Depois de Eduardo Bolsonaro, foi a vez do ministro Abraham Weintraub ofender a China. Estratégia de desviar a atenção de um governo de resultados fracos é clara, mas poderá trazer prejuízos à economia e custar vidas.A estratégia do presidente Jair Bolsonaro já se tornou bem conhecida: basta ele estar sob pressão política para um de seus filhos ou ministros alinhados lançar uma acusação especialmente absurda ou um ataque pelas redes sociais.
Um exemplo dessa manobra de distração foi dado pelo filho presidencial Eduardo, quando ele atribuiu à China a culpa pela crise mundial causada pelo coronavírus. Agora foi a vez de o ministro da Educação, Abraham Weintraub, num post infantil e racista, acusar a China de lucrar com a propagação do vírus.
O embaixador chinês no Brasil exigiu desculpas, assim como exigira no caso de Eduardo, mas Weintraub respondeu que só fará isso se a China enviar aparelhos médicos a preço de custo para o Brasil. Ao contrário de Eduardo, que não tem cargo no governo e é deputado, Weintraub é ministro de Bolsonaro. Ele fala em nome do governo e também em nome do seu chefe, se este não o repreender. O que não aconteceu.
Em Brasília, a indignação é grande. "Meu medo é o efeito cumulativo da ofensa", afirmou Marcos Azambuja, diplomata de carreira e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), ao jornal Valor Econômico. "O Brasil tem atirado com grande perfeição em seu próprio pé."
Ele destacou que a relação bilateral entre os dois países era livre de impasses. "Onde havia uma estrada fluida e limpa agora há um campo um pouco minado por causa das tolices ditas por nós", disse Azambuja.
Para Azambuja, ofender a China pode ser – também literalmente – fatal para o Brasil. "Estamos em um caminho inexplicável de ofender a China e os chineses, num momento em que o país adquire uma importância crescente para o mundo e para nós, sobretudo no fornecimento de equipamentos de saúde de emergência", observou.
A China é, no momento, uma das poucas grandes nações em condições de oferecer e enviar conhecimento sobre o vírus e como combatê-lo, equipamentos médicos e, não menos importante, dinheiro para ajudar a aliviar o sofrimento.
Todas as outras grandes nações enfrentam, elas mesmas, uma situação de emergência, que deverá se estender para um futuro próximo, e não estão em condições de enviar ajuda.
Só que as chances de a China considerar o Brasil na hora de distribuir seus limitados recursos são cada vez menores devido às ofensas vindas de Brasília. A China é pragmática na sua política externa, mas ofensas de cunho racista são intoleráveis.
A campanha contra a China, levada a cabo por Bolsonaro, também prejudica a economia no longo prazo. Essa briga sem sentido, iniciada unilateralmente, reduz a capacidade do Brasil de se recuperar depois que a crise do vírus passar: nos últimos meses, a China se tornou ainda mais importante como mercado para os produtos agrícolas brasileiros.
Do superávit brasileiro – exportações menos importações –, 77,9% vêm do comércio com a China. No primeiro trimestre deste ano, o crescimento do superávit nas exportações para a China foi de quase 50%. Em quase todas as outras regiões do mundo, as exportações brasileiras caíram ou estagnaram. Ou seja, em meio à crise, as exportações de alimentos para a China são uma das poucas fontes estáveis de divisas em dólar para o Brasil.
A China já anunciou que vai comprar mais produtos agrícolas dos Estados Unidos. A justificativa é que a cadeia de fornecimento brasileira não é segura devido à crise do coronavírus e pode falhar. O presidente dos EUA, Donald Trump, festejou a notícia diante de fazendeiros do Meio-Oeste americano: os chineses, como prometido, vão comprar mais produtos agrícolas dos EUA, anunciou.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, resumiu bem a situação, também em declarações ao Valor. "A crise cria uma situação em que o país precisa dançar conforme a música, e ainda estamos pisando no pé da dançarina."
Alexander Busch (as)Caminho Político
Edição: Régis Oliveira
Nenhum comentário:
Postar um comentário