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domingo, 30 de junho de 2019

Opinião: "Pequena defesa de um dever", por Rafiza Varão

Interesse público nem sempre é determinante para veículos de comunicação ao publicarem conteúdos, mas não se pode esquivar-se de sua relevância como norteador da prática jornalística.Nas aulas de Jornalismo aprende-se, muito cedo, que a matéria-prima sobre a qual se debruça o profissional de imprensa é informação. Não qualquer informação, mas um tipo especial, forjado sobretudo a partir no século XIX: a notícia. Essa ideia é, ao mesmo tempo, um clichê e uma importante lição de base. Também se aprende a identificar a notícia no mundo que nos circunda, partindo de elementos que buscam demarcar a especificidade do jornalismo, circunscrevendo seu discurso numa zona bem delimitada. Normalmente chamados de critérios de noticiabilidade, os princípios mais gerais para abalizar o que deve ser noticiado nos dizem que a notícia deve ser um fato recente, inédito, verdadeiro, objetivo e, por fim, de interesse público. É nesse último fundamento, entretanto, que repousa uma das características mais marcantes daquilo que se pretende jornalismo – não só no que diz respeito ao conteúdo que as notícias portam, mas também à atividade jornalística como um serviço prestado à sociedade.
Apesar de não ser determinante para que veículos de comunicação publiquem ou não um determinado conteúdo (uma vez que vários outros fatores, como linha editorial e pressão pela audiência, podem influenciar nas decisões), o interesse público é valor primordial para identificar notícias que possuem real impacto para os cidadãos e que garantem a manutenção de ideais democráticos, em que os negócios da nação são conhecidos de forma transparente. Herança da Revolução Francesa, a noção de que o segredo é detestável perpassa a de interesse público e, como consequência, avança sobre o compromisso que os jornalistas devem firmar em relação ao direito à informação.
Dessa maneira, o primeiro capítulo do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros já avisa:
Capítulo I - Do direito à informação
Art. 1º O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros tem como base o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange seu o direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação.
Art. 2º Como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse, razão por que:
I - a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente de sua natureza jurídica - se pública, estatal ou privada - e da linha política de seus proprietários e/ou diretores.
II - a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público;
III - a liberdade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão;
IV - a prestação de informações pelas organizações públicas e privadas, incluindo as não-governamentais, é uma obrigação social.
V - a obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação, a aplicação de censura e a indução à autocensura são delitos contra a sociedade, devendo ser denunciadas à comissão de ética competente, garantido o sigilo do denunciante.
Os trechos acima não deixam dúvida sobre o norte que o direito à informação e o interesse público representam para o jornalismo, o que vai ser corroborado em outras passagens. O que quer que obstrua esse processo desvia da responsabilidade social que profissionais de imprensa devem carregar ao escolherem trabalhar na divulgação de notícias. O peso do interesse público sobre essa divulgação é o peso do engajamento que a profissão deveria selar todos os dias. Os gramas, quilos ou toneladas que o acompanham, pelo próprio Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, devem ser suportados mesmo quando as informações não tenham sido obtidas do modo mais adequado possível. Assim é dito, com as devidas ressalvas, que o jornalista não deve divulgar informações:
III - obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração.
Somado a isso, é necessário lembrar, ainda, trecho no qual se afirma:
“VII - é dever do jornalista combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercidas com o objetivo de controlar a informação”.
Nenhuma dessas ações implica em erro ou parcialidade de cobertura (muito menos em crime), mas no cumprimento acertado daquilo que lhe exige a profissão. Há um trecho de um poema de W.B. Yeats, sobre a guerra, em que um soldado irlandês desabafa: “Aqueles contra quem luto, não odeio,/Aqueles que defendo, não amo”. Sob extrema licença, talvez a luta do jornalismo se assemelhe a esses versos. Não se trata de um ato passional, mas de um ato de razão, de dever: a defesa da informação de notório interesse público. E ela não se defende pelo sigilo, pelo silêncio, mas pela publicação.
Rafiza Varão é doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (2012), na área de Teoria e Tecnologias da Comunicação. É mestre em Comunicação também pela Universidade de Brasília (2002), na área de Imagem e Som. Graduou-se em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo (1999). Leciona na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e trabalha especialmente com Teorias da Comunicação, Ética e Redação Jornalística. Coordena o projeto SOS Imprensa e é coordenadora editorial da FAC Livros.

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