Na noite do dia 25 de agosto de 1961, na Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Cuiabá, a vereadora Maria Nazareth (PSD) disse aos vereadores que aquele era um dia de grande reflexão, e que em virtude da atitude do Presidente da República, poderiam acontecer coisas graves à nação brasileira. A vereadora referia-se à renúncia de Jânio da Silva Quadros ao cargo de Presidente do Brasil. Inicialmente, é necessário conhecer um pouco sobre Jânio Quadros, por isso uma breve passagem pela sua biografia, em especial no campo político, e em seguida as consequências do seu ato e a repercussão no parlamento cuiabano.
Jânio Quadros nasceu em Campo Grande no ano de 1917, na época uma cidade do Estado de Mato Grosso. Foi criado em Curitiba, e em sua juventude mudou-se para cidade de São Paulo, graduando em Direito na tradicional Faculdade do Largo de São Francisco. Jânio ingressou na política como vereador, nas eleições de 1947, quando ocorreu a reabertura das câmaras municipais. No ano de 1950 foi eleito Deputado Estadual, em seguida Prefeito de São Paulo, Governador do Estado e Deputado Federal, desta vez pelo Estado do Paraná. Aos 44 anos de idade, com apenas 13 anos de vida política, elegeu-se Presidente da República nas eleições de 3 de outubro de 1960. Foi, embasado em discursos moralistas, de combate à corrupção e aos políticos tradicionais, contra os benefícios das elites e a favor do atendimento aos pobres, e com a sua figura carismática e popular, que Jânio Quadros conquistou 48% dos votos pelo PTN, com o apoio da UDN. Nas eleições de 1960, o eleitor votava separadamente para os cargos de Presidente e de Vice-Presidente, sendo que para este foi eleito João Goulart, do partido de oposição, o PTB.
Acerca de seu mandato, o historiador Boris Fausto destaca que o Presidente iniciou sua gestão cuidando de assuntos desproporcionais ao seu cargo, como a proibição do lança-perfume, das brigas de galo e do uso do biquíni. Nas medidas mais sérias, combinou iniciativas simpáticas à esquerda e em outro momento aos conservadores, o que acabava desagradando a ambos. Na política externa, em um mundo bipolarizado entre os Estados Unidos (capitalista) e a União Soviética (comunista), dizia-se independente, acenando positivamente para ambos, causando assim desconforto entre as lideranças nacionais e internacionais. Na economia ele herdou um descontrole financeiro provocado pelos vultuosos empréstimos contraídos pelo governo anterior. A inflação batia seguidos recordes, e mesmo contendo gastos públicos, Jânio não conseguia detê-la.
No campo político, o Presidente perdeu o apoio de grandes aliados. Já sem base no Congresso Nacional, dominado pelo PDS e PTB, seu governo desagradava até a UDN por não tratar conjuntamente os seus projetos. Além disso, foi rechaçado por Carlos Lacerda, pessoa de grande influência política e popular. De apoiador, Lacerda tornou-se um ferrenho opositor ao governo de Jânio. Na noite do dia 24 de agosto, Lacerda insinuou pela rádio que o Presidente tentava um golpe. No dia seguinte, Jânio Quadros apresentou ao Congresso o seu pedido de renúncia ao cargo de Presidente do Brasil. Cogita-se (já que ele nunca se explicou) que tentava o apoio da população, dando-lhe mais poder, podendo assim sobrepujar o Congresso. Sem apoio considerável, Jânio seguiu para Londres com a sua família, deixando uma crise na sua sucessão. Iniciava-se no Brasil uma grande disputa pelo comando político e administrativo, inclusive com a interferência de militares, um período que estremeceu a nação e repercutiu inclusive entre os vereadores de Cuiabá.
Na Sessão Ordinária do dia 28 de agosto, o vereador Benedito Metelo (UDN) apresentou um Requerimento a fim de que os vereadores, diante da situação política que abalava o país, manifestassem à população da cidade o posicionamento da Câmara, enviando uma mensagem que seria lida nas rádios e repassada à imprensa escrita. Vale destacar que os cuiabanos tinham aderido fortemente à campanha do ex-presidente, na medida em 8.573 dos 16.090 habitantes aptos a votar o escolheram, levando-nos a acreditar que nutriam certo apreço por Jânio Quadros.
No início dos debates a respeito do Requerimento, o vereador Paulo Lobo (UDN) defendeu a necessidade de uma sucessão baseada na lei e na vontade popular, sem a intervenção, segundo ele, “de grupinhos, que serão os perturbadores da ordem”. O vereador Manuel Miraglia (PSD) declarou que era a favor da legalidade e da Constituição, pois se não passaria o país por uma Ditadura. Por fim, devido à ausência de alguns vereadores e por tratar-se de um tema de bastante complexidade e seriedade, o vereador Otávio Sant’anna (UDN) sugeriu que fosse convocada uma Sessão Especial com a presença de todos os vereadores. A sugestão foi acatada pelos demais e o Presidente Álvaro Benedito Duarte (UDN) convocou a sessão para o dia seguinte.
No início da Sessão Especial do dia 29 de agosto, com a presença de 7 dos 9 vereadores, o Presidente destacou que aquela reunião serviria exclusivamente para tratarem do Requerimento do vereador Benedito Metelo (UDN). O vereador Otávio Sant’anna (UDN) afirmou que aquele Requerimento apresentado na noite anterior provocou uma pausa para sua reflexão sobre o momento pelo qual passava o país. Defendeu que o Requerimento deveria ser aprovado, para que “não haja lufa-lufa (enrolação), pois o mesmo é de necessidade, já que defende a ordem e a legalidade”.
A vereadora Maria Nazareth (PSD) disse na sessão que “na hora em que a nossa Pátria atravessa momentos difíceis, devemos levantar as nossas vozes para que a Democracia e a Constituição sejam respeitadas, e para que seja empossado o Vice-Presidente”. Afirmou ainda que “a Democracia dá direito ao tribuno para defender os seus anseios”. Realçou que seja lá o Vice-Presidente de qual partido for, “deverá sem empossado, pois recebera o mandato do povo e deve ser respeitado”. Da mesma forma, o vereador Afrânio Calhau (PSD) disse que levantava a sua voz pela legalidade, vendo que “o Brasil periclitava para uma Ditadura, e que os vereadores deveriam se manifestar”. Os vereadores, por fim, aprovaram o Requerimento e assinaram uma mensagem que seria transmitida ao povo cuiabano através da imprensa escrita e falada. Infelizmente não há na Ata a redação da mensagem e não a encontramos no jornal O Estado de Mato Grosso.
Analisando esses acontecimentos, em especial a manifestação dos Edis cuiabanos, podemos entender que por mais bem intencionados que alguns grupos possam se sentir, não há outra alternativa a não ser o respeito ao desejo do povo externado através do voto em eleições livres. João Goulart tomou posse em 7 de setembro daquele ano, com poderes limitados em virtude da adoção do sistema parlamentarista. Já em janeiro de 1963, mais uma vez o povo se manifestou através do voto, a favor do presidencialismo. Cerca de 9,5 milhões, dentre um total de 12,3 milhões de votantes, desamarram os punhos de João Goulart através de um Plebiscito, e ele pode ser, enfim, o Presidente do Brasil.
Danilo Monlevade/Analista Legislativo/Caminho Político
@caminhopolitico @cpweb
BORIS, Fausto. História do Brasil. 2ª ed. São Paulo: USP, 2002.
Jornal O Estado de Mato Grosso (Edição nº 3.960 de 26 e 27de agosto de 1961).
Livro Ata nº 10 (Acervo da Câmara Municipal de Cuiabá).
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