnológicos para se conectar independente de partidos ou sindicatos. Isso, como todo fenômeno, tem aspectos bons e ruins. É preciso que cada líder de si mesmo tenha responsabilidade para atuação em sociedade. Em um momento de crise, é preciso responsabilidade social. Ou seja: pensar no outro. Pensar no todo.
Reivindicações devem ser feitas, para que mudanças aconteçam, mas paralisações devem respeitar os percentuais mínimos de manutenção da normalidade. Isso traz uma importante reflexão: em que momento um movimento justo torna-se um instrumento que ameaça vida de pessoas, e dizima animais?
A resposta é fácil. Na falta de responsabilidade.
Assim que o Decreto de Garantia da Lei e da Ordem foi publicado, milhares de pessoas no país, independente de ser madrugada ou final de semana, assumiram papéis preponderantes. Isso é responsabilidade. Gestores, públicos e privados, sentaram juntos na mesma mesa, para resolver o que havia urgente, com advogados públicos, aqui falo do papel que exerço, orientando os atos emergenciais.
É preciso orientar a população nestes momentos - talvez por não termos grandes desastres naturais não nos preparamos – de que não se deve esgotar os produtos no supermercado ou estocar produtos inflamáveis em casa. Estabelecimentos comerciais não podem aumentar preços na hora da crise, gerando um “lucro” fictício, pois o efeito econômico negativo na economia, vai atingi-lo também (sem falar na multa e prisão)! Não será o pânico que nos tirará dessa situação. Será a responsabilidade.
E é a responsabilidade que deve falar com os articuladores difusos dessa paralisação, como se fosse o grande líder: hospitais distantes estão correndo risco, crianças estão sem estudar, caminhoneiros estão sem frete e as contas no final do mês não se pagam sozinhas.
Não se ganha tudo em uma única manifestação. A pauta de reivindicações é extensa. A luta politica, representativa, é diária, constante. Dura meses, anos. Dura a vida inteira. Talvez seja a hora de aproveitar esse ânimo novo, essa vontade de mudar a realidade, e sair do whatsapp, sair do bloqueio, e ir para seu sindicato. Criar as lideranças possíveis. E pensar em novas estratégias.
Porque a luta continua, para todos. Mas essa paralisação não adianta mais. Para ninguém.
Glaucia Amaral Procuradora do Estado e Corregedora-Geral da Procuradoria Geral do Estado
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