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domingo, 15 de março de 2020

“Trabalho escravo não é uma questão de direita ou de esquerda. É uma questão de civilização X barbárie”, afirma Leonardo Sakamoto

Resultado de imagem para Leonardo SakamotoO jornalista Leonardo Sakamoto lançou o livro Escravidão Contemporânea (Editora Contexto). A obra reúne especialistas nacionais e estrangeiros que mostram o que é o trabalho escravo contemporâneo, sua história recente, como ele se insere no Brasil e no mundo, o que tem sido feito para erradicá-lo, e por que tem sido tão difícil combatê-lo. “A questão do trabalho escravo não foi só de uma pesquisa pontual para o livro. É o tema da minha vida. As pessoas me conhecem mais pela cobertura de política e direitos humanos, mas o trabalho escravo é o principal tema que eu cobri na minha vida”, afirma. O PI conversou com o jornalista sobre a criação do livro e sobre a importância do jornalismo no combate a este mal contemporâneo. “É função do jornalismo proteger a dignidade humana, a democracia e as liberdades individuais. Não há nada mais aviltante para a democracia e para as liberdades individuais do que a submissão de alguém ao trabalho análogo ao escravo. Não existe possibilidade de neutralidade diante do trabalho escravo. Não significa que você precisa apoiar uma política A, B ou C”, complementa.
Gostaria que você contasse sobre o processo de produção do livro. Como foi a pesquisa sobre o tema?
Leonardo Sakamoto – A Editora Contexto me convidou para escrever um livro sobre trabalho escravo contemporâneo, uma vez que eu atuo no tema há 21 anos. Eles me chamaram para escrever um livro que explicasse para a população brasileira o que é o trabalho escravo contemporâneo, como é que ele surge, como é que ele é mantido, quem lucra com isso e como é que se combate. Algo bem didático, mas também profundo.
Eu comecei a escrever e percebi que seria mais legal se eu convidasse para escrever cada capítulo pessoas que estudam e conhecem o tema no Brasil e no mundo. Aí nasceu o livro. Eu faço a apresentação, encomendei capítulo por capítulo e depois editei o livro de forma que tenha uma lógica como se ele fosse escrito por uma pessoa, mas na verdade foi escrito a várias mãos com uma única narrativa.
A questão do trabalho escravo não foi só de uma pesquisa pontual para o livro. É o tema da minha vida. As pessoas me conhecem mais pela cobertura de política e direitos humanos, mas o trabalho escravo é o principal tema que eu cobri na minha vida.
Não só como jornalista e não só como coordenador da Repórter Brasil, ONG que acompanha e cobre o trabalho escravo, mas também como pesquisador. Eu realizo pesquisas junto com universidades ao redor do mundo. Fiz um doutorado de Ciências Políticas pela USP sobre como o trabalho escravo contemporâneo se insere no capitalismo brasileiro.
Eu também sou membro das Nações Unidas. Ao longo dos anos, eu fui, não apenas pesquisando e absorvendo e reunindo informações sobre o Brasil e o mundo, mas também o tempo inteiro atualizado com o que acontece. Estou o tempo inteiro viajando para Austrália, Europa, Estados Unidos e África para ver in loco e avaliar o que está acontecendo no trabalho escravo e também a ajudar a propor soluções. O livro é consequência de tudo isso. Toda a minha experiência individual sobre o tema, mas também a experiência de todos estes autores.
A ideia do livro é abrir o debate público. Ele mostra que é um problema que todos nós temos que resolver. Trabalho escravo não é uma questão de direita ou de esquerda. Trabalho escravo é uma questão de civilização X barbárie. Diz respeito ao país que a gente quer. Trabalho escravo não é um crime contra uma pessoa só. Por isso que o Ministério Público do Trabalho move ações coletivas e públicas, porque é um direito coletivo. É uma liberdade que diz respeito a todos nós que é aviltada no trabalho escravo. Quando alguém é escravizada não é só essa pessoa que é aviltada, mas somos todos nós porque a liberdade que deveria ser garantida a todos não está sendo garantida. Isso já é condição suficiente para que toda pessoa se preocupe com isso e combata o crime. O Brasil é uma referência global no combate ao trabalho escravo. Esperamos que continue assim.
PI - Como você enxerga a cobertura da mídia brasileira sobre o trabalho escravo contemporâneo? Precisamos falar mais sobre o assunto?
Leonardo Sakamoto – A imprensa brasileira foi ao longo dos anos se interessando cada vez mais pelo trabalho escravo contemporâneo e pode ser considerada um ator extremamente importante no combate a esse crime. Não apenas porque ajuda a tirar a invisibilidade sobre este tipo de exploração, mas também porque tem atuado ativamente na identificação e no rastreamento da responsabilização das pessoas que cometem este crime. Se for olhar o processo abolicionista no século XIX, você vai ver que tinham muitos jornalistas entre os abolicionistas.
Da mesma forma, eu posso dizer que hoje tem muito jornalistas entre os abolicionistas. Você tem figuras importantíssimas dentro da imprensa brasileira, como Miriam Leitão, para quem o tema do trabalho escravo contemporâneo é um tema muito importante. Ela fala com o público dela, que ouve as análises políticas e econômicas, e ela faz a denúncia e a crítica. Veículos de comunicação do mainstream. Da TV Globo, Folha, Veja. Todos os grandes veículos e até os veículos alternativos. Eles têm coberto sistematicamente a questão do trabalho escravo contemporâneo.
O Brasil começa a combatê-lo em 1995 de forma sistemática quando o governo de Fernando Henrique Cardoso cria um sistema de combate ao trabalho escravo. Isso aumenta em 2003 quando é lançado o primeiro plano nacional para erradicação do trabalho escravo. A imprensa vai acompanhando isso e a gente tem reportagens sobre o assunto. É claro que a gente gostaria que tivesse mais porque o trabalho escravo não para. Há resgates de pessoas nesta situação toda semana e operação e investigação sobre isso. Porém, é inegável a atuação da imprensa neste sentido.
Toda vez que há uma tentativa de algum ator, público ou privado, de criar um constrangimento, a imprensa tem sido muito solícita e tem mostrado as implicações disso. Como aconteceu em outubro de 2017 quando o governo Temer publicou uma portaria que na prática dificultou o combate do trabalho escravo e a transparência de informação. A imprensa cobriu isso e criticou a criação de restrições à organização e à publicização da lista suja do trabalho escravo, que é o cadastro de empregadores flagrados neste crime, criado em 2003 e mantido desde então pelo governo federal.
É função do jornalismo proteger a dignidade humana, a democracia e as liberdades individuais. Não há nada mais aviltante para a democracia e para as liberdades individuais do que a submissão de alguém ao trabalho análogo ao escravo. Não existe possibilidade de neutralidade diante do trabalho escravo. Não significa que você precisa apoiar uma política A, B ou C.
PI - A sua pesquisa mostra que tem sido difícil combater o trabalho escravo. Por que isso acontece?
Leonardo Sakamoto - Eu gosto de ressaltar sempre que trabalho escravo é uma doença ,não é um sintoma. Se você só resgata pessoas, o que é importantíssimo, você pode melhorar a situação do paciente, mas você não cura a doença. A origem do trabalho escravo está num tripé. Pobreza, ganância e impunidade. A doença está no modelo de desenvolvimento e num modelo de país que permite que as pessoas lucrem e que as pessoas saiam impunes em cima do trabalho escravo. Esse tripé sustenta e precisa ser combatido. É complicado pela dificuldade de garantir melhoria da qualidade de vida e oportunidades para as pessoas e garantir um sistema que realmente puna as pessoas que se utilizam do trabalho escravo.
É claro que o Brasil avançou muito nesses três pontos, desde o governo FHC até hoje. Mas para erradicar o trabalho escravo de vez a gente precisa enfrentá-los. Ou seja, precisamos diminuir a desigualdade e garantir oportunidade para todos. O que significa uma justiça célere, uma economia justa e uma sociedade um pouco mais igual.
PI- Quais são as principais diferenças entre o trabalho escravo do século XVI no Brasil e o que acontece nos dias de hoje?
Leonardo Sakamoto – Há uma série de elementos que separam o trabalho escravo que havia na época da colônia e do império do de hoje. Primeiro de tudo e mais importante, naquela época , até 13 de maio de 1888, o direito de propriedade e de ter uma pessoa era reconhecido pelo Estado brasileiro e agora não é mais. Agora é proibido, tanto é que a gente usa o termo trabalho análogo ao escravo exatamente porque você não pode ser mais dono de alguma pessoa.
Teve uma escravidão indígena no Brasil e depois de africanos trazidos a força para o continente americano. Então havia este componente étnico. Hoje, apenas parcialmente, aparentemente, esse componente étnico não existe, mas na prática existe. Hoje o trabalhador escravizado é, a grosso modo, o pobre. Só que quem é o pobre no Brasil? A pobreza no Brasil tem cor e a pobreza é negra e indígena. Após a abolição da escravatura, o Brasil não inseriu essas pessoas em direitos de forma a garantir que elas se tornassem protagonistas das suas próprias histórias e autônomas economicamente. É claro que você tem trabalhadores escravizados brancos, mas os negros têm uma participação maior do que deveriam porque são maioria entre os pobres.
É importante dizer que a violência contra os trabalhadores sempre foi um traço presente. Antes e hoje a violência é fundamental. São punições, ameaças e espancamentos. Você não tem correntes e bolas nos pés, mas você tem outras formas de prender uma pessoa em situação de trabalho escravo. O artigo 149 do Código Penal define trabalho escravo de quatro formas. Primeiro, é o trabalho forçado para o qual o trabalhador não se ofereceu e para o qual ele foi enganado e aí ele é preso através de fraudes, isolamento geográfico e detenção de documentos e salário e de ameaças.
Segundo é a servidão por dívida. Ou seja, o trabalhador foi obrigado a pagar uma dívida ou ele contrai uma dívida ilegalmente com o empregador que nunca consegue quitar. Outros dois elementos são condições degradantes de trabalho. Não confundir com trabalho precário e insalubre. São condições que são tão aviltantes que colocam o trabalhador abaixo da linha da dignidade e que colocam em risco a sua saúde e segurança e vida. E jornada exaustiva que não é não pagamento de horas extras e trabalhar mais do que deveria, mas é o trabalho tão intenso e tão longo que também coloca em risco sua saúde e segurança e sua vida. Essa é a caracterização da escravidão contemporânea no Brasil.
Kassia Nobre/PI/Caminho Político
Edição: Régis Oliveira

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