
Do local até os edifícios do Instituto de Pesquisa dos Efeitos da Radioatividade, são apenas dois quilômetros em linha aérea. Lá estão preservadas as amostras de sangue, plasma e urina de 20 mil hibakusha, os sobreviventes da explosão. Devido à idade avançada, o número dos participantes desse estudo de longo prazo se reduziu a 3 mil.
Entre eles, um número bem acima da média padeceu dos efeitos colaterais da radiação, sobretudo de câncer, mas também infartes e depressões. "A arma de 1945 continua agindo, há já 75 anos", constata o médico Osamu Saito, de Hiroshima, que acompanhou diversas vítimas de radiação. "Os sobreviventes carregam esses efeitos no corpo e na alma."
Mudança de local: na cidadezinha de Futaba, a poucos quilômetros da usina nuclear Fukushima Daiichi, um guindaste distribui sacos de plástico preto na esteira rolante de uma unidade de processamento. Cada um contém um metro cúbico de terra e grama contaminados, escavados dos campos e jadins da antiga zona interditada.
Estão esperando ser tratados 14 milhões desses sacos. Se a terra peneirada só irradiar um pouco, o Estado quer utilizá-la por todo o país, para o cultivo de plantas, usinas de biomassa e obras públicas como ruas.Mais de 3 mil cidadãos criticaram esse plano do Ministério do Meio Ambiente. "A radioatividade vai ser espalhada por todo o país", diz um deles, indignado. Em março de 2011, explosões de hidrogênio nos reatores liberaram 168 vezes mais césio do que uma bomba nuclear do porte da de Hiroshima, tornando inabitáveis 1.100 quilômetros quadrados e desalojando 120 mil habitantes.
A catástrofe nuclear reavivou o trauma das bombas atômicas: criou-se uma nova geração de hibakusha, novamente cidadãos japoneses são discriminados por estarem contaminados por radioatividade, sofrem bullying na escola, não encontram trabalho nem parceiros.

Má vontade do Estado
Para os hibakusha, outro paralelo entre Hiroshima e Fukushima é o comportamento pouco incisivo das autoridades. "No acidente atômico e na bomba, o governo disse que ia investigar cientificamente os efeitos da radiação, mas delegou essas tarefas às autoridades locais, e não informa a respeito", queixa-se Terumi Tanaka, que sobreviveu a bomba de Nagasaki aos 13 anos de idade e por longo tempo foi secretário-geral da organização Nihon Hidankyo, de hibakusha. "Então, não sabemos o que o material radioativo faz nos nossos corpos."
O Estado precisou de 12 anos para finalmente reconhecer a existência dos hibakusha, numa lei médica de 1957. Ao se submeterem aos exames na instituição que antecedeu o de Pesquisa dos Efeitos da Radioatividade, muitas vítimas da explosão se sentiam tratadas como "cobaias". Nenhum dos chefes de governo do Japão ergueu a voz contra sua discriminação.

Também os moradores de Fukushima sofrem a síndrome da radioatividade. Os pais de 300 mil crianças estão temerosos, porque entre elas a taxa de câncer da tireoide é inusitadamente alta.
As autoridades alegam tratar-se de um efeito dos exames em massa, um argumento também sustentado pelo médico nuclear alemão Christoph Reiner: "O mesmo estudo foi realizado em regiões distantes entre si, e encontrou-se a mesma frequência de alterações. O acúmulo de caso se deve, portanto, ao rastreamento intensivo", afirmou em entrevista por vídeo.
O governo também liberou dois terços das zonas interditadas após uma descontaminação. Para tal, elevou-se o nível máximo permissível de radiação a 20 milisieverts por ano. Isso, apesar de o valor-limite padrão de um milisievert ter se baseado nas pesquisas com os hibakusha de Hiroshima e Nagasaki.
Os que haviam sido evacuados e se recusam a retornar às zonas do desastre de Fukushima perdem o direito à subvenção mensal do Estado. Para o médico Saito, só há uma maneira de as feridas radioativas do Japão sararem: "O Estado tem que se desculpar pelas bombas atômicas e o acidente do reator, e indenizar inteiramente todos os atingidos. Isso é o mínimo."
Martin Fritz (av)Caminho Político
Foto: K.Mayama
Caminho Politico
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